A comissão especial da Câmara que analisa a revogação do Código Florestal brasileiro desfez os últimos nós e poderá finalmente iniciar seus trabalhos na próxima quarta-feira (20/10). Depois de três sessões sem sucesso, foram definidas as presidências e a relatoria da comissão.
Como esperado, o embate entre ruralistas e ambientalistas, que chegou a virar bate-boca em alguns momentos, terminou com o consenso do deputado Aldo Rebelo (PCdoB – SP) para o cargo de relator. A presidência ficou com Moacir Micheletto (PMDB-PR), o mesmo parlamentar que há dez anos deu o aval ao projeto que hoje está de volta à discussão e que na época foi barrado por pressão popular. O Projeto de Lei 1876 de 1999, já rejeitado em duas comissões, prevê a extinção do atual Código Florestal e traz anexo outro texto, de autoria do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), que causou nova preocupação entre os ambientalistas.
A matéria do parlamentar catarinense atribui aos estados a definição das leis ambientais, reduz áreas de conservação e de proteção de matas ciliares (aquelas que ficam à beira de rios) e retira parte dos poderes do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Os ruralistas gostariam de aprovar também a não-recuperação de áreas desmatadas na Amazônia Legal com base no argumento de que não se deve destruir aquilo que foi feito em propriedades, como casas e prédios.
Para o Greenpeace, a motivação da bancada ruralista para aprovar rapidamente o texto explica-se pela aplicação de multas a partir de dezembro para aqueles que não iniciarem a recomposição de propriedades desmatadas.
A comissão, formada por 18 deputados, tem 10 ruralistas, o que pode facilitar a aprovação do texto de Colatto e o envio a plenário. Mas Nilo D’Ávila, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, considera que o bloco de proprietários rurais não é tão coeso quanto se imagina e pode haver posições intermediárias pelo caminho. “O setor mais industrializado, por exemplo, está fazendo acordos como as moratórias da soja e da pecuária. E tem outro setor que quer apenas mudar a regra do jogo e fazer disso um uso eleitoral”, afirmou à Rede Brasil Atual.
A indicação de Aldo Rebelo para relator é tida como uma vitória parcial para os ambientalistas, garantindo o mínimo de isenção que era exigido pela bancada. Em conversa na última semana com a reportagem, o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), integrante da Frente Ambiental, afirmou que a escolha é suficiente para garantir que a legislação atual não sofrerá alterações profundas. “Sou consciente de que há necessidade de atualizar nosso Código Florestal. Mas não podemos, dentro da lógica de atualizar o código, permitir que se faça com a Amazônia o que foi feito com a Mata Atlântica”, afirma.
Os projetos apresentados pelos ruralistas são rejeitados por organizações não-governamentais. Em carta enviada ao presidente Lula e ao presidente da Câmara, Michel Temer, diversas ONGs ligadas à preservação do meio ambiente manifestaram preocupação com o tema. “Às vésperas de uma das mais importantes reuniões internacionais de todos os tempos (…) a bancada ruralista, com a conivência do governo federal, insiste em colocar em pauta e em ritmo acelerado propostas que põem em sério risco as principais leis brasileiras”, aponta o comunicado.
O desmatamento responde por mais de 50% das emissões brasileiras de gases que provocam o efeito-estufa. O tema será debatido no fim de ano durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, na Dinamarca, quando se espera uma posição global para o combate ao aquecimento.
As ONGs defendem que o governo brasileiro defina metas reais de redução das emissões e adote o “desmatamento zero”, o que já foi rechaçado pelo presidente da República. Nilo D’Ávila aponta que é hora de o governo definir “se vai ser bonzinho ou não na reunião da ONU”. Ele entende que é necessário também dar um destino às áreas desmatadas de difícil recuperação, transformando-as em locais produtivos e resguardando locais que ainda não foram desmatados.
Sobre a parte do projeto do deputado Colatto que atribui aos estados a definição a respeito da “coluna vertebral” da legislação ambiental, o coordenador do Greenpeace pondera que os governos estaduais devem colaborar fortemente na fiscalização, mas não na definição de leis: “Se você imaginar que uma lei nacional já é de difícil monitoramento, imagine ter 27 leis diferentes. Pense nas propriedades que se tem na fronteira de estados como a Amazônia, que tem limites quilométricos com vários outros estados. A lei tem de ser nacional”.
O modelo defendido por Valdir Colatto é o mesmo aprovado em seu estado de origem, Santa Catarina, em que o Código Florestal brasileiro foi substituído por uma legislação local que permite construções em encostas e topos de morros e reduz a proteção às matas ciliares. Atualmente, o projeto catarinense espera por julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que deverá definir sobre a constitucionalidade do texto.
Os ambientalistas têm esperança de que os ministérios de Desenvolvimento Agrário, Agricultura e Meio Ambiente apresentem uma proposta alternativa ao texto dos ruralistas. Há, na comissão, um projeto de autoria de Leonardo Monteiro tido como bastante similar ao Código Florestal em vigência.
(Por João Peres, Rede Brasil Atual, 15/10/2009)
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2 Comentários
Eh lamentavel que os interesses dos ruralistas mais uma vez se sobreponham a preservacao da qualidade de vida= cuidado com a natureza, onde interesses financeiros criam as leis que beneficiam a poucos. O dano eh irreversivel.Santa Catarina nao aprendeu nada com as enchentes? Que mentalidade atrasada, quanta ignorancia!
Concordo plenamente com a opiniao acima da Monica .. Estamos caminhando no retrocesso.