Artigo escrito por Laudelino José Sardá – Jornalista e professor (Acontecendo Aqui, 03/11/2009)
Se nos anos 70 já era obrigatória a participação do jornal, rádio e televisão em assuntos da cidade, com denúncias e discussões de problemas e cobrança de soluções, imagine em pleno terceiro milênio, com o cidadão interagindo pelas redes sociais! Ou a mídia assume este papel de defesa da sociedade, ou o cidadão terá suas razões para, cada vez mais, se distanciar dela.
Os jornais, por exemplo, precisam deixar de concorrer com suas próprias páginas na internet, fugir à neurose da instantaneidade, e assumir propostas de ajudar a cidade a resolver seus problemas. Exercer a crítica, imune a pressões políticas e econômicas, e exigir dos governantes soluções rápidas, são formas de dividir preocupações com a população e conquistar as novas gerações desabituadas a ler papel, mas que está por dentro dos acontecimentos através dos múltiplos canais virtuais.
Abaixo, alguns assuntos que deveriam ganhar discussões e posição firme da mídia:
Feriado com engarrafamento
O Deinfra – Departamento Estadual de Infraestrutura – teve seis meses – de março a setembro – para tapar os buracos da SC-401, mas decidiu realizar a obra justamente agora, em que turistas começam a chegar. Na sexta-feira, 29, com a cidade já lotada de turistas, ajudada pelo feriado do dia do servidor público, o Deinfra continuou tapando buracos, ignorando as incomensuráveis filas. Uma cidade que se diz turística e governada por um prefeito de visão – e não por um alcaide alienígena -, teria suspendido a obra, retomando-a na terça-feira. E, mesmo assim, por que não tapar os buracos das 9 horas às 16 horas? Com certeza, o povo se deslocaria sem problema para o serviço e retornaria despreocupado depois das 18 horas, também sem engarrafamento. Mas, quem manda nessas horas é a empreiteira, que faz questão de fechar a pista às 7 horas da manhã, a fim de mostrar serviço. A cidade está sem autoridade, mesmo com dois governos.
Mais um kartódromo
A imprensa limitou-se a mostrar o pai de Felipe Massa fiscalizando a construção de mais um kartódromo, em área nobre do Sapiens Park, a menos de dois quilômetros da atual pista de kart, considerada uma das melhores do Brasil. Ninguém questionou o motivo que levou o governo a construir mais um kartódromo, quando a ilha tem outras prioridades. Além disso, as novas pistas roubam espaço precioso do projeto Sapiens Park, cuja meta é suscitar o desenvolvimento sustentável com qualidade no norte da ilha. A propósito, a direção do Sapiens Park deveria se posicionar.
Cacau Meneses, em sua coluna de ontem, 2/11, no DC, diz que o prefeito assumiu a responsabilidade do novo kartódromo, que consumiu R$ 1,7 milhão só do cofre municipal, e que a razão é a sua briguinha com Ronaldo Daux, o dono do atual kartódromo. E, em sua coluna de hoje, 3/11, Cacau revela ainda que teria havido excesso de exigências por parte de Daux. Mas isso justifica a construção de um novo kartódromo? Imagine se o governador brigasse com o diretor do D.A.C (Departamento de Aviação Civil). e, em resposta, resolvesse construir um novo aeroporto!
Bem, os vereadores estão em silêncio sepulcral, quem sabe aguardando convite especial para assistir à primeira corrida de kart, com Massa, Barrichello, Schumacher, etc.
Réveillon de Andrea Bocelli
Gastar quatro milhões de reais para o tenor italiano vir cantar na beira-mar? A mídia limitou-se a informar, e alguns poucos profissionais teceram elogios. Com essa dinheirama seria possível desenvolver um excelente projeto cultural para o verão de Floripa, com inúmeras atrações locais e nacionais. Venceu, mais uma vez, a megalomania
Privatização da Zona Azul
O que levou a prefeitura a optar pela terceirização desse setor extremamente rentável? Onde está o jornalismo investigativo? Funcionários da Zona Azul, ainda em greve, denunciam que pode haver maracutaia, já que o prefeito é sócio de uma empresa que trabalha nessa área, a Casvig. Não acredito nessa inocência do alcaide alienígena, mas a imprensa precisa investigar.
Afinal, a zona azul estava dando prejuízo? É difícil de administrar a receita desse serviço? Qual a verdade sobre a privatização? A prefeitura vai ganhar mais dinheiro com isso? Quanto deixará de receber para remunerar a empresa terceirizada? Essas questões precisam ser respondidas.
Ocupação indiscriminada da Ilha
Por que a imprensa não questionou a construção da sede da Receita Federal na área mais nobre da ilha, que, com certeza, poderia localizar um belo parque? Por que as repartições públicas precisam realmente estar sediadas na Ilha? Por que não se discute a questão da (i) mobilidade da cidade sob a ótica racional? Por que as repartições públicas, empresas de serviço, escolas etc. precisam iniciar suas atividades às 8 horas e encerrar às 18 horas? Por que não se institui alternância de horários, visando a reduzir o impacto da concentração de carros nos acessos à cidade no mesmo horário? Por que a prefeitura não tem projeto para valorizar o continente e não concentrar ações na ilha? Ah, a avenida beira-mar continente? As obras estão paradas! Por que o metrô de superfície não alcançou sequer o papel?
