A etapa mais cara e delicada das obras da Ponte Hercílio Luz, principal cartão-postal de Santa Catarina, vai começar: a recuperação do vão central. Toda a restauração vai custar R$ 169 milhões e o prazo de conclusão é 13 de maio de 2012, dia em que o monumento completa 86 anos de idade.
Como um castelo de cartas, a Ponte Hercílio Luz pode desmoronar se uma peça, mesmo que da extremidade, for retirada de repente. São 5 mil toneladas de aço delicadamente em equilíbrio há 84 anos. Qualquer interferência tem que ser planejada com minúcia, a ponto de todos os dias pela manhã um topógrafo medir as condições de temperatura da estrutura e dimensionar como ela se movimenta, de acordo com o calor ou o frio. Os dados juntam-se a análises sobre o fundo do mar, projeções sobre o esquema de suspensão da ponte e cálculos dos pontos exatos, entre os 840 metros de extensão da Hercílio Luz, que podem ser mexidos sem que ela desabe.
Depois de passar 2009 decifrando cada milímetro da ponte e seu entorno, é chegada a hora. O Consórcio Florianópolis Monumento (CFM), contratado pelo Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra), vai começar em um mês a parte mais complicada e cara da revitalização: a recuperação do vão central. Os desavisados poderão levar um susto ao ver uma ponte embaixo da ponte. A estrutura de sustentação provisória será construída sob o vão central e ficará rente a ele. Terá a função de escorar a Hercílio Luz enquanto ela é recuperada. Apesar de parecer reto, o vão central é em curva, o que dificulta o trabalho.
– A obra nunca parou, desde 2006. Passou por uma fase de estudos, dada a complexidade da restauração, e agora entra em sua fase mais importante e delicada – afirma Romualdo França Júnior, presidente do Deinfra.
O sistema de escoramento foi idealizado por Khaled Mahmud, um consultor internacional de pontes pênseis. A “ponte da ponte” foi adotada como solução, após se constatar, ano passado, que as rótulas que ficam na base das torres principais estavam trincadas. Até então, a transferência de carga da ponte seria feita por cima, com cabos de aço. Era o que estava previsto na ordem de serviço, assinada em dezembro de 2008, com previsão de término exatamente quando a obra entrará em sua fase principal, julho de 2010. Mas desta maneira, não havia como trocar as rótulas, porque isso poderia derrubar o cartão-postal catarinense.
O projeto foi alterado sem aumentar os custos. São R$ 169 milhões para fazer com que toda essa engenharia torne a Hercílio Luz transitável para carros, pedestres, ciclistas, trens ou metrô. Ainda não está definido para o quê ela vai servir. O prazo de conclusão foi mudado. A promessa é de que nosso castelo de cartas fique pronto – e segura – em 13 de maio de 2012, aos 86 anos.
Infográfico: Uma obra complexa (DC)
(Por Cristina Vieira, DC, 20/06/2010)
Hercílio Luz, a mais frágil do mundo
A maior ponte pênsil do Brasil. O maior vão central do mundo entre todos os suspensos por barras de olhal. O cartão-postal catarinense mais fotografado. São muitos os rótulos que acompanham a Ponte Hercílio Luz, em Florianópolis. Um deles tornou-se negativamente forte.
O DC teve acesso a um projeto de referência do Deinfra, onde a estrutura é comparada a outras nove pontes pênseis no mundo com sistema de suspensão idêntico. Cruza-se no estudo o número de barras com o tamanho do vão central. Em tese, a Hercílio Luz é a menos resistente entre todas, com o menor número de sequência de barras de olhal (quatro) e o maior vão (339 metros).
A ponte catarinense tem duas irmãs gêmeas já falecidas, Silver Bridge e St Marys Bridge, ambas nos Estados Unidos. As três foram projetadas pelo mesmo engenheiro, David Barnard Steinman. Na Casa Comunitária, que funciona anexo à ponte no lado insular, estão arquivados os cálculos à mão feitos por Steinman. A Silver Bridge desmoronou depois de uma forte nevasca, em 1967, matando 46 pessoas. A St Marys foi demolida em 1971, depois que a primeira caiu. Na época, o governo americano avisou o brasileiro sobre o episódio.
As americanas tinham apenas duas sequências de barras de olhal. Ao romper uma (caso da Silver Bridge), a estrutura de suspensão ficou com apenas 50% de sua capacidade e não aguentou. O desabamento originou inspeções por aqui, mas nada foi constatado na Hercílio Luz.
Na década de 1980, Ivo Pelegrini, mestre de obras até hoje na ponte, lembra de ter ouvido um estrondo.
– Todo mundo achou que a ponte iria cair e saiu correndo – conta.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo fez uma perícia no local, em 1981, e foi detectado alto estado de corrosão. Anos depois, ninguém sabe precisar ao certo quando, um trabalhador percebeu o rompimento da barra de olhal no alto de uma das torres, ao passar a mão na estrutura. A ponte foi interditada duas vezes. O rompimento aconteceu no mesmo ponto em que quebrou a suspensão da “falecida” Silver Bridge, nos Estados Unidos.
Alguns engenheiros ouvidos pelo DC afirmam que o ideal para a Hercílio Luz seria ter um número maior de sequência de barras de olhal, o que a tornaria mais resistente a fenômenos meteorológicos intensos, como um furacão por exemplo. Mas isso não pode ser feito, porque ela foi tombada como patrimônio histórico. Outros acreditam que o problema foi a falta de manutenção.
– Pontes com duas sequências de barras de olhal é que são problemáticas. A nossa não teria risco de ruir se tivesse recebido manutenção – diz o engenheiro mecânico Berend Snoeijer, que apresentou um projeto de restauração na década de 1990.
Romualdo França, presidente do Deinfra, garante que não há cálculo que comprove que a Hercílio Luz é mais frágil do que as outras.
As pontes com barras de olhal pararam de ser erguidas na década de 1950. A parti dali, passaram a ser construídas com cabos de aço.
(DC, 20/06/2010)
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