Do catador à indústria, a queda de até 80% nos preços dos materiais recolhidos afetou toda uma cadeia produtiva
O efeito dominó da turbulência global chegou aos catadores de papéis, latas e garrafas. Ao derrubar os preços dos materiais recicláveis, a crise deixa de ser apenas econômica e assume graves contornos sociais e ambientais. A desvalorização, que chega a 80%, inviabiliza o sustento dos catadores, ameaça o meio ambiente, reduz a margem de recicladoras, gera desemprego e sobrecarrega empresas de limpeza urbana.
Um dos maiores mercados compradores de recicláveis é a China, que, em função da crise, passou a exportar menos e, por isso, reduziu o uso de embalagens, o que influencia principalmente o mercado de papelão. Nos EUA, a tonelada da lata de alumínio, por exemplo, atingiu o patamar de US$ 5 em dezembro passado. Em 2007, o mesmo volume era vendido por em torno de US$ 327. A tonelada de papelão, por sua vez, que vale agora entre US$ 25 e US$ 30, já havia batido nos US$ 300.
Em Santa Catarina, a menor queda foi de 50%. Com a renda reduzida à metade, a atividade deixou de valer a pena para os catadores. Por conta disso, na Companhia de Melhoramentos da Capital (Comcap), o volume de lixo reciclável aumentou.
– A coleta seletiva passou de 195 toneladas, em janeiro de 2008, para 260 toneladas este ano. Com este material reciclável, a Comcap abastece duas associações, mas elas estão ficando sem ter para quem vender. Sem destinação, este lixo vai gerar problema ambiental – alerta o diretor da empresa, Wilson Cancian Lopes.
Uma das principais compradoras do papelão separado pelas associações recicladoras, a empresa Almeida Papéis, há 24 anos no mercado, já chegou a ter 2 mil toneladas no seu galpão. Hoje tem cerca de 300 toneladas estocadas.
Cenário complicado é o mesmo em todo o país
– Esta é uma crise diferente. Antes ou tinha sobra de material, ficava difícil de vender, ou não tinha material. Desta vez, tanto caiu o preço quanto falta material porque caiu também o consumo e há menos embalagens no mercado de recicláveis – explica o gerente administrativo da empresa, Milton Almeida.
A quantidade de papelão caiu 20%, mas o preço despencou e o quilo vale menos da metade hoje. Milton analisa a crise por dois ângulos.
– O comércio está vendendo menos, gera menos sobra de embalagem. Mas também não está valendo a pena para os catadores. Isso aumenta o custo para o setor público. Outro fator é que, com a crise financeira, as fábricas estão comprando menos e pedindo mais prazo. Nós estamos recebendo 90 dias depois da compra.
Milton alerta, ainda, que muitos insumos tiveram queda, mas esta redução não foi repassada aos clientes. Na Almeida Papéis, o arame para amarrar os fardos é feito de sucata de ferro, que custava R$ 0,45 o quilo e hoje não passa de R$ 0,15.
– Mas o preço do arame, para nós não baixou – diz.
A crise no setor de recicláveis atinge todo o Brasil. Representantes do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) afirmam que, se não for tomada nenhuma medida, muitos trabalhadores vão migrar para outras atividades. Segundo o coordenador nacional do MNCR em São Paulo, Roberto Laureano, a renda caiu e até as cooperativas estão com dificuldades para pagar o custo operacional, após uma queda de 25% em suas receitas.
A estimativa do MNCR é que existam 800 mil catadores de material reciclável no país. A absoluta maioria não tem carteira assinada e é responsável por 90% do processo de reciclagem. Este contingente, no entanto, recebe apenas 10% do lucro deste tipo de comércio.
Para ajudar o setor, o governo federal anunciou a liberação de R$ 42 milhões a fundo perdido. Os recursos serão usados na compra de máquinas e construção de galpões. O dinheiro deve sair do BNDES, do Ministério do Trabalho e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). E a liberação, ser feita por meio da Caixa Econômica Federal.
(Simone Kafruni, DC, 08/03/2009)
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