Artigo escrito por Laudelino José Sardá – Jornalista, professor (Acontecendo Aqui, 19/11/2009)
Inicialmente, faço uma pergunta para uma reflexão mais profunda: se no lugar de favelas houvesse casas apropriadas a seres humanos, com ruas cuidadas, creches, posto médico, escolas de tempo integração, áreas de lazer, a violência seria a mesma? O mundo do crime teria atraído tantos adolescentes e crianças?
Para você, leitor, seria utópico pensar numa cidade assim?
Bem, não pretendo fazer nenhuma apologia às obras A Utopia, de Tomás Morus, e A República, de Platão. Mas, na esteira das considerações sobre a nossa cidade, o que pensamos pode ser uma utopia ou uma contestação à realidade social. Prefiro achar que é possível construir uma cidade feliz.
Lembrando o filósofo renascentista Tommaso Campanella, em seu livro Civitas solis – A Cidade do Sol-, podemos, sim, construir uma cidade, não aquela que depende da cabeça do homem público, mas aquela descoberta da razão humana, demonstrando que a verdade precisa estar em conformidade com a natureza do ser e do universo. Por que nos limitamos a assistir a perversão da gestão pública? Os meios de comunicação – não me refiro aos de massa – cada vez mais facilitam as relações, mas o homem prefere individualizar-se. Assim, a sinergia da cidade desaparece, aumentando a nossa neurastenia, em um cenário mutilado pela burrice que entremeia as estratégias políticas e pessoais. E, em silêncio, alimentamos nossa irritação, a neurose urbana, na negligência de cidadãos inermes. Infelizmente, me vejo assim, como um nativo que apenas sofre com a devassidão injustificável.
O ALCAIDE BERRANTE
A nossa Ilha continua vítima de maus e prepotentes políticos. Os feudos políticos se renovam sob aplausos dos que também se favorecem de estratégias para obter vantagens pessoais e em negócios. Por que os empresários do turismo se calam diante do vandalismo político? Afinal, temem o quê? Represália? De quê?
O que daria para se fazer com R$ 2 milhões em Canasvieiras, por exemplo? Pois bem, esse dinheiro acaba de ser gasto na construção de mais um kartódromo. A propósito, não custa perguntar ao alcaide: teria a prefeitura optado por um segundo kartódromo em função da pobreza que rodeia as atuais pistas, em Vargem da Cachoeira?
Não duvido, porque kart é esporte de elite e o alcaide, quem sabe, não se sentiria bem se tivesse de, novamente, recepcionar Michael Schumacker, Felipe Massa, Rubem Marrichello e outros em um ambiente onde os marginalizados fazem buraco no muro para espiar a corrida. Pobre não combina com kart, não é mesmo alcaide? E, assim, Vargem da Cachoeira perde a esperança de melhorar de vida, até porque o Sapiens Park, projetado em Canasvieiras para melhorar a qualidade de vida, começa a desviar-se de suas metas, privilegiando ações de interesse político ou econômico sem repercussão social favorável, como o segundo kartódromo, que, com certeza, dará visibilidade ao empreendimento de tecnologia de ponta. Não causaria estranheza se Felipe Massa estivesse investindo em pesquisa de novos carros de corrida no Sapiens Park. Será? Puro devaneio.
A ilha de megalômanos fomenta o apartheid social, em nome de fantasias da corte. Contudo, vamos acreditar que o Sapiens Park produzirá mudanças, a ponto de contribuir à dignificação de tantas famílias que também sonham em se alimentar todos os dias. Ou será que a Ilha de ilusões conseguirá ser turística com tanta pobreza social e de espírito público?
O trevo de Canasvieiras é, há 20 anos, a pior referência em entroncamento urbano, aliás, é um truncamento. Pois só foi o alcaide construir outro kartódromo para imediatamente se “destruncar” o entroncado.
É a gestão de interesses! Viva Massa (não é o povo, é o Felipe), que sensibiliza o alcaide alienígena, como em Dubai, onde se gastaram U$ 50 bilhões em um complexo automobilístico. É a vistosa cidade com um dos maiores índices de pobreza do mundo. Lá os reis mandam, como aqui, é claro.
Ainda não disseram ao alcaide alienígena que entre 22 de dezembro a 10 de janeiro, principalmente, com a leva de paulistas, paranaenses e gaúchos, a Ilha estará com uma população flutuante em torno de 900 mil pessoas. Para se fazer uma comparação, a Ilha tem cerca de 300 mil habitantes, considerando que a parte continental concentra mais de 40% da população. Isto segundo o IBGE, mas acredito que haja mais gente, pois essa Ilha vive entulhada, principalmente de carros. No domingo último, bastou encerrar-se o jogo do Avaí e Corinthians para as ruas ficarem totalmente engarrafadas, no maior exemplo do mundo de imobilidade. E, como perguntou Cacau Menezes, em sua coluna,17, onde andavam os guardas municipais? Ah, realmente Cacau, os guardas são funcionários públicos e não trabalham nos fins de semana, pelo jeito. Aliás, a Guarda lançou o plano “Bom Dia”, para tentar aliviar o acesso matinal à ilha. Não há necessidade de plano e sim de uma gestão que faça a guarda trabalhar mais. Apenas isso!
