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A Cidade e a Mídia

Da coluna de Laudelino José Sardá – Jornalista e professor (Acontecendo Aqui, 13/10/09)

A cidade passiva só lê os fatos, porque a mídia esconde e não estimula a crítica. As informações são descartáveis e não alimentam a massa crítica silenciosa, por falta de substância.

O jornalismo da instantaneidade não investiga mais acusações e nem faz denúncia. Parece que na Ilha dos casos raros, por exemplo, é proibido não ser a favor, como se todos estivessem compelidos pelo minuano da unissonância. Os mais estapafúrdios casos são apenas registrados – e até elogiáveis -, a exemplo dos R$ 4 milhões a serem gastos para o tenor Andrea Bocelli cantar por uma hora no réveillon da beira-mar.

Por que a chuva detonou o asfalto recém colocado na beira-mar? Não se discutem os erros e equívocos que comprometem o dinheiro público. Na Europa, o asfalto dura cerca de 40 anos, enquanto que na beira-mar não passa de dias. Na vizinha cidade de Palhoça, os vereadores foram contra o direito do seu povo de não pagar pedágio dentro do próprio município. Por quê? Nada se explica e é por isso que os homens que se dizem público agem sem medo.

Até o final dos anos 80, o jornalista vivia o Tête-à-tête com as fontes de informação, e delas não deixava escaparem as respostas para as perguntas essenciais que um leitor comum sempre faz ao ler uma notícia. Por isso, ele vivenciava o fato, mergulhava em suas causas em busca de explicações. Hoje, ele se vê alucinado, atrapalhado, ansioso e estressado diante da avalanche de informações na internet. Se há menos de 20 anos uma matéria de 20 linhas consumia cinco minutos para ser expelida pelo telex, hoje, nesse mesmo tempo, a internet lança em todos os sites mais de 100 informações, independente do tamanho. Enquanto nos velhos tempos obtinham-se informações por telefone ou em bibliotecas e entrevistas, hoje o jornalista não precisa levantar-se da cadeira diante do computador. O Google passou a ser a fonte de todas e quaisquer informações. E, assim, tudo caiu em um plano de igualdadel; nada de novo ocorre, senão a tragédia, o esporte, a artista que foi a um evento com sutiã colorido, etc.etc.

Como observa o pensador francês Edgar Morin, quando a mídia faz uma representação teatral da realidade, a informação se esconde e se cala. O jornalista quer estar tão acelerado quanto a tecnologia, despreocupando-se com a informação completa, com a veracidade e a investigação. Quer divulgar tudo no jornal e não descobriu ainda o verdadeiro papel da mídia impressa neste novo cenário da comunicação, em que tudo tem que ser imediato, como se não houvesse salvação. O jornal impresso, em seu estado de agonia, faz lembrar o doente depressivo, que não aprende a reagir. O impresso terá longos anos de sobrevida, desde que se desacelere e pare de querer competir com o jornalismo on-line

Ignácio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, da França, tem razão ao pensar que jornalistas armados da verdade poderiam se opor a dirigentes políticos, a homens que prejudicam a sociedade pensando só em sua carreira, enriquecendo-se, etc. E, nessa contenda, a mídia sofre de um outro mal: a amnésia. José Sarney esperneou, convergiu o PMDB para o seu apoio, censurou o jornal O Estado de S. Paulo e saiu ileso sem deixar a presidência do Senado. E a mídia calou-se! O jornalismo da instantaneidade acaba transferindo um papel importante ao jornal impresso, que, aliás, já vem sendo desempenhado na Europa e nos Estados Unidos há muito tempo, o de assumir posição de criticar, sem se limitar mais a deixar o julgamento para colunistas.

É por essa e outras razões que a nossa Florianópolis vive à míngua. O alcaide alienígena parece blindado, inatacável e as ações governamentais, inclusive as da regência de Luiz Magno, são assimiladas sem questionamentos. A via expressa, de acesso ao Sul da ilha, vai se transformando no que resultou o aterro da baía sul: desordem. Há projeto para aquele novo aterro, mas as estratégias e ações são aleatórias e já comprometem os planos iniciais. E nada se fala, a menos em pequenos grupos. E por falar no Sul da ilha, os balneários dessa região crescem desordenadamente, e cada vez mais neles se constroem com a anuência da prefeitura. Só se ouvem moradores reclamando de infra-estrutura, assaltos, etc… e nada se cobra do governante.

Nesta segunda-feira, por exemplo, é dia da criança. As manchetes são sempre as mesmas, voltadas para as expectativas ou frustrações do comércio. E a criança? Como a sua maioria vive na ilha? Há espaço para ela brincar? Onde? E o idoso, cujo dia foi comemorado há duas semanas? Há lugares onde ele possa passar o dia, alegrar-se, divertir-se? E o jovem, de 15 a 24 anos, que também tem data para que sejam estimulados a comprar e comprar? O que eles podem fazer na Ilha, exceto à noite nos bares, shows e restaurantes? A mídia não se preocupa com a felicidade do cidadão, preferindo trabalhar os extremos: a violência e a intimidade de ídolos. O povo serve apenas de leitor.

A campanha contra o crack é excelente, sem dúvida. Bela iniciativa da RBS. Mas por que os jornais, rádios e emissoras de televisão, de modo geral, não exibem o cenário de degradação social de favelas, mostrando a causa de tantos jovens se degenerarem no mundo do crime? Você, leitor, tem idéia de quantos jovens estão ociosos na Ilha? No Brasil, segundo dados que o IBGE revelou na última quarta-feira, são mais de 1,3 milhão de jovens que não têm nada o que fazer durante o dia. Em Florianópolis, não são poucos os ociosos, considerando que há 60 bolsões de pobreza com grande concentração de crianças e jovens. Por que os governos permitem-se conviver com mais de 80 mil pessoas residindo em áreas promíscuas dominadas pelo tráfico de drogas somente em Florianópolis?

A mídia não pode deixar de abordar e discutir esses paradoxos, porque entendo o seu papel como um instrumento de defesa da sociedade democrática, que busca na igualdade a forma de sobreviver às intempéries de um mundo desvairado, que se individualiza cada vez mais.

Entendo que os jornais, televisão e emissoras de rádio poderiam ajudar Florianópolis a se regenerar. O Jornal do Almoço, da RBS, o Jornal da TVBV da noite, o da Ric Record e do SBT local poderiam abrir espaços para a discussão dos graves problemas que deterioram a qualidade de vida da Grande Florianópolis. Não precisam focar apenas a Capital. Da mesma forma os jornais, que precisam fugir ao óbvio e começar a produzir reportagens de profundidade sobre as questões sérias do crescimento da região. Não se justifica mais abordar diariamente a violência sem questionar a vulnerabilidade do sistema de segurança, principalmente o prisional. E Não adianta produzir uma ou duas matérias. O importante é estabelecer cobranças permanentes, instituindo prazo para o governo resolver o problema. Assim também em relação às cidades. A mídia não pode se limitar ao disse não disse, sem exercer a crítica à omissão e aos erros das prefeituras.

O leitor, por exemplo, já sabe o que a imprensa vai abordar nessa temporada de verão. E sabe por quê? Os problemas são os mesmos e os veículos de comunicação de massa não cobram as soluções. O rio do Brás e outros continuam lançando cocô in natura nas praias do norte da Ilha; os buracos da SC-401 só serão tapados quando o movimento de turistas estiver intenso; os turistas vão lotar os shoppings quando o dia estiver nublado ou chuvoso, enfim, mais uma temporada para o turista exigente querer esquecer e nunca mais voltar.

Bem, em 2010, o filme será repetido. E dublado.

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