(Editorial, DC, 25/01/2010)
Um levantamento realizado pela Defesa Civil Estadual, com a participação deste jornal, constatou que, pelo menos, 20 mil famílias habitam áreas sujeitas a deslizamento de terra nas regiões da Grande Florianópolis, Vale do Rio do Peixe e em nove municípios do Vale do Itajaí. O diretor da Defesa Civil acrescenta que não existe um número oficial de moradores que vivem em áreas consideradas de risco e nem mesmo um mapeamento exato e completo desses locais no Estado. Como quer que seja, embora apenas ilustrativo e parcial, o resultado aferido neste levantamento é eloquente porque levanta e dá urgência a questões que envolvem a vida e a morte de dezenas de milhares de cidadãos catarinenses, e demonstra que, só agora, depois das tragédias causadas pelas enxurradas e inundações em diversas região do Estado, os poderes públicos começam a esboçar medidas de prevenção. Diversas medidas, há muito tempo, estão previstas em leis e regulamentos que disciplinam a ocupação dos espaços, mormente nos centros urbanos e seus arredores, e tratam da proteção e preservação do patrimônio natural. Se tivessem sido cumpridas, se os governos nos três níveis de jurisdição e competência constitucionais tivessem aplicado a legislação com rigor, como é de seu dever, as perdas humanas e patrimoniais causadas por esses fenômenos climáticos, certamente, teriam sido de menos porte e sofrimento.
Ao longo de muito tempo, no embalo do chamado “jeitinho brasileiro” e da repulsiva “cultura da esperteza”, que nos mantêm prisioneiros do atraso, para dizer o mínimo, invasores de áreas urbanas e rurais, loteadores clandestinos ou vigaristas, e o desrespeito amplo e irrestrito às normas de ocupação do solo, inclusive por organismos públicos e grandes empresas, agravaram o risco e a extensão das manifestações climáticas adversas. Em muitos casos, como os dos recentes episódios em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, e em Paraitinga, no interior de São Paulo, é até difícil se falar em fatalidade, eis que tragédias de fácil previsão diante da ocupação predatória – e abençoada pelos poderes públicos a bordo de interesses inconfessáveis – de encostas de morro e áreas de baixada. O levantamento divulgado em nossa edição de ontem conferiu a existência de 17,5 mil famílias em risco somente em Florianópolis. Não surpreende, basta erguer os olhos para as encostas dos morros do Maciço Central ou percorrer, na Capital, inúmeras várzeas e mangues ocupados. E não só por barracos, mas até mesmo por mansões, hotéis de luxo e estabelecimentos comerciais. Cumprir e fazer cumprir a lei, em toda a sua extensão, é o primeiro passo.
As alterações climáticas, provocadas, em boa parte, pela ação predadora do homem sobre a natureza, nos ameaçam a todos. Mas é possível preveni-las e atenuar seus efeitos, mobilizando os centros de pesquisa para a busca de novas alternativas de proteção, investindo em obras de contenção de encostas, combatendo o desmatamento com severidade, o das matas ciliares em especial, desocupando as áreas de risco, e obedecendo e fazendo obedecer a legislação ambiental e os regulamentos de ocupação do espaço. Chega de tanta omissão e de tanto sofrimento. Não podemos continuar de braços cruzados à espera de novas desgraças. O círculo da tragédia há que ser rompido.
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