O crescimento desordenado do Sul da Ilha
Se não houver medidas urgentes para compatibilizar o crescimento da região do sul da ilha com as reservas naturais, a cidade estará perdendo mais de 30% do seu patrimônio natural. Há estudos sobre isso e a mídia pode perfeitamente abraçar essa causa.
Conferência Global de Turismo
Foram investidos mais de R$ 10 milhões para a Ilha sediar a 9ª Conferência Global de Viagens e Turismo, no último mês de maio, com a perspectiva de atrair investimentos. Por acaso já começou a contagem regressiva para a entrada dos primeiros dólares de investimentos em nossa cidade?
Por que não se discutiu a obviedade do relatório da WTTC sobre o turismo de Santa Catarina, cuja análise e proposta já vêm sendo indicadas há 15 anos por empresários e estudiosos? O senhor Jean Claude Baumgarten, presidente da WTTC, é realmente um bon vivant e esperto. Convenceu Luiz Henrique a trazer o evento para a Ilha, depois de tentativas frustradas com os governos de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Buenos Aires e Santiago Fo Chile. O monsieur Baumgarten não vai retornar à Floripa para explicar o seu relatório sobre a potencialidade turística de Santa Catarina? Com certeza, nem pensar!.
Turismo sem esgoto
Quanto que a Casan arrecadou nos últimos 40 anos em Florianópolis e quanto ela investiu na construção da rede de esgoto? Uma vergonha! A cidade que se diz referência mundial em turismo, não tem esgoto em seus balneários. Incrível! Imagine, por exemplo, o alcaide de Floripa passeando nas praias de Iracema, Meirelles, Mucuripe, no Ceará, na Costa do Sauipe, na Bahia, e se depara com um rio despejando água amarelada fétida, de esgoto, no mar? Com certeza, ele ironizaria e se negaria a pôr os pés no mar poluído.
E em Canasvieiras? Bem, nessa praia do norte da Ilha, havia no ano passado o rio do Brás, perto do trapiche, jogando dejetos no mar; mas este ano apareceu mais um. Já são cinco riozinhos cagando nossas praias e mares, apenas entre Canasvieiras e Ponta das Canas. E isto parece normal para a mídia.
Por que a imprensa não institui uma agenda de cobrança? Por que a colocação de placas proibindo banhos em algumas praias tornou-se habitual, inquestionável? Imagine essa situação: o turista hospeda-se com a família em um hotel e, sob sol escaldante, corre para a praia sonhando com um mergulho. Mas, no acesso, depara-se com a seguinte placa: “impróprio para banho”. E isso parece rotineiro para os governantes, que continuam arrotando que a ilha é o melhor local do mundo para se veranear.
Sinaleiras irritantes
Uma cidade que investe em mobilidade, sem precisar pensar apenas no turista, sabe que existem as mais avançadas tecnologias de controle de tráfego. Em São Paulo, por exemplo, o Departamento de Trânsito controla as sinaleiras pelo computador há mais de 15 anos. Uma pessoa de um escritório abre e fecha sinaleiras, de acordo com o movimento de veículos. Em Florianópolis, o difícil é encontrar de manhã cedo semáforos sincronizados. De quem é a culpa? Por que não se cobra responsabilidade?
Ausência de áreas de lazer
Florianópolis só tem duas opções de lazer: restaurantes e shows em bares e em poucas casas noturnas.
E, durante o dia, qual a opção? Praia!
E se esfriar ou chover? Shopping.
E se não houver saco para ver vitrine, filme e comer pipoca? Fique em casa!
E mesmo em dia propício à praia, haveria alternativa de passeio? Sim, é só pegar o carro e subir a serra, ou dar um pulo em Blumenau, Balneário Camboriú, Laguna, São Francisco do Sul, etc.
Na verdade, durante o dia, além das praias, Florianópolis tem boas opções gastronômicas, apenas. A menos que se queira brincar nas dunas. Ah, tem trilhas quilométricas, muito apetitosas, para quem tem fôlego. Não há parques naturais, equipamentos de lazer e nem mesmo para quem gosta de caminhar ou correr e depois fazer, pelo menos, alongamento.
Bem, há muitas outras coisas para fundamentar a omissão da mídia em defesa de soluções para a cidade. Mas paro por aqui, à espera que jornais e emissoras de rádio e de televisão assumam definitivamente o papel crítico, cobrando dos governantes – principalmente do alcaide – soluções rápidas.
Ah, quase que ia me esquecendo: faltam 30 dias para os turistas começarem definitivamente a invadir a Ilha para a temporada. Então, pelo menos a imprensa poderia levantar os problemas. E não precisa nem pesquisar. Basta repetir os problemas do ano passado. São os mesmos, mais aqueles novos riozinhos que lançam cocô no mar. Ah, a (i) mobilidade piorou. Ah, ainda, a violência cresceu 13%. Chega, chega, senão pode faltar espaço para a publicidade.
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