Escola instalada em São José, na Grande Florianópolis, passa por recuperação e reabre as portas hoje. Atividade é uma tradição deixada por imigantes europeus
Mão firme, paciência e muito amor pelo trabalho. Não há outra receita para um bom oleiro. Estas são as características de Pedro João da Rosa, 63 anos, há 40 trabalhando com argila. Hoje, ele é um dos professores da Escola de Oleiros Joaquim Antônio de Medeiros, de São José, que, depois de oito meses de obras de recuperação, reabre as portas para a comunidade.
Pedro João é parte da história dos oleiros de São José. Começou ainda pequeno quando a irmã, Zenir Josefa de Souza, decidiu desafiar os costumes da época e se tornar uma fabricante de peças de cerâmica. Corria a década de 1950 e olaria era lugar de homem. Tudo era empecilho. A começar pelo traje. Para tocar a roda (que também é chamada de ola e daí o nome olaria) era preciso usar calça. O vestido poderia se enroscar e comprometer o trabalho. E, para os homens da época, uma mulher de calças compridas tinha sua feminilidade comprometida. Zenir deu de ombros para o preconceito. Disse ao pai que queria fabricar as peças em cerâmica usadas na casa, e o pai, homem nascido e criado em olaria, apoiou a garota. Montou uma roda num cantinho da casa e deu a ela um par de calças.
Bom observador e paciente, Pedro João começou a acompanhar o trabalho da irmã.
– Foi ela a minha grande professora – lembra ele, com saudade da irmã já morta.
Primeiro as atividades típicas de um ajudante: trazer a argila, levar as peças para o sol para secar, virá-las para evitar que alguma parte ficasse na sombra, transportar para o forno. Tudo com muito cuidado.
Enquanto isso a irmã ficava lá no cantinho da casa girando a roda no sentido anti-horário. Um dia Pedro João disse a ela que queria fabricar peças. Começou com as miniaturas e depois aos poucos foi passando para as peças maiores. Hoje, Pedro João mostra a habilidade treinada diariamente há mais de 40 anos.
– A mão precisa dominar o barro. Não podemos deixar o barro dominar a mão – ensina.
João diz que houve período em que a cerâmica esteve em baixa. Nos anos 1970, com a popularização do alumínio, panelas de barro viraram peça de museus.
– Teve muita gente que foi lá no morro do Cambirela para pegar restos de alumínio daquele avião que caiu. Agora a coisa mudou de novo – recorda.
Enquanto Pedro João dá forma a uma moringa, três alunos ficam de olhos vidrados nas mãos habilidosas do oleiro. Uma delas é Hermengarda Gurgel, 53 anos, aluna do curso de Artes Plásticas da Udesc. Há três anos ela direciona suas atividades para cerâmica.
– Conheci a Escola de Oleiros quando uma colega de aula, que pesquisava cerâmica, me trouxe até a escola – diz Hermengarda.
Ela conta que descobriu a cerâmica logo no início do seu curso e se apaixonou pelo material. O motivo?
– É um material tão plástico, tão amoroso e aceita todo movimento – observa.
Concentrado, Antônio José Lopes Fazenda, 60 anos, já começa a colher os frutos de duas semanas de aula. Aos poucos o terapeuta corporal dá forma a uma bola de argila. A roda gira e a peça vai se formando.
– Este trabalho mexe com a sensibilidade das mãos. Não é força, é sensibilidade. Tem ainda o relaxamento e concentração – diz Antônio.
Sonya Prazeres, 60 anos, terapeuta da voz, fez ontem a sua segunda aula. Mas ela não é uma novata. Carioca, morando há um ano no Bairro Trindade, em Florianópolis, diz que não se importa de rodar quilômetros até chegar na Ponta de Baixo onde está a Escola de Oleiros.
–Eu sempre gostei muito de cerâmica e sempre que posso estou fazendo aulas – conta Sonya que já frequentou aulas com as ceramistas do Vale do Jequitinhonha e no México.
