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Subvenção ao consumo leva público ao cinema em SP

Distribuição de ingressos pelo governo paulista leva 1,9 milhão aos cinemas e acende debate sobre preço do tíquete e pertinência da subvenção ao consumo

Aconteceu com o cinema brasileiro em 2008 o que ninguém esperava – ele se tornou uma coqueluche. Mas essa “febre” não está registrada nos dados oficiais do mercado, que apontam em sentido oposto.

Pelas contas da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e do Sindicato dos Distribuidores Cinematográficos -concluídas na última sexta- menos de 10% dos espectadores que pagaram ingressos nas salas do país no ano passado escolheram ver um título brasileiro.

Em relação a 2007, a queda de público do filme nacional foi de 15,5% -os longas brasileiros atraíram 8,7 milhões de espectadores em 2008, contra 10,3 milhões, no ano anterior.

No entanto, enquanto a bilheteria oficial afundava, em cem cidades do interior paulista, filmes brasileiros foram vistos por 1,9 milhão de espectadores. De graça.

Quem pagou o ingresso desse público (a R$ 3 cada um) foi a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, por meio do programa “Vá ao Cinema”.

O resultado dessa promoção não só deve mudar o cálculo oficial da bilheteria no Brasil em 2008. Ele também acende o debate sobre a pertinência da subvenção ao consumo de produtos culturais e adiciona elementos à discussão das razões do aparente desinteresse do público pelo filme nacional.

Tese comprovada

“Esse número comprova a tese de que as pessoas gostam de cinema brasileiro e não vão porque é caro. [A partir dele] Vamos adotar furiosamente a tese de que se tem que subsidiar o consumo, não a produção”, diz o distribuidor Rodrigo Saturnino Braga (Columbia), cujo lançamento “O Guerreiro Didi e a Ninja Lili”, estrelado por Renato Aragão, lidera a preferência do público do “Vá ao Cinema” (veja ranking dos dez mais vistos à pág. E4).

Na época da estreia de seu filme, Aragão, comediante que foi invencível nas bilheterias do país nos anos 1970, disse à Folha: “O ingresso atualmente é [o equivalente] a quase U$ 10 [R$ 22], quando já foi US$ 1,5 [R$ 3,4]. Isso afastou os meus filmes do povo. O meu grande público não vai mais ao cinema, porque não tem poder aquisitivo para isso”.

O que mais impressiona Saturnino Braga é o índice de 76% de aproveitamento dos ingressos distribuídos pelo governo paulista. Segundo André Sturm, coordenador da Unidade de Fomento da Secretaria Estadual de Cultura, foram distribuídos 2,5 milhões de ingressos, dos quais 1,9 milhão foram efetivamente utilizados.

“As pessoas foram assistir ao filme, quando poderiam ter ficado em casa, vendo novela”, diz Saturnino Braga. Ele argumenta que receber ingresso para o cinema não é o mesmo que ganhar “o “tíquete-leite’; [o ingresso] é algo que você pode jogar fora, perder, não ir”.

Para os diretores, a adesão do público à promoção é uma boa notícia, pois enfraquece a versão de que o modesto desempenho do filme brasileiro nas bilheterias relaciona-se ao fato de as produções serem ruins.

Mas não é consenso no mercado cinematográfico a ideia de que iniciativas de subvenção ao consumo possam significar um impulso mais eficaz à indústria do que o subsídio à produção de longas-metragens, que soma ao menos R$ 1,5 bilhão (em valores de 1995) no período de 1995 a 2005, segundo dados divulgados pela Ancine.

Filantropia

Com dois títulos na lista dos dez mais vistos pelo público do “Vá ao Cinema” -“Pequenas Histórias”, de Helvécio Ratton (121,7 mil espectadores), e “Juízo”, de Maria Augusta Ramos (56,3 mil)-, a coordenadora de distribuição do selo Filmes do Estação, Angélica de Oliveira, diz: “É lindo, maravilhoso, ótimo para o cinema nacional que as pessoas vejam os filmes assim, mas é filantropia”.

Ela é reticente quanto a prováveis lastros comerciais da promoção: “Nunca vi dinheiro desse público e não tenho garantia de que ele irá ver os próximos filmes que eu lançar dos mesmos diretores. É um programa específico, para uma classe específica, que não vê, de fato, filme nacional como público pagante”, afirma.

Em novembro passado, ciente do declínio do filme brasileiro na bilheteria regular, a Ancine investiu R$ 2 milhões em subvenção de ingressos para títulos nacionais. Mário Diamante, diretor da agência, diz que a campanha partiu da “tese de que, assim como outras indústrias têm aumentado seu volume de vendas com a oferta de produtos e serviços mais baratos, a experiência poderia valer também para o cinema”.

