Suposto responsável pelo auto de infração à consultoria Caruso Jr., chefe de unidade de conservação acabou exonerado.
Mais um episódio da disputa de bastidores envolvendo o licenciamento ambiental do estaleiro OSX em Biguaçu, na Grande Florianópolis, veio à tona quarta-feira. Apoena Figueiroa foi exonerado da chefia da Estação Ecológica de Carijós, unidade de conservação gerenciada pelo ICMBio que fica próxima ao local onde o empreendimento pretende se instalar.
O analista ambiental teria quebrado a hierarquia do instituto e autuado a Caruso Jr., consultoria que atende grandes empresas, como a GM, Votorantim, Weg e Eletrosul, e assina os estudos apresentados pela OSX à Fatma e ao ICMBio. O indicativo de multa de R$ 200 mil se refere a “incorreções e omissões” no estudo de impacto ambiental. Entre elas estariam o número reduzido de amostragens, a caracterização insuficiente dos ambientes marinhos impactados, a grafia errada de nomes científicos de espécies estudadas.
Desde julho, a análise do processo passou da esfera estadual para a federal. Uma comitiva catarinense formada por políticos, empresários e pesquisadores foi a Brasília pedir a intervenção do Ministério do Meio Ambiente. A ministra Izabella Teixeira assumiu o processo e solicitou ao ICMBio nacional que refaça o parecer – um grupo de trabalho deve se manifestar em outubro.
A reportagem não conseguiu localizar Figueiroa. A sua exoneração é mais um capítulo no truncado processo de licenciamento do estaleiro. Como o empreendimento será localizado próximo de três unidades de conservação, precisa necessariamente da aprovação do ICMBio.
A autuação foi apresentada no dia 3 de setembro à Caruso Jr. A empresa tem até o dia 23 para apresentar defesa prévia contra o indicativo de multa. A consultoria só será efetivamente multada se a sua justificativa não for aceita pelo ICMBio.
Questionado sobre a exoneração de Figueiroa, o presidente nacional do ICMBio, Rômulo Mello, disse ter sido motivada por necessidade de adequação administrativa. Ao responder sobre a participação direta do analista com a autuação da Caruso Jr., informação divulgada pelo colunista do DC Moacir Pereira ontem, não negou nem confirmou a informação. Sobre a suspeita de que Figueiroa teria dado parecer favorável à duplicação da SC-401, na Capital, em troca de uma bolsa de mestrado, Mello negou que esta seja uma prática do instituto.
O auto de infração do ICMBio estadual se baseou no estudo do biólogo Paulo César Simões Lopes. O pesquisador foi contratado pela Caruso Jr. para realizar um estudo prévio sobre os golfinhos na Baía Norte, principal desafio ambiental ao estaleiro OSX.
Em documento apresentado em 9 de abril de 2009, Simões afirmou que o projeto era inviável em Biguaçu, por conta dos possíveis riscos às unidades de conservação. Simões sugeriu a “realocação do empreendimento para outra área onde já existam complexos portuários fora de baías ou enseadas, para que os efeitos nocivos não sejam potencializados como ocorre em águas internas”.
Segundo a Caruso Jr., o estudo de Simões foi descartado porque tratava dos impactos provocados por um porto, e não um estaleiro. A consultoria também sustenta que, utilizando a mesma metodologia, obteve resultados diferentes. Eles constam no EIA apresentado em dezembro.
(Por ALÍCIA ALÃO, DC, 17/09/2010)
MPF motivou a autuação
Um pedido de providências do ICMBio quanto ao estudo de Simões foi solicitado em julho pelo procurador Eduardo Barragan, do Ministério Público Federal, que acompanha o processo desde o início.
A resposta do instituto foi a autuação da Caruso Jr., como explicou o presidente do ICMBio nacional, Rômulo Mello. Em nota divulgada ontem, o procurador Barragan afirmou que a autuação e indicação de multa “nada mais são do que consequências naturais do poder de polícia do ICMBio, que devem ser adotadas sempre que constatada a ocorrência de ilícitos ambientais”.
O procurador ainda não concedeu entrevista à imprensa. Por meio do assessor jurídico Alexandre Reis, declarou que se manifestará somente no mês que vem, ao final do prazo que o grupo de trabalho do ICMBio nacional tem para dar um parecer.
