Empreendimento para explorar fosfato obteve aval de órgão de licenciamento, mas moradores são contra atividade
Há sete anos, Fernando Monteiro decidiu ir embora para sua Pasárgada, e assim batizou o sítio que escolheu, no meio da mata atlântica de Santa Catarina. Hoje, ele está triste, triste de não ter jeito, com a história da construção de uma mineradora perto de seu quintal. Mas, ao contrário do que imaginava o poeta Manuel Bandeira, Monteiro não é amigo do rei nem da Indústria de Fosfatos Catarinense (IFC), dona do projeto Anitápolis. A IFC quer explorar a maior jazida ainda intacta no País em uma área de 300 hectares, cercada de florestas, rios e pequenas comunidades. Monteiro e outros tantos lutam para barrar a obra.
Duas multinacionais, a Bunge e a Yara Brasil Fertilizantes, formaram a IFC e compraram 1,8 mil hectares na pacata cidade de Anitápolis. Há décadas sabe-se que naquele chão há o minério vital para o agronegócio. É o fósforo, identificado pela letra química P. Com o nitrogênio (N) e o potássio (K), forma o fertilizante NPK. O Brasil importa a maior parte do fósforo, porque é mais barato. Explorar jazidas como a de Anitápolis reduziria a dependência externa.
Monteiro é um paulistano que se refugiou na montanha. Casou-se com Regina Capistrano, mãe de Miguel, de 11 anos, e com ela teve duas filhas, as pequenas Mariana e Ana Clara. Eles compraram 5,5 hectares cortados por dois rios e nove nascentes d”água. Plantaram uma horta e construíram três cabanas para receber hóspedes. A pousada Sítio Pasárgada faz parte de um programa de inspiração francesa, a Acolhida na Colônia, onde turistas experimentam a vida no campo sem televisão, telefone ou internet. “Falo de rios limpos, rãs e matas intactas. As multinacionais dizem que vão preservar, mas a lógica delas é de quem só pensa em produzir”, diz ele.
“A IFC não entende que a atividade de mineração seja destrutiva ao meio ambiente”, rebate o diretor da empresa, Ademar Fronchetti, que espera obter o aval para as obras até o início de 2010. “Hoje, tanto as operações de mineração quanto os complexos químicos devem ser projetados visando condições de sustentabilidade, gerando riqueza e desenvolvimento, não só para o País, mas principalmente para a região onde está inserida.”
AGRICULTURA ECOLÓGICA
O agroturismo é uma atividade referência em Anitápolis e nas cidades vizinhas das encostas da Serra Geral, uma vasta área de vales e montanhas banhada pela Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão. Mais de 30 propriedades aderiram ao Acolhida na Colônia, que gera renda extra aos agricultores, mas exige preservar nascentes e tratar o esgoto. Outra vocação é a agricultura orgânica, praticada por famílias como a Willemann, em Santa Rosa de Lima. Cenouras, beterrabas, brócolis, vagens, pepinos e cebolas são produzidos sem agrotóxicos ou fertilizantes e vendidos a supermercados de São Paulo. “O maior problema é que vão mexer com a água. Ela é tudo para nós”, preocupa-se Alexandre Willemann.
Na beira do Rio dos Pinheiros, afluente do Rio Braço do Norte, um dos principais formadores da bacia do Tubarão, os primos Antonio José e Valdenir Coelho identificaram uma grande rocha branca e levaram um especialista para conhecê-la. Descobriu-se que era o carbonatito, proveniente de uma mina de fosfato. Era fim dos anos 1970, quando agricultores das redondezas plantavam batatas e colhiam superbatatas. Havia fosfato demais no solo.
A empresa Adubos Trevo, hoje da Yara Brasil, arrematou o terreno e, com o fantasma da mineração, Anitápolis conheceu o êxodo rural – dos 8 mil habitantes, hoje são 3,3 mil.
Em 1987, quando a Adubos Trevo sondava o terreno, a Organização das Nações Unidas cunhava o termo “desenvolvimento sustentável”. Desenvolver e preservar, dois lemas-chaves para o futuro, tem hoje interpretações distintas em Anitápolis. Prefeitura, Estado e União defendem o projeto da IFC. Outros prefeitos, ambientalistas e o Ministério Público são contra.
Por ano, a mina da IFC deve produzir 1,8 milhão de toneladas de fosfato, 500 mil toneladas de super fosfato simples, 200 mil toneladas de ácido sulfúrico (usado na mineração) e descartado 1,2 milhão de toneladas de material estéril. A área de lavra virará uma cratera a céu aberto e terá vida útil de 33 anos. A produção usará a água captada no Rio dos Pinheiros.
A previsão é de gerar 1,5 mil empregos na obra que durará três anos e 450 para a operação. Na região, não há trabalhadores especializados. A IFC vem pagando cursos de capacitação pelo Senai. “A mineradora atrairá outras empresas que gerarão empregos”, diz o prefeito de Anitápolis, Saulo Weiss. Se o projeto vingar, a cidade verá o orçamento passar de R$ 4 milhões para R$ 6,5 milhões. O Estado e a União arrecadarão outros R$ 7,5 milhões em tributos.
TRANSPORTE DE CARGAS
Os prefeitos Evanísio Uliano, de Braço do Norte, e Celso Heidemann, de Santa Rosa de Lima, afirmam que só souberam do empreendimento após o aval do órgão de licenciamento estadual. “Há uma população em pânico. É preciso mais audiências e uma consultoria independente que ateste a segurança da obra”, diz Uliano.
O transporte das cargas, desde o enxofre para a mineração que virá importado pelo Porto de Imbituba até o destino final do fosfato em Lages, ocorrerá pelas rodovias BR-101, BR-282 e SC-407. A partir de Lages, o produto será escoado por ferrovia. O prefeito de Rancho Queimado, Evanísio Leandro, teme pelo vaivém de caminhões, que passam, em média, a cada dez minutos. Sua cidade possui mais de 30 condomínios com casas de fim de semana para moradores de Florianópolis.
(Eduardo Nunomura, Estadão, 20/09/2009)
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