Da coluna de Sérgio da Costa Ramos (DC, 06/06/08)
Praça XV, esquina com Conselheiro Mafra, o Hotel La Porta era o Copacabana Palace de Floripa, construído nos anos 1930.
Paris tem o Hotel Crillon; Londres, o Savoy; Nova York, o Waldorf Astoria. Toda cidade que se preze tem um hotel que se confunde com seus marcos históricos uma espécie de land mark que lhe realça a identidade e ajuda a contar a sua evolução urbana.
Admitamos que o La Porta não era nenhum Plaza de Nova York, nenhum Claridges de Londres. Mas era o La Porta, de Floripa, apesar do estilo miscelânico, do jeito um tanto anárquico, um pouco art noveau, quase sempre pintado de marrom escuro, abrigando uma agência da Varig no andar térreo, esquina com Conselheiro Mafra.
O La Porta parecia um estabelecimento livre de Casablanca, no Marrocos ocupado, um imóvel ideal para receber o Café Amérikaine, em cujo térreo poderia irromper, a qualquer momento, a Marseillaise, puxada por Viktor Lazlo, o herói da Resistência.
No meu imaginário romântico, os encontros furtivos de Ilse (Ingrid Gergman) com Rick (Humphrey Bogart) estariam acontecendo num apartamento do quarto andar, voltado para o Miramar e o sol poente, paisagem em cuja moldura sangraria um daqueles ocasos raros que fizeram a fama da Ilha.
O La