Há pouco mais de um mês, a prefeitura provocou um engarrafamento abominável. Foi para asfaltar as pistas nas proximidades do Mc Donald. A empreiteira alegou que só poderia realizar o trabalho em dias de sol intenso para o asfalto solidificar-se. A obra foi realmente realizada em dia de sol, mas bastou chover dias depois para esmigalhar o asfalto. Até agora, nada de reparos. Quem sabe o alcaide decidiu refazer a obra quando os turistas chegarem, para mostrar que nesta ilha a prefeitura trabalha. A prefeitura não tem noção de mobilidade. Só tem visão de obras e realizá-las a qualquer custo. E pronto!
Já escrevi, mas é bom lembrar. O asfalto em países europeus dura, em média, 40 anos. Aqui em Florianópolis o recapeamento aguentou dois dias. Incrível, precisamos comunicar ao Guiness Book. Florianópolis fica ainda mais famosa pelos seus casos raros, entre os quais o do asfalto mais vulnerável do planeta. E não se deu a menor explicação. E nem a mídia preocupou-se em saber a verdadeira causa, porque a falsa todo mundo sabe. Foi a chuva!
CONCLUSÃO
O alcaide alienígena anda flutuando. Dizem que ele reassumiu o mandato esta semana, mas, pelo visto, o vice é que trabalha. Não importa. A diferença é imperceptível.
O mais importante é que precisamos trabalhar uma cidade que cultive, em primeiro lugar, a felicidade dos seus habitantes. E não é difícil. Quando se faz uma obra, deve-se, primeiramente, pensar em medidas que favoreçam à população. Por exemplo: se a obra precisa fechar uma pista da avenida, é necessário estabelecer um horário em que o prejuízo aos usuários seja o menor possível. Mas em nossa Ilha acontece de tudo. Você, leitor, sabia que o comércio de cone, aquele objeto que se coloca em ruas para evitar passagem, está em alta na Capital? E sabe qual a razão? É que empresários e mesmo moradores se acham no direito de colocar cones em frente aos seus estabelecimentos ou casa para reservar lugar. Na rua Coronel Antenor Mesquita, perpendicular à Esteves Júnior, uma empresa de recolhimento de entulhos deixou um coletor, da largura de um carro, bem em frente a uma placa de proibido parar. Esse entulho está atravancando o trânsito há dois meses. Os guardas e a PM não sabem como multar. E nem guinchar! Isto é uma pequeníssima mostra do desmando da cidade, onde todo mundo faz o que quer; terra sem governo.
Se um governante pensasse em cidade turística, teria, por exemplo, reestruturado o centro da cidade, em um raio de dois quilômetros. Nesse espaço, há dois teatros, três museus, praças mal cuidadas, igrejas antigas, mercado, enfim, é o multiculturalismo da Ilha. Você, leitor, por acaso, não iria mais vezes à Felipe Schmidt se, ao invés de apenas lojas de varejo, bancos, loterias, etc., houvesse café ao estilo das casas de Buenos Aires, de Paris? Custa caro? A prefeitura não precisa gastar nada. Basta replanejar a cidade, privilegiando certas áreas com projetos capazes de resgatar a cultura da cidade, valorizando sua gente, a sua musicalidade e poesia.
Mas o alcaide alienígena não tem sentimento e nem visão cultural da cidade. Aliás, ele não conhece a cidade. Pode até ter assistido a um show de boi de mamão, mas isto não é a cultura da Ilha.
Santa Catarina já teve prefeitos exemplares. E Joinville foi a cidade mais privilegiada, até meados dos anos 80. De lá pra cá, deu no que ainda está dando: violência, cidade descaracterizada, hoje identificada pelo Balé Bolshói, apenas.
Vou contar uma história para encerrar. Entre 1973 e 1977 o coronel Pedro Ivo Campos, figura histórica do então MDB, governava Joinville. Certa vez, ele mandou colocar as famílias de sem tetos e de pedintes em um ônibus e soltá-las em Florianópolis, na cabeceira da ponte. A cada família ele deu uma quantia de dinheiro e um saco de alimentos básicos. O jornal O Estado flagrou a cena do embarque e deu em manchete: “Joinville deporta mendigos para a Capital”. O coronel ficou enfurecido, mas foi honesto na justificativa: “aqui em Joinville, não temos casa, centro de saúde e escola para mais gente”. A Capital também não tinha, mas até hoje, sem governo, continua permitindo que se improvisem casas em morros, áreas de mangue, etc.etc. São cerca de 120 mil pessoas vivendo em áreas de risco, em situação precária, aos olhos do alcaide alienígena que prefere construir um luxuoso ambiente para Felipe Massa, Schumacker, pois eles dão refletores, luzes e luzes para um palco tão frágil quanto a mente vazia de quem não sabe governar.