Com poucos investimentos em prevenção, comunidades temem tragédia parecida com a do Rio
Mais de 52 mil pessoas de 35 comunidades de Florianópolis estão em constante risco de serem vítimas de deslizamentos e alagamentos. Enquanto a ocupação aumenta nas encostas e áreas irregulares, poucas providências foram tomadas nos últimos anos para evitar desastres, como a que assola a região serrana do Rio de Janeiro.
Enquanto obras de contenção de encostas e drenagem não são feitas, moradores dos morros como o motorista Idalino Campos, de 51 anos, e a mulher Jaira Claudino, 42 anos, ficam preocupados sempre que cai a chuva. Eles correm o risco de perder a casa, se uma pedra, que já destruiu outra morada, rolar. As rochas começaram a se soltar há três meses.
– Um homem da prefeitura veio aqui em novembro e disse que retornaria para cortar a pedra, mas até agora não apareceu – lamenta Jaira.
Em 2007, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) fez o Plano Municipal de Redução de Riscos para a prefeitura em que elencou as zonas problemáticas (veja arte ao lado) e recomendava as soluções. O projeto já ficou desatualizado e, segundo a Secretaria de Habitação e Saneamento, somente agora a verba federal de R$ 7 milhões para as obras foram liberadas. O plano precisará ser revisto para incluir localidades como a Cidade Alta, no Rio Tavares, onde ocorreu deslizamento na enchente de 2008.
No Morro da Cruz, o projeto de urbanização para as 16 comunidades, com tratamento de esgoto e muros de contenção, deveria estar sendo concluído. Mas apenas as obras na Serrinha e Caieira do Saco dos Limões ficaram prontas. A prefeitura pediu prorrogação para 2012. Segundo o secretário-adjunto Nelson Bittencourt, a dificuldade é conseguir empresas que queiram trabalhar.
– A obra de esgoto foi paralisada em abril porque a empresa desistiu e só conseguimos contratar outra agora. Para retirar moradores de áreas de risco, precisamos construir 438 casas, mas já fizemos duas licitações e não apareceram interessados. Vamos tentar contratação direta.
Somente em 2010, 98 casas foram interditadas por deslizamento de terra e alagamento. De acordo com o diretor da Defesa Civil da Capital, Maximo Seleme, também é preciso conter o crescimento populacional.
– A maioria dos que vivem nas áreas irregulares são pessoas de outras cidades que vêm tentar a vida aqui. Em muitos casos, as prefeituras de seus municípios que pagam a passagem. Precisamos frear esse problema. Florianópolis não tem como receber tantos novos moradores.
(ROBERTA KREMER, DC, 18/01/2011)
UFSC ajudará a mapear o país
Um dos grandes entraves à aplicação de ações de prevenção em áreas de risco de deslizamentos no Brasil é a ausência de um estudo que localize e identifique estas regiões. Não existe hoje, no Brasil, um mapeamento neste sentido.
Mas este quadro deve mudar, com a finalização de um estudo que já está sendo realizado. O trabalho é resultado de uma cooperação técnica entre o governo federal, defesas civis estaduais e federais e o Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (Ceped), instalado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O objetivo do estudo inédito é mapear todas as áreas de risco no território nacional e, a partir disso, capacitar profissionais para a prevenção de novas tragédias. A primeira etapa do trabalho, que deve ser concluída até junho, é a análise da série histórica de desastres desde 1990, por meio da análise arquivos das defesas civis. Com isso, será possível priorizar as regiões que apresentam, historicamente, incidência de tragédias.
Com os dados em mãos, será produzido um mapa informatizado integrado às sedes da Defesas Civil estadual e federal.
A última etapa é capacitação dos municípios, que ficariam preparados para atuar na prevenção de desastres. O município, por sua vez, será responsável por capacitar, por exemplo, líderes comunitários que atuem na evacuação de áreas condenadas.
(PEDRO SANTOS, DC, 18/01/2011)
“Falta política habitacional no país”
ENTREVISTA: Major Márcio Luiz Alves, Diretor da Defesa Civil de SC
O diretor da Defesa Civil Estadual, Major Márcio Luiz Alves, demonstra preocupação com o aumento do número de áreas de risco em vários municípios de Santa Catarina. Para ele, o nó da questão é a ineficiência da atual política habitacional do país, que leva os moradores a construirem em áreas perigosas, onde os terrenos são bem mais baratos.
Diário Catarinense – A tragédia que acometeu o Estado em 2008 pode acontecer novamente?
Márcio Luiz Alves – Pode sim. Precisamos estar esperando o pior para nos prepararmos. E a Defesa Civil está preparada. O que acontece é que desastres naturais ultrapassam a estrutura da Defesa Civil. Por exemplo, no Rio, ninguém pode dizer que a Defesa Civil não estava bem estruturada. Chuva de verão é comum e sempre se repete. O difícil de precisar é o local onde vai acontecer.
DC – Se há preparação, por que o número de vítimas é sempre tão alto nas enchentes?
Alves – Falta estrutura nos municípios para realocar os moradores e controlar novas ocupações. Os municípios estão sobrecarregados. É muita demanda e pouco orçamento para as prefeituras. Alguma coisa nesta equação está errada.
DC – E qual é a solução para esse problema, então?
Alves – Primeiro de tudo, precisamos conscientizar. Hoje, as crianças sabem o que fazer quando cai uma tempestade, quando há ventos fortes ou deslizamentos. Elas são um excelente indutor dos adultos e, por isso, atuamos nessa área, de educar para prevenir. As pessoas também têm que desenvolver a memória sobre o passado. Com as grandes chuvas de 1983, dois anos depois, outras casas já começaram a ser construídas no vale. Sem falar de pessoas que vêm de fora e desconhecem os perigos.
DC – Nesse sentido, a população seria responsável pelos desastres?
Alves – Não é só isso. Falta uma política habitacional. A população cresce e precisa morar, necessita de áreas de plantio e terra para sobreviver. A ocupação acaba ocupando as áreas disponíveis.
(DC, 18/01/2011)
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