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A ilha desnorteada e a tolerância zero

Artigo escrito por Laudelino José Sardá – Jornalista, professor (Acontecendo Aqui, 03/12/2009)

Esconder dinheiro na cueca e gastar milhões em shows musicais e em árvore de Natal produzem o mesmo efeito e cólera na população.

A revolta popular provocada pelo abominável e nefário José Arruda, no desgoverno de Brasília, tem similitudes em todo o Brasil, quando se trata de malversação ou má aplicação do dinheiro público. Se o dinheiro está escondido na cueca ou desperdiçado em show de um tenor italiano por R$ 5,7 milhões, ou mesmo esbanjado em uma luxuosa e arrepiante (custa R$ 3,6 milhões) árvore de natal, com certeza a cólera do povo alcança a mesma densidade, pelo desrespeito do homem que se diz público com o dinheiro do imposto, que o povo tem de pagar sob pena de ir para a cadeia.
É preciso dar um basta à tirania política, fortalecendo, com total independência, os tribunais. Os políticos precisam temer as leis e a justiça tornar-se séria e inflexível a pressões e ao ludo da politicagem.

Um cidadão, com perfil de empresário insaciável e cifrão brotando nos olhos, argumentava domingo, 29, em uma roda de conhecidos, a necessidade de Florianópolis investir em uma marca internacional de turismo e que o novo kartódromo seria um avanço nesse sentido, considerando, segundo ele, que os pilotos internacionais são figuras de marketing importante. Intrometido, lancei-lhe uma pergunta:
– Há duas alternativas para se alcançar uma marca mundial. Em curto prazo, a exemplo de Dubai, que se transformou numa atração de turismo, convivendo com 90% da população em estado de pobreza. A segunda alternativa, de longo prazo, é investir em crescimento social sustentável, como a Espanha, Inglaterra, França, Áustria, Alemanha e outros países europeus, que atraem maior número de visitantes por ano e que são países com alto grau de desenvolvimento social. Qual das duas alternativas seria a melhor para o Brasil?
– Aposto na alternativa de curto prazo. Florianópolis não pode esperar mais diante da explosão do turismo mundial, defendeu.
Preferi retirar-me a perguntar se ele já tomara conhecimento da moratória de seis meses que Dubai pediu aos credores de 60 bilhões de dólares e dos seus efeitos no mercado financeiro internacional.
As cidades que preferiram o modelo de curto prazo, a exemplo de Salvador, Bahia, foram forçadas a criar sistemas de segurança dos turistas. No Pelourinho, centro de atração baiana, são dezenas de soldados armados impedindo assaltos e outros crimes, enquanto que na redondeza de Salvador, a pobreza se alastra, como erva daninha, pisoteada pelos que se acham no direito de governar só para visitantes.
Florianópolis também escolheu a opção do “progresso” de curto prazo. Coloquei essa palavra entre aspas porque a tenho como a mais abominável do dicionário. Foi o progresso com milagres que levaram o Brasil a esquecer do social nos tristes anos da ditadura militar. Foram bilhões gastos no falso milagre brasileiro dos anos 70. Bem, voltando à Floripa, o kartódromo faz parte das estratégias de curto prazo, visando a criar uma marca internacional. Durante o show dos pilotos no último fim de semana, ladrões roubaram cerca de 50% dos veículos estacionados em torno da arena automobilística. Ainda bem que Felipe Massa, Rubinho, Schumacker e tantos outros chegaram ao local de helicóptero. Qual a solução de curto prazo: lotar a arena de policiais armados, com cachorros farejadores, metralhadoras e bombas de efeitos (i)morais.
Querem outro exemplo dos efeitos de curto prazo? Um empresário paulista, que vendeu seus negócios para tornar-se um investidor, resolveu construir uma casa em Santo Antônio de Lisboa, a 13 quilômetros do centro de Florianópolis, para dar maior segurança à sua família. Há cerca de 10 dias, ele jantava com a família, em um cenário cinematográfico, apreciando, da sala de jantar, toda a baía Sul e a ponte Hercílio Luz, quando um homem armado entrou na sala. Exigiu que o caseiro deitasse no assoalho, matando-o com dois tiros na sua cabeça. Como não tinha dinheiro, apenas cartões de crédito, o empresário também teve de deitar-se ao lado do corpo do caseiro e recebeu um tiro. Por sorte, salvou-se. Com certeza, ele voltará com a família para São Paulo, onde se sentirá menos inseguro.