(Por JACQUELINE IENSEN, DC, 29/07/2010)
Incremento nas atividades
A Escola de Oleiros renasce com um novo perfil. Antes, o aluno tinha um determinado período para frequentar os cursos. Depois, não poderia mais continuar para que houvesse o rodízio. Agora, a proposta é profissionalizá-los. Não há mais restrição de tempo. Eles ficam até o momento em que sentirem necessidade de treinar suas habilidades.
A olaria ganha projeto específico para fomentar a produção e o comércio das oficinas de oleiros de São José. O Circuito dos Oleiros, elaborado pela prefeitura de São José e Fundação Municipal de Cultura e Turismo, pretende criar na Rua Frederico Afonso, no Bairro Ponta de Baixo, um local turístico caracterizado pela atividade artesanal dos mestres da arte da olaria.
– A finalidade é fixar os oleiros ainda em atividade numa mesma região, chamar outros que estejam residindo fora desta área, organizando, de forma empreendedora, a produção e a comercialização dos produtos, impedindo a exploração por terceiros e gerando mão-de-obra inicial, através da formação de novos mestres – explica o Superintendente da Fundação Municipal de Cultura e Turismo, Djalma Cardoso.
Além de criar um novo atrativo turístico, a proposta é estimular a geração do emprego e renda com o ofício de oleiro, valorizar e qualificar a produção artesanal de olaria de São José e incentivar a visitação de outras áreas de destaque do município. A escola volta agora com capacidade para atender mais de cem alunos e os interessados podem se inscrever pelo telefone (48) 3343-3487.
(DC, 29/07/2010)
Uma tradição passada de pai para filho
A Escola de Oleiros reabre oficialmente hoje, depois de uma interrupção nas atividades durante oito meses, por causa das reformas estruturais do prédio.
A edificação centenária que abriga a escola está toda restaurada e decorada com detalhes em cerâmica. No período do fechamento, os alunos não tiveram aula, mas os professores continuaram sua produção.
A Escola de Oleiros começou a funcionar em 1992 mas, antes, no local funcionava a olaria de Joaquim Antonio de Medeiros que, mais tarde, ficou aos cuidados de José de Souza. Ele é avô de Luciano Silva, professor de modelagem figurativa na escola.
Luciano é orgulhoso de sua história. Membro da terceira geração de oleiros da família, cursou Pedagogia mas optou por aplicar seus conhecimentos onde mais tinha afinidade: na olaria.
O envolvimento de Luciano começou ainda criança. O pátio da olaria era a extensão de sua casa. Dali para a roda foi um pulinho. A rotina do início da profissão é sempre a mesma: ser um ajudante do oleiro e prestar muita atenção a cada um dos delicados movimentos que vão dando forma à argila.
Todo oleiro é ciumento de sua roda. Afinal, estar no prumo é condição necessária para que as peças sejam bem moldadas. Luciano não teve que insistir muito para chegar à roda. O pai ensinou todos os segredos para trabalhar com o barro.
– Para ser um ceramista é preciso ter calma – observa Luciano, que aos poucos foi se transformando num grande pesquisador do tema.
Mais do que calma e paciência é necessário que o praticante também entenda o processo da cerâmica, um conhecimento tácito, passado de pai para filho, que aos pouco começa a chegar aos livros.
Um pedaço disforme de argila cai na mão de ceramista que, com um pote de água, desliza as mãos enquanto dá ritmo à roda com o pé. Tem que ser sincronizado e no sentido anti-horário. Se a mão não está firme e a roda muito rápida, a peça não sai. Mas se tudo estiver afinados, vão saindo caçarolas, jarros, moringas e uma infinidade de utensílios domésticos.
Depois de acabada, a peça vai para o sol para secar. No inverno cada peça leva mais de 20 dias para poder ir ao forno, dependendo do tamanho. Depois disso vai para o forno e só então passa a ser cerâmica, prontinha para receber a pintura do artesão.
(DC, 29/07/2010)
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1 Comentário
Dona Zenir Josefa de Souza era minha mãe, muito interessanta relembrar esta história.
Parabens pelo trabalho publicado.
Marcelino de Souza