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Florianópolis é a Capital da alegria

Um palhaço profissional e um jornalista numa oficina de atores representam o bom humor do Encontro Anjos do Picadeiro

Aos poucos João Artigos vai mudando de cara. Em frente ao espelho do pequeno camarim móvel, a boca fica mais vermelha, as sobrancelhas pela metade e os olhos pronunciados. Para cobrir o corpo, um traje elegante. Fraque cinza, com um grande crisântemo amarelo preso à lapela, camisa branca com babadinhos no punho e botões vermelhos, gravata borboleta vermelha e enormes sapatos. Na cabeça, o chapéu coco, uma refêrencia ao mestre Charlie Chaplin. Mas a transformação só se completa quando ele coloca o nariz bolinha. E assim, bem devagarinho, vai nascendo Seu Flor, um dos tantos palhaços que vão colorir as ruas de Florianópolis hoje à tarde, na Palhaceata do Encontro Internacional Anjos do Picadeiro, evento que deixa a Capital um pouco mais divertida até o próximo domingo.

João vira Seu Flor, faz rir e faz pensar

João Artigos, um dos criadores e hoje o diretor do Anjos do Picadeiro, tem 42 anos e há 22 foi “abduzido” pela palhaçaria. Sua história seria comum, não fosse por um detalhe: ele descobriu que ser palhaço não era apenas fazer rir, mas sim enxergar o mundo invertido. Ver o mundo de cabeça para baixo. Ou para cima, em algumas ocasiões. Ator desde os 17 anos, descobriu-se homem do riso três anos mais tarde.

Nesta época já fazia parte do Grupo Teatro de Anônimo (RJ) e trabalhava com teatro de rua. Os companheiros dos palcos improvisados queriam aprofundar a pesquisa sobre a cultura popular. Foi então que uma voz macia soprou no grande ouvido coletivo do grupo e o empurrou para o circo. João jamais tinha entrado naquela imensa casa de lona, que se faz e desfaz num piscar de olhos, dá cor e vida a uma paisagem, que fica mais triste quando ela é enrolada e levada em busca de outro espaço para novamente ser armada e encher outro lugar de cor. O passeio pelo mundo fantástico do picadeiro levou alguns integrantes para o trapézio, outros para a mágica. João decidiu viver o encantamento da palhaçaria.

O que mais lhe seduziu para seguir na carreira, vista a princípio pelo canto dos olhos pela família, foi a possibilidade de ser verdadeiro. De mostrar toda a sua inquietude ao se valer de gestos de textos para contar sua visão de mundo. Sim, porque palhaço não é aquela figura ingênua feita para animar a garotada. É sim um personagem que usa todas as possibilidade da linguagem para que o homem se veja nele refletido.

Esse ator de 1,90m de altura e olhar doce tem mais do que talento. Tem alma de palhaço. Na sua fala mansa entremeada de expectativa, vai contando a vida da figura mais aguardada no espetáculo.

– Ele enxerga a vida com graça, uma espécie de realismo otimista, pois ser palhaço é ser um arauto da sociedade. É ver um mundo bobo e cruel com bom humor. É apontar a fragilidade do ser humano de maneira alegre e bem humorada. É desenhar poeticamente o riso – diz.

João é negro, assim como Benjamim Oliveira, um dos maiores palhaços do Brasil, que nasceu em Minas Gerais, em 1870, mas foi no Rio de Janeiro que conheceu o sucesso e a decadência. Morreu pobre, triste e sozinho na cidade maravilhosa.

João nasceu no Rio. É daqueles cariocas convictos, que jamais vai deixar a sua terra, tamanho amor que tem por ela.

Mas o que é ser palhaço?

– É quase impossível definir – diz o artista João.

Ao mesmo tempo em que os sentimentos são difíceis de serem transformados em palavras, João ilumina o olhar e continua:

– É mais do que fazer rir. É buscar elementos de encantamento. É investigar o que há sob a lona. É fazer com que as pessoas se vejam naquela figura desajeitada, porque todo mundo tem seu lado ridículo, idiota – comenta.

E que visão você tem de um palhaço, João? O palhaço é um grande espelho da sociedade, ele responde.

Fica fácil descobrir um segredo de palhaço: todos eles são muitos parecidos com os seus donos. João por exemplo, é a cara de Seu Flor. É conquistador, questionador, apaixonado e adora gente à sua volta.

(DC, 25/11/2009)

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