Na visão de curto prazo, o governo agora quer um contrato de consultoria com o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, para instituir em Florianópolis e demais cidades violentas do estado, a teoria “Tolerância Zero”, que reduziu substancialmente a violência na maior cidade do mundo.
Pura ilusão. Será que Luiz Henrique da Silveira e o alcaide alienígena não conseguem diferenciar Nova York de Florianópolis em níveis social e econômico? Na cidade norte-americana, as leis funcionam, a estrutura pública é organizada, as escolas preparam bem as novas gerações e a pobreza é bem inferior às 60 favelas de Florianópolis. O governante de Nova York manda em nome de uma sociedade saudável, que não precisa esconder os traumas ainda decorrentes de uma discriminação racial violenta que marcou os anos 60,70 e 80 nos Estados Unidos e que ainda persiste em alguns focos. O negro norte-americano ainda vive à margem do processo de crescimento do país, mas não tanto quanto no Brasil, onde a igualdade é falsa, simplesmente porque ainda somos uma nação imperial.
Bem, se a teoria de Giuliani for aplicada, virão à tona os paradoxos de uma sociedade marginalizada. Vamos considerar que Giuliani convença o governo a pagar melhor os policiais, construir mais cadeias e privatizar o sistema carcerário, adotar os pontos nevrálgicos da cidade com equipamentos tecnológicos, enfim, tudo o que foi feito em Nova York será copiado aqui.
Mas, em curto prazo, vão modernizar as nossas estruturas judiciárias? O habeas corpus será melhor aplicado, para não se repetir o privilégio, como o que foi dado ao jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, que matoua ex-namorada em agosto de 2000 e que está soltinho por força desse recurso? A prefeitura estará cuidando melhor das novas gerações? Haverá projeto para humanizar e dar dignidade às áreas de favelas?
O projeto de curto prazo não assegura resultados à aplicação da teoria tolerância zero, até porque, pelo espírito e ansiedade do governante imperial, os investimentos deverão contemplar uma superestrutura policial e as ações vão expulsar os bandidos para outras cidades, como Biguaçu, Antônio Carlos, Palhoça.
Florianópolis, como as demais cidades catarinenses, precisa, sim, de projetos de curto, médio e, principalmente, de longo prazo. A revitalização e moralização das polícias devem ser iniciadas agora, mas, com certeza, demandará tempo. O desfavelamento da cidade não compreende ações como as que foram praticadas pelos prefeitos Ângela Amin e Sérgio Grando, simplesmente deslocando famílias de suas casas para locais distantes, onde a opção mais fácil de sobrevivência acabou sendo o crime. A reestruturação de bairros compreende um conjunto de ações nas áreas de arquitetura, educação, saúde, meio-ambiente, lazer, de instituições de ensino imprescindíveis à formação profissionais e outras. O planejamento tem um só objetivo: dar dignidade às famílias. Não se trata, portanto, de embelezar a cidade para os turistas, porque isso seria perfumaria. Os cosméticos continuam artificializando o Brasil. O objetivo de qualquer projeto de uma sociedade saudável é apostar e investir na felicidade da sua gente. Claro que nunca será 100% ou 90%. O importante é que precisamos de uma sociedade onde a minoria criminosa seja desalojada pela própria sinergia da cidade.
Não estou preocupado com uma Florianópolis melhor para mim. Sim, gostaria que ela estivesse hoje como nos anos 60. Que maravilha! E isto não é saudosismo, não. É saudade de uma sociedade saudável, em que as pessoas se cumprimentavam, conversavam no ônibus, cujos motoristas chegavam a saltar do ônibus para ajudar senhoras e idosos a subis ou descer do veículo. E isto não é particularidade de cidade pequena. É possível ver e sentir essa relação humana em bairros de cidades grandes, como Hamburgo e Berlim, na Alemanha, Londres, etc.
Será que o crescimento de uma cidade precisa desumanizá-la? Não. Quem as desumaniza são a cegueira e o egocentrismo dos governantes e políticos.
Vou continuar sonhando. E espero que o alcaide alienígena não ouse invadir a minha psique.

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