O movimento se espalhou pelo mundo e por aqui é chamado de bicicletada
“Massa crítica” é uma expressão da física nuclear. Quando um átomo se quebra, o nêutron sai voando. Mas átomos são lugares muito vazios. Tão vazios que o mais provável é que esse nêutron voador escape sem bater em nada. Só que, se houver uma porção de átomos arrebentando ao mesmo tempo, aí vai voar nêutron para todo lado. Serão tantos que pelo menos alguns podem acertar outros átomos. Cada átomo atingido vai estourar também, liberando outro nêutron, que bate em outro átomo, e outro e outro. Aí, meu caro, acontece uma explosão nuclear. Massa crítica é a quantidade mínima necessária para que essa reação em cadeia aconteça.
Massa Crítica é também o nome de um dos eventos mais anárquicos e interessantes que ocorrem hoje. Um evento que começou em São Francisco, nos Estados Unidos, há 15 anos, e que hoje tem lugar em mais de 300 cidades do mundo. Numa bela tarde de setembro de 1992, meia dúzia de pessoas começou a distribuir folhetos convocando ciclistas para se encontrarem numa praça às 6 da tarde da sexta-feira. O folheto não dizia quem estava organizando aquilo. Não havia líderes. Os ciclistas se encontraram, esperaram até que houvesse gente suficiente (até que “a massa crítica fosse alcançada”) e saíram pedalando, sem roteiro definido, parando o trânsito (“Nós não paramos o trânsito. Nós somos o trânsito”, diziam).
Daí para a frente, ficou estabelecido que eles se encontrariam todo mês, sempre na última sexta-feira, às 6 da tarde – no auge da hora do rush. A organização é anárquica. Como não há líderes, a prefeitura não tem com quem negociar. A polícia não sabe quem prender. Os participantes negam que se trate de um protesto político. É apenas um encontro. Uma “coincidência organizada”, como dizem.
A Massa Crítica foi atraindo cada vez mais ciclistas. Muitos motoristas ficaram loucos da vida, claro. Que idéia é essa de parar o trânsito? O prefeito fez ameaças nos jornais. Mas, por mais que esbravejasse, chegava a última sexta-feira do mês e havia lá na pracinha um punhado de ciclistas esperando para conquistar a cidade. A tensão foi diminuindo. Os motoristas foram se acostumando com a idéia de que a Massa Crítica é parte da vida da cidade, como os engarrafamentos e a poluição. Alguns deles até tiraram as bicicletas da garagem. Hoje a cidade é um paraíso ciclístico, cheio de ciclovias, estacionamentos de bicicletas e gente pedalando. A massa crítica havia sido atingida.
O movimento se espalhou pelo mundo. Dizem que a maior Massa Crítica de todas é a de Budapeste, na Hungria, que reúne 50 mil bicicletas. Chegou até o Brasil, onde acontece timidamente, com o nome de Bicicletada, em São Paulo, no Rio, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Joinville, Porto Alegre, Aracaju, Natal, Maceió e Brasília.
Em setembro do ano passado participei de minha primeira bicicletada em São Francisco. Parecia uma festa. Muitos estavam fantasiados para celebrar os 15 anos. Nas calçadas, pedestres gritavam em apoio. Os motoristas procuravam levar na boa. Decidi: vou participar todo mês.
DENIS RUSSO BURGIERMAN* é jornalista e tirou fotos da Massa Crítica. Está aqui, ó: http://www.oexperimento.wordpress.com/critical-mass
(Planeta Sustentável, 08/09/2008)