Além de ser autor de um inquérito civil para acompanhar o licenciamento, Barragan recomendou à Fundação do Meio Ambiente (Fatma) que deixasse o processo nas mãos do Ibama.
Em agosto, os dois órgãos ambientais selaram acordo de cooperação técnica para definir as atribuições de cada um quanto ao licenciamento. A decisão ficará mesmo nas mãos da Fatma.
A CRONOLOGIA DO CASO
19 de março
O ICMBio, responsável pelas unidades de conservação federais, dá parecer negativo à instalação do estaleiro em Biguaçu. Sem a aprovação do órgão, o projeto pode não receber licença ambiental prévia.
5 de abril
O procurador da República Eduardo Barragan instaura inquérito civil público para acompanhar o licenciamento do estaleiro OSX.
Maio
A empresa protocola na Fatma um novo relatório, com alternativas para os problemas apontados pelo ICMBio.
Junho
O ICMBio se mantém contra a construção em Biguaçu. OSX dá início ao licenciamento ambiental de um estaleiro semelhante ao de Biguaçu no Rio de Janeiro.
7 de julho
A ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira, recebe comitiva catarinense em Brasília. O Planalto decide assumir a negociação ambiental do estaleiro. A coordenação estadual do ICMBio divulga nota afirmando que não se manifestaria mais sobre o assunto.
20 de agosto
Publicada no Diário Oficial da União a criação do grupo de trabalho na sede do ICMBio de Brasília, formado por 11 técnicos (sendo três da nona regional, com sede em Florianópolis). Este grupo é encarregado de um nova avaliação do impacto ambiental da OSX.
3 de setembro
ICMBio autua a consultoria Caruso Jr., que fez os estudos ambientais do estaleiro, com indicativo de multa no valor de R$ 200 mil. Os argumentos foram “omissões e falsidades” que poderiam induzir os técnicos do instituto ao erro.
12 de setembro
O presidente do ICMBio nacional, Rômulo Mello, diz que o instituto foi motivado por pedido de providências do procurador Eduardo Barragan quanto ao estudo do pesquisador Paulo César Simões.
13 de setembro
O chefe da unidade de conservação Estação Ecológica de Carijós, Apoena Calixto Figueiroa, é exonerado do cargo. A unidade fica a menos de 10 quilômetros de onde será construído o estaleiro OSX. Teria partido dele a decisão de multar a Caruso Jr.
14 de setembro
Ministério Público Federal divulga nota oficial negando envolvimento na autuação do ICMBio em desfavor da Caruso Jr.
Personagens
Apoena Calixto Figueiroa
Ex-chefe da unidade de conservação Estação Ecológica de Carijós, na Capital. Foi exonerado do cargo em 13 de setembro pelo presidente do ICMBio nacional, Rômulo Mello. Há indícios de que ele tenha quebrado a hierarquia do instituto. Em 2007, quando era fiscal do Ibama, foi indiciado pela Polícia Federal por suposta omissão quanto à construção de uma boate em Jurerê Internacional, próximo à estação Ecológica de Carijós.
Caruso Jr.
Consultoria ambiental contratada pela OSX para elaborar o estudo de impacto ambiental (EIA) e o relatório de impacto ambiental (Rima) do estaleiro em Biguaçu.
Procurador Eduardo Barragan (MPF)
Instaurou um inquérito civil público para acompanhar o licenciamento ambiental do estaleiro. Solicitou ao ICMBio providências sobre o estudo do pesquisador Paulo César Simões Lopes, que rejeitou o estaleiro em Biguaçu. Foi esse estudo que motivou o indicativo de multa à Caruso Jr., por supostas “incorreções e omissões” no estudo de impacto ambiental.
Ricardo Castelli
Cordenador do Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio) da nona regional, que abarca Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O parecer negativo ao estaleiro será revisto pela sede do ICMBio nacional, em Brasília.
Rômulo Mello
Presidente nacional do ICMBio. Por recomendação do Ministério do Meio Ambiente, formou um grupo de trabalho para elaborar um novo parecer sobre a viabilidade da construção do estaleiro em Biguaçu.
Paulo César Simões
Pesquisador doutor em zoologia aquática, foi contratado pela Caruso Jr. para estudos prévios quanto ao possível impacto aos golfinhos da Baía Norte, antes do início do EIA-Rima. O cientista fez um estudo no qual aponta a inviabilidade do estaleiro em Biguaçu.
(DC, 17/09/2010)
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