2,5 mi ganharão ingresso em 2009

Surpreendido pelo bom resultado de 2008, distribuidor estima perda de receita e cogita pedir divisão da renda

Secretaria defende relevância do programa ao ajudar salas do interior a se manterem abertas e tacha de “míope” a chiadeira dos distribuidores

A Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo reservou R$ 7,5 milhões para a edição 2009 do programa “Vá ao Cinema”, estimando a participação de 2,5 milhões de espectadores.

Esse é o número de ingressos que serão distribuídos na capital e em cidades do interior do Estado, ao longo do ano.
O acordo da secretaria com os exibidores prevê o pagamento de R$ 3 por ingresso utilizado (leia quadro acima).

A avaliação que a secretaria faz dos resultados do programa em 2008 é positiva não apenas pelo índice de 76% de adesão do espectador -dos 2,5 milhões de ingressos distribuídos, 1,9 milhão foram utilizados-, mas também pelos efeitos provocados no parque exibidor.

“É relevante ajudar os cinemas do interior a ficarem abertos. A maior parte das salas participou do programa duas ou três vezes no ano. Muitos exibidores que programavam apenas uma sessão nos dias úteis passaram a fazer sessões-extra”, diz André Sturm, coordenador da Unidade de Fomento da Secretaria de Cultura, que idealizou o programa.

Sturm diz que a subvenção dos ingressos para filmes nacionais é também “uma forma de subsidiar o cumprimento da cota de tela [número de dias fixado pelo governo para exibição obrigatória de filmes brasileiros] em salas que não têm facilidade para fazê-lo”.

Mas, se o “Vá ao Cinema” agrada os exibidores, não necessariamente deixa felizes os distribuidores de quem os primeiros alugam as cópias de filmes nacionais. Longe disso.

“A sensação que tenho é a de que passaram a mão no meu traseiro”, reagiu Bruno Wainer, ao saber que “O Garoto Cósmico”, lançado por sua distribuidora, Downtown Filmes, fez 102,3 mil espectadores no programa do governo paulista.

O público que pagou para ver “Garoto Cósmico” nos cinemas foi de 36,4 mil pessoas. Esse não é o único filme a ter tido no programa subvencionado pelo governo paulista um público superior ao restante de sua bilheteria (leia quadro à dir.).

“Se eu puder chiar, vou chiar e vou atrás do meu dinheiro”, afirma Wainer. A bronca do distribuidor é com o fato de ele haver negociado as cópias de “Garoto Cósmico” que participaram do “Vá ao Cinema” no modelo de “preço fixo”, que é utilizado quando se estima público comedido e no qual o distribuidor recebe antecipadamente um valor fechado (leia quadro no alto desta página).

Os demais distribuidores cujos filmes lideram o ranking do “Vá ao Cinema” também negociaram a “preço fixo” e, assim como Wainer, estão descontentes, apurou a Folha.

Para Sturm “é uma miopia dos distribuidores reclamar que poderiam ter ganho mais, em vez de comemorar que cópias que estavam paradas, empoeirando foram alugadas”.

Ele diz que “não houve má-fé dos exibidores em propor preço fixo, que é uma regra de mercado muito antiga, criada pelos distribuidores”. (SA)

Recontagem de público mudará total oficial do ano

A distribuidora Columbia, que tem quatro títulos entre os dez mais vistos do programa “Vá ao Cinema”, incluindo o líder -“O Guerreiro Didi e a Ninja Lili” (365,8 mil espectadores)- informou à Ancine (Agência Nacional do Cinema) que recontará o público de todos os filmes participantes do programa, para incluir nos dados o número de espectadores alcançados por ele.

A atitude da Columbia deverá ser seguida por outros distribuidores, resultando na mudança do número oficial de espectadores do filme brasileiro em 2008, cálculo a que a Ancine chegou na sexta-feira passada -8,7 milhões.

Para a recontagem, a distribuidora terá que ter acesso aos dados de público de cada um dos cinemas participantes do programa nas cem cidades do interior paulista em que ele foi realizado.

A estimativa do diretor da Columbia, Rodrigo Saturnino Braga, é que parte do público do programa “Vá ao Cinema” já tenha sido contabilizada na estatística oficial do ano, porque a empresa não realiza aluguel a “preço fixo” para praças em que o filme seja inédito.

Como alguns dos títulos da Columbia exibidos no “Vá ao Cinema” estrearam em determinadas cidades participando da promoção, os espectadores obtidos nessa condição foram contabilizados.

(Silvana Arantes, Folha de S. Paulo, 12/01/2009)

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