Cada brasileiro produz mais que um quilo de lixo por dia. Esse montante, poderia ser revertido em energia elétrica
A quantidade de lixo gerado no Brasil é proporcional ao seu tamanho continental. Todos os dias são produzidas cerca de 170.000 toneladas de resíduos sólidos urbanos, incluindo o doméstico. Mais de 70% não é reciclado e nem encaminhado para um destino sem poluir. Mas essa mercadoria jogada fora, que ninguém quer, pode trazer muitos benefícios. Inclusive energia elétrica para abastecer shoppings, indústrias e cidades.
Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), apenas um pouco mais de 140.000 toneladas urbanas são coletadas, o demais possui destino incerto. Para piorar toda essa sujeira, apenas 39% dos municípios brasileiros dão tratamento adequados a esse resíduo como enviá-los para aterros controlados.
Uma solução seria gerar energia elétrica. As 170.000 toneladas de lixo correspondem, aproximadamente, a 220 milhões de barris de petróleo por ano ou 600.000 por dia. “Isso evitaria a contaminação do solo, das pessoas, a poluição do ar e, inclusive, geraria crédito de carbono”, afirma o especialista em administração de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), Mauricio Maruca, da empresa Araúna Energia e Gestão Ambiental.
Os lixões atraem ratos, urubus, insetos e outros animais que são transmissores de doenças. Além disso, prejudicam o meio ambiente de diversas maneiras. Primeiro, ocupando um espaço que será interditado por mais 30 anos após sua desativação. O chorume, líquido de cor negra característico de matéria orgânica em decomposição, gerado pelo lixo contamina o solo e o lençol freático.
Por fim, a ação de microorganismos gera biogases que colaboram com o efeito estufa. São emitidos 50% de gás metano, 40% de gás carbônico, 9% de nitrogênio e 1% de outros produzidos por resíduos orgânicos como restos de comida. Porém o metano, que é inflamável, polui 20 vezes mais que o carbônico. E é, justamente, esse vilão que pode ser aproveitado na geração de energia.
Como funciona
Próximo a cidade de São Paulo, em Perus, está um dos maiores aterros e a maior utilização de biogás para a produção de energia elétrica no mundo. O Aterro Sanitário Bandeirantes que ficou em funcionamento por quase 30 anos. Ele parou de receber lixo em março de 2007, armazenando 30 milhões de toneladas. Atualmente, a empresa Biogás Energia Ambiental usa o potencial para geração de energia.
O volume pode abastecer uma cidade com até 400 mil habitantes por 10 anos. “Aos poucos a quantidade de gás emanada diminui. Aos poucos tiramos as máquinas que captam e, daqui cerca de 15 anos, finalizamos esse trabalho”, diz o gerente de produção da Biogás Energia Ambiental, Tiago Nascimento Silva. Depois, levarão mais 25 anos para transformá-lo em parque ou campo de futebol. Como o solo é feito de lixo, com itens que demorarão mais de 500 anos para se decompor como o plástico, não é permitido construções no local.
Veja com detalhes como funciona o processo no lixão
O Aterro Sanitário Bandeirantes possui 80 metros de altura e 160 camadas de lixo. Em cima dele, foi colocada terra argilosa, para não deixar a água da chuva penetrar, e grama. O solo recebeu uma manta impermeável para segurar o chorume, a cada cinco metros de lixo existe uma camada de terra. Neste caso, o chorume é enviado para tratamento feito pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Em cada parte com lixo, são colocados canos para o gás sair e, desse modo, estabilizar a montanha de sujeira.
A Biogás usou os canos já instalados no aterro para levar o gás até as 24 máquinas. Elas funcionam como o motor do carro. A explosão do metano movimenta os pistões e estes fazem o motor funcionar. A energia que o motor produz vai para uma rede da AES Eletropaulo. “Os motores funcionam por 24 horas porque o gás não pára de ser produzido”, afirma Nascimento Silva.
Alternativas para o metano
Existe outra maneira de gerar energia. “Por meio da queima direta do lixo como combustível”, conta Maruca. “Mas esse é um processo poluidor, altamente dispendioso e, por isso, combatido por organismos ambientais e leis brasileiras”, explica. Uma outra alternativa para o metano, mas que não gera energia, é queimá-lo. O resíduo será o gás carbônico – ele também é eliminado quando o metano é usado na geração de energia.
Segundo a empresa Araúna, desse modo consegue-se reduzir em até 98% a emissão de metano. Essa operação é controlada por computadores que medem a quantidade queimada correspondente às toneladas de gás carbônico jogadas na atmosfera. Esses índices são convertidos em créditos de carbono, certificados para compensar o excesso ou o não cumprimento das metas de redução de emissão dos gases de efeito estufa, vendidos às empresas.
“Mas nem todo lixo deve ser queimado ou usado para gerar energia”, afirma o presidente do Instituto Brasil Ambiente e consultor da Organização das Nações Unidas (ONU), Sabetai Calderoni. De acordo com Calderoni, o ideal seria reciclar tudo inclusive o orgânico. Apenas a sobra deveria ser usada. “A reciclagem poupa o dobro da energia produzida pela mesma quantidade de lixo. Além disso, dois terços do gasto que a prefeitura de São Paulo possui com os resíduos domiciliares está no transporte”, diz. Conforme acaba a capacidade de um aterro, os resíduos são levados para mais longe. “Em apenas um ano poderíamos mudar a situação do lixo no Brasil”, finaliza.
Aterro x Lixão
Um aterro sanitário é uma obra de engenharia. Ao contrário, os lixões não atendem a nenhuma norma de controle. Apenas recebem resíduos jogados de qualquer maneira. Mesmo assim, desde que seja transformado em aterro, todo o lixão pode gerar energia.
(Isis Nóbile Diniz, IG, 24/08/2008)