Um tapume pode esconder ou revelar? Depende do ponto de vista. No prédio da antiga Alfândega, no Centro de Florianópolis, os blocos de madeira têm dupla função. Ao mesmo tempo em que isolam a área que está recebendo reparos, servem de suporte para a exposição Vida Contínua do artista plástico Fábio Mafra de Orleans, o Duke Orleans. A mostra ocupa 20 metros de tapumes que foram revestidos com adesivos repletos de poemas e grafismos.
A ideia surgiu nas andanças de Duke pelo Centro. Ao ver o espaço do prédio onde funciona a sede catarinense do Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (Iphan), o artista enxergou uma oportunidade para apresentar seu trabalho para as milhares de pessoas que passam por ali todo o dia.
– As pessoas que caminham nesta região do Centro estão sempre olhando para o chão, por isso entendi que os tapumes seriam um bom espaço para a exposição.
Grafismos e desenhos são estímulo ao questionamento
Duque considera que a mostra é uma provocação para que se valorize mais as pequenas coisas do cotidiano, aquilo que é realmente importante.
– Como, por exemplo, sorrir mais, dar um bom dia – diz o artista, para quem Vida Contínua é mais do que uma mostra, é uma filosofia de vida.
Mas não espere encontrar por lá uma profusão de imagens coloridas. O trabalho dele se sobressai justamente pela objetividade da palavra e do traço. É preto no branco. Poesia com ilustração ou ilustração com poesia? Tanto faz. Quem lê tem a liberdade de escolha.
Os adesivos estampam grafismos e poemas como o da gatinha Tatá, – que recomenda aos visitantes da mostra de rua se aventurarem num pulo, – um guarda-chuva que brinca com a palavra tempo, ou figuras com expressões de alegria ou tristeza.
As reações do público são as mais diversas. Alguns seguem cabisbaixos. Outros ficam curiosos pelos desenhos. Há aqueles que param em frente aos textos e desenhos para refletir sobe o que estão vendo.
–Achei muito bonito. Deveria ter mais exposições assim. Gostei desta pergunta: E tu, o que queres? – comenta a dona de casa Mariangela Oliveira de Mattos, de 49 anos.
A poesia sempre esteve na vida de Duke, que tomou gosto pela palavra depois de ser reprovado em Língua Portuguesa, na 4ª série primária.
– Me senti desafiado e acabei viciado em palavra – diz o artista.
(Por Jacqueline Iensen, DC, 11/03/2010)
PATRIMÔNIO: Obra dura mais oito meses
A exposição de Duke só foi viabilizada porque o prédio da antiga Alfândega está em obras. Todos os tapumes foram pintados de preto para que fossem instalados quadros com os projetos que são administrados pelo Iphan em Santa Catarina.
Até novembro, o edifício construido em 1876 recebe reparos em sua parte externa. No projeto, coordenado pelo Iphan, estão previstas três etapas de trabalho. A primeira delas é a reforma da cobertura, uma vez que boa parte do prédio está com infiltrações. Um dos pontos mais críticos é a parte central do imóvel, área onde está instalado o Instituto.
A reforma se tornou urgente porque o acúmulo de água nas paredes, resultado dos longos períodos de chuva registrados no últimos meses, começava a comprometer não só a salubridade da edificação mas também a saúde dos funcionários do Iphan e dos artesãos que ocupam a parte térrea, na Casa da Alfândega. Além do telhado, todas as calhas foram revisadas e novos dutos serão implantados.
– Estamos melhorando o sistema de captação e drenagem de água da chuva com a instalação de novos materiais. Não estamos substituindo o que já existe, mas aumentando o número de dutos, sempre respeitando o projeto original – informa Bettina Collaro, arquiteta do Iphan.
Na segunda fase da restauração serão recuperados o revestimento externo, com argamassa de cal, material original da obra. A soleira, peça que forma a parte interior do vão da porta, toda em granito também vaipasar por revitalização.
Na última etapa da reforma do prédio será feita nova pintura. Será isado cal por ser a mesma técnica aplicada deste sua inauguração, no século 19.
O orçamento para a execução do projeto de conservação da Alfândega que pertence à União e está cedido para a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), é de R$ 416 mil, com conclusão de todo o projeto pevista para o final de outubro.
A FCC planeja dar um novo aproveitamento para a ala esquerda, onde funcionava a Associação Catarinense do Artistas Plásticos (Acap), transformando o local num espaço de exposições e de debates, oficinas de leitura, interpretação de obras de arte e de história da arte.
(DC, 11/03/2010)
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