Da coluna de Sérgio da Costa Ramos (DC, 26/04/2010)
A Floripa memorável (e amável) sobrevive apenas naquelas photos já amarelecidas, no tom daqueles antigos filmes do Tarzan.
Debruçado sobre a pracinha Fernando Machado, com vistas para a Baía Sul e o pé direito na Praça XV, esquina com Conselheiro Mafra, o Hotel La Porta era uma espécie de Copacabana Palace de Floripa, construído em 1931.
Paris tem o Hotel Crillon, Londres o Savoy, Nova York o Waldorf Astoria. Toda cidade que se preze tem um hotel que se confunde com seus marcos históricos – uma espécie de “Land Mark” que lhe realça a identidade e ajuda a contar a sua evolução urbana.
Admitamos que o La Porta não era nenhum Plaza de Nova York, nenhum Claridge’s de Londres. Mas era o La Porta, de Floripa, apesar do estilo “miscelânico”, do jeito um tanto anárquico, um pouco art nouveau, quase sempre pintado de marron escuro, abrigando uma agência da Varig no andar térreo, esquina com Conselheiro Mafra.
O La Porta parecia um estabelecimento “livre” de Casablanca, no Marrocos ocupado, um imóvel ideal para receber o “Café Amérikaine”, em cujo térreo poderia irromper, a qualquer momento, a Marseilleise, puxada por Viktor Lazlo, o herói da Resistência.
No meu imaginário romântico, os encontros furtivos de Ilse (Ingrid Bergman) com Rick (Humphrey Bogart) estariam acontecendo num apartamento do quarto andar, voltado para o Miramar e o sol poente, paisagem em cuja moldura sangraria um daqueles ocasos raros que fizeram a fama da Ilha.
O La Porta, os trapiches, o Mercado Público ao fundo. Desse cenário, só o último figurino está de pé. O velho hotel, galeão fundeado ao lado do Miramar, virou agência da Caixa Econômica Federal nos anos 1970 e, depois, acabou derrubado pela sua nova proprietária. Após a implosão, no início dos anos 1980, o que restou foi o vácuo – de memória e de inteligência.
A ruína do velho prédio está lá, a céu aberto, como um furúnculo de vergonha. Ninguém sabe por que a Caixa não restaurou o velho La Porta. Pior: ninguém sabe quem mandou implodi-lo, deixando no centro da cidade uma ferida sem cascão, inútil.
É a tal “criança” sem pai. Reclamar a paternidade das coisas boas, todo mundo quer. Mas está para nascer quem assuma a autoria de alguma burrice. Por exemplo: quem foi o responsável pela “Chernobyl” ilhoa, aquela malcheirosa usina de processamento de resíduos sólidos, implantada bem na sala de visitas da cidade, aterro da Baía Sul, metro quadrado mais valorizado da Ilha?
Aliás, o que é que não foi “permitido” construir-se no Aterro da Baía Sul?
A “caixinha de fósforo” dos clubes de remo, a escolinha do Detran, os camelões, o “garajão” das empresas de transporte coletivo, os depósitos de papelão, a “espinha de peixe” do Sambódromo, um Centro de Convenções cujo “partido arquitetônico” é um autêntico aleijão. Por que é que não haveriam de construir um “processador de titica” – que nem funciona?
O que não se imaginava é que superaríamos o Rio de Janeiro no quesito “abastardamento urbano”. Pelo menos na capital carioca os jardins de Burle Marx, projetados para o Aterro do Flamengo, estão consolidados como áreas do convívio social da população, que o frequenta no seu lazer esportivo, dali contemplando o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara. Aqui, os jardins de Burle Marx, suas palmeiras e seus “petit pavês”, foram entregues aos cortiços, às garagens e às cloacas da Casan.
A Floripa humana, amiga do mar e de si mesma, sobrevive apenas nas velhas fotografias em tom sépia.
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