Do Blog de César Valente (De Olho na Capital,19/07/08)
Advertência a título de prolegômenos: o texto a seguir foi retirado do fundo do baú, das sombras do meu passado. Esta crônica foi publicada pela primeira vez no dia 8 de novembro de 1974 no jornal O Estado, de Florianópolis. Mais de 30 anos atrás, portanto. Tinha esse título aí em cima, brincando com o nome da cidade (isso de “Floripa” é coisa mais recente, de estrangeiro, que os manés nunca engoliram). Na época eu tinha uns bons 21 anos de idade e todas as certezas do mundo. Achava que estavam matando Florianópolis. Parece profético? Imagina… era apenas bobagem de guri novo, que não sabia nada da vida. As fotos também são minhas. Ah, a crônica é um pouco longa. Fazer o quê? Naquele tempo o pessoal achava que leitor de jornal gostava de ler…
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Que tal se a gente não deixasse matar Florianópolis? Ou é preferível a morte? Vocês acham mesmo que sepultar Florianópolis sob montanhas de concreto (nem sempre útil e nem sempre esteticamente atraente) não é matar Florianópolis? Derrubar conjuntos de casas “velhas”, destruir ruelas características e originais, essas coisas, não é matar Florianópolis? Arrasar com a vegetação dos morros, deixando só as pedras, balançando a cada vento sul, não é suicídio? Não é muita vontade de querer entrar nos noticiários internacionais pela porta das tragédias, desabamentos, avalanchas e afins?
Aglomerar tudo naquele centro de nada, prensado entre o morro da Cruz, do Mocotó e o mar não é matar Florianópolis? Por que não tirar tudo do centro, deixar o que restou como está? Fazer cantar em outra freguesia os martelos hidráulicos, as britadeiras e os misturadores de concreto? Fazer como em Salvador (é Salvador, né?) onde o centro administrativo foi colocado lá fora da cidade. Curitiba, que jogou os carros fora do centro e – pedindo perdão aos paranaenses – eles nem têm uma cidade com a riqueza arquitetônica que nós temos, quer dizer, tínhamos.
Qual cidade do mundo que tem a Conselheiro Mafra com aqueles sobradões, aquele prédio da alfândega, aquele mercado, aquele mictório público, o Miramar (atual mirareia), qual? Nenhuma. Mas nós não damos a menor importância. Nós não tentamos fazer nada. Só soluções paliativas, panos quentes, soluções para uma ou duas semanas.
No fundo, no fundo, as pessoas estão querendo mesmo é que Florianópolis se arrebente, que vá tudo para a… e que eles não tenham prejuízo e possam continuar construindo prédios para empilhar pobres coitados que pensam, ingenuamente, que aquela Florianópolis de uns tempos atrás era “atrasada”. Mas agora estão satisfeitos, as casas “velhas” estão desaparecendo, isso aí tá virando um paliteiro. Então está tudo muito bem.
Vê só o carnaval. Famoso, badalado. Mas o que espanta as pessoas, na verdade, é aquele povaréu pulando na rua. Fora escolas, sociedades, “crubes”, o povaréu que se fantasia de “chujo” e sai pelaí não querendo nem saber. Pois é, começa-se mudar a cidade e vamos apostar quanto que esse pessoal não vai mais pular do jeito que já tá começando a não pular? Tinha que respeitar todo um clima, todo um estado de espírito que a cidade proporcionava. Uma tranqüilidade famosa, uma malandragem pura e simpática. Mas estão matando Florianópolis.
Em vez de construir onde tem lugar para construir, eles constroem onde não tem lugar, soterrando a cidade de antes. E num mundo de cidades grandes, que amarrotam o sujeito, o importante não é morar em Porto Alegre, São Paulo ou Rio. Pode tirar a prova. É dizer bem cantado e chiando no s final: “sou de Florianópolis, se quéis quéis, se não quéis diz”. Daí, os caras dessas cidades aí que eu falei (às vezes até mesmo os de Curitiba), vão te olhar com olhos de respeito.
Vão falar de Garopaba, Laguna, praia do Santinho, Imbituba, e lembrar a Florianópolis que lhes tocou: as ruas estreitas, “o mercado incrível”, o jeitão das pessoas. Só os muito caretas, que passam o dia e a noite de gravata e pastinha (gostando disso e se sentindo realizados só nisso) é que vão falar de Camboriú e da Florianópolis assassina, de grandes prédios, grandes obras, grandes porcarias que talvez sirvam de lápide para aqueles que se deixarem – passivamente – assassinar.
O tempo é este, de tentativas desesperadas para salvar a humanidade. O mundo se volta, tremendo e roendo as unhas, para as últimas reservas de água potável, últimas reservas de verde, últimas reservas de ar puro. A Inglaterra limpou o Tâmisa que tava pior que a nossa baía e acabou com o tal de “fog” botando filtros nas chaminés das fábricas. Os Estados Unidos tão dando uma vasculhada geral no presidente deles, afinal corrupção não deixa de ser poluição.
A Noruega não quis empestar seus narizinhos com mais uma fábrica de celulose e mandou-a para as margens do Guaíba, a empestar Porto Alegre. É tudo preocupação com a sobrevivência do homem, que Florianópolis ou ignora ou não toma conhecimento. Quantas áreas verdes de recreio foram criadas nos últimos tempos? parques? jardins? reflorestamento real? (há o artificial, com árvores importadas e economicamente muito compensadoras, mas que só ajudam o bolso do reflorestador).
Que providências efetivas foram tomadas para manter Florianópolis intacta? Afastou-se o suficiente o centro administrativo? Ou se concentrou tudo num mesmo lugar, amontoado? Já sei, isso tudo faz parte de uma aposta que alguém muito importante deve ter feito: “o caro colega quer apostar como Florianópolis pára (num gigantesco engarrafamento total) antes que São Paulo?”
1 Comentário
Procurando informações sobre Florianópolis para subsidiar uma pesquisa cheguei ao teu artigo. Concordo plenamente e precisamos urgentemente sentir orgulho de nossa cultura, resgatá-la e acabar com essa coisa de Floripa, mané , tu é, nos vai, etc. Não podemos impedir o desenvolvimento da cidade, mas ele deverá e só será alcançado se respeitarmos as carcaterísticas locais e, acima de tudo,sem copiar modelos vindos de fora. Acabar com essa mania de colônia, que tudo que vem de fora é que bom. Continua divulgando esses recados e precisamos reação rápida. Obrigada por possibilitar tirar da minha garganta o que estava atravessado a muito tempo. Márcia