Especialistas apontam a especulação imobiliária nas praias e atividades industriais como ameaça às comunidades tradicionais de pescadores
A especulação imobiliária na costa brasileira e o modelo industrial de pesca ameaçam as comunidades tradicionais de pescadores. O alerta de especialistas foi o destaque da conferência “A Qualidade de Vida das Comunidades Pesqueiras”, durante a 62ª Reunião Anual da SBPC, na semana passada.
Cerca de três milhões de pessoas dependem diretamente da pesca artesanal no Brasil, segundo dados apresentados pelo pesquisador da Universidade Federal Rural do Amazonas (Ufram), Eduardo Tavares Paes. Só no estado do Pará, a atividade corresponde a 80% da produção total.
“A falta de políticas públicas para conter ataques pela via marítima e terrestre, no entanto, tem comprometido o meio de sobrevivência dessas famílias”, aponta o especialista em Pesca e Aquicultura.
Dissertação de mestrado em Ergonomia da pesquisadora Cíntia Araújo traduz em números a tendência. O estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) revela que, hoje, só 30% dos 42 pescadores da praia de Ponta Negra, um dos principais pontos turísticos de Natal, vivem exclusivamente da pesca.
“São comunidades que há poucas décadas sobreviviam apenas da pesca, mas que estão ameaçadas por pressões externas”, ressalta. Cíntia ainda explica que, em Ponta Negra, há muitos casos em que os próprios pais desenvolveram resistência em aceitar a opção dos filhos de se tornarem pescadores. “Obrigados a buscar moradia e meios de renda na cidade, muitas famílias já estão desacreditadas em recuperar o modo de vida tradicional”, diz a pesquisadora.
Resistência
Filho de pescador, pescador e pai de pescadores, Jorge Nunes de Souza e outras 180 pessoas enfrentam a pressão de empresários do ramo hoteleiro e da indústria naval pesqueira na praia de Itapuã, em Salvador (BA). “Não há como competir com os interesses dos donos de resorts e grandes embarcações. Estamos resistindo enquanto podemos”, comenta o homem de 52 anos, presidente da Associação Livre de Pescadores e Amigos da Pesca de Itapuã e um dos convidados para a palestra.
Jorge, mais conhecido como Seu Chico, explica que a retirada das famílias do litoral para as cidades dificulta o repasse da tradição. “Os jovens perdem contato com o mar e acabam não se interessando pela profissão dos pais”, lamenta ele, que usa canoa e remos na pesca.
Políticas
Assegurar a posse de terras às populações que tradicionalmente ocupam o litoral, limitar a atuação de navios pesqueiros e criar escolas que incluam conteúdos ligados à pesca no currículo são algumas das soluções apresentadas pelo antropólogo Roberto Kant de Lima, da Universidade Federal Fluminense (UFF), para os problemas nas regiões de pesca artesanal.
“É preciso levar em conta as necessidades de cada comunidade antes de estabelecer regras. Hoje existe uma imposição de valores”, observa o palestrante convidado para a conferência.
Apresentadora do debate, a professora da UnB Fernanda Sobral, destacou a importância de incluir as comunidades pesqueiras nos estudos das Ciências do Mar, tema da 62ª SBPC. “As ciências sociais também merecem espaço nas pesquisas marítimas. Os oceanos também seu lado humano nas comunidades que dependem de seus recursos”, observa.
(Por João Campos, Ambiente Já /Agência UnB, EcoDebate, 09/08/2010)
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