Um rio que entrou como bandido está sendo praticamente desenterrado e exumado, saindo como salvado do incêndio da campanha pela recuperação do rio Capivari: é o rio dos Ingleses que, no mapa de 1998 do IPUF, nascia quase no Distrito do Rio Vermelho e atravessava o de Ingleses, correndo ao pé das dunas, no Sítio de Baixo, indo desaguar no Capivari. Algumas fotos indicam que o rio foi tão estrangulado em alguns pontos próximos à sua nascente – inclusive por um prédio da própria Casan – que é muito possível que seu curso já tenha sido encurtado em medida considerável.
É importante destacar: na conta da desordenada e agressiva ocupação das margens do rio dos Ingleses é que deve ser debitada a maior parte da poluição na pauta dessa campanha de recuperação. Isso fica flagrante na estatística montada a partir dos postos de coleta ao longo do rio Capivari: em todas as sete medições do estudo, as amostras colhidas no ponto onde o rio dos Ingleses deságua, praticamente junto ao mar, são as campeãs nos níveis de coliformes fecais.
Na manhã de 3 de junho o operador da máquina que fazia o desassoreamento tinha ordens de botar abaixo o muro e a ponte de estrangulamento, construidos sobre o rio dos Ingleses por um “condomínio particular”, no Sítio de Baixo. Do outro lado da ponte, dunas e área de preservação. Pois o funcionário atrasou-se no serviço e, ao voltar do almoço uma nova ordem o esperava: não tocar no muro. Apesar de todos os esforços da grande campanha, ali (à direita) fica tudo como está.
Para um morador do condomínio particular, “aqui nunca existiu rio. Aquilo ali era só um córrego.” Ele manifestou-se muito irritado com a presença de estranhos no local, fazendo perguntas sobre o tal muro.
De qualquer forma, a operação de limpeza do rio dos Ingleses tem efeitos impressionantes, pois revela uma verdade até aqui acobertada: os quintais das casas usurpando o leito do rio em praticamente todo o seu curso.
Para onde é mesmo que estava voltada a atenção dos hiperativos preservacionistas do Conselho Comunitário de Ingleses e do Movimento Ilha Ativa, enquanto essa barbárie ambiental e urbanística acontecia diante de seus olhos, na vizinhança mais íntima dos membros das suas “diretorias”? E onde estão agora?
Convite para o enterro
Enquanto se luta em Ingleses para tentar recuperar pelo menos parte do estrago nos rios e córregos, culpa desse processo anômico de décadas na ocupação da cidade, no Rio Vermelho é visível que o urbanismo modelo “espinha de peixe” – que, a Leste, arrasou com boa parte do tradicional Caminho do Travessão e já está matando o rio que dá nome ao bairro – continua de dono do campinho e se alastra livremente. Agora para Oeste, onde a degradação se volta para as margens do arroio Capivaras, que corre entre a Rodovia João Gualberto Soares e a morraiada, até desaguar na Lagoa da Conceição.
O parcelamento clandestino do solo avança glebas manezinhas adentro, na direção da margem do arroio, e já passou sobre ele com a implantação de pontes de acesso aos sertões dos morros. A quantidade de edificações irregulares cresce, inicialmente protegidas por portões de “acesso familiar”. Mas já pode ser constatada, desde o Muquém até o porto, a abertura de novas “servidões”, com postes e relógios de luz individuais para cada edificação. Há até denominações, aparentemente “ex-oficializada” na Câmara de Vereadores, com nome e placa indicativa no modelo oficial, afixadas nos postes da “esquina” com a Rodovia.
E daí, já se sabe: mais hoje, mais amanhã, diante da “situação consolidada”, só restará ao poder público, nas vésperas de cada eleição, premiar esses sofredores títulos de eleitor com a pavimentação da via e outras coisinhas mais. Ficou claro ou precisa desenhar?
(Jornal Ilha Capital, 22/07/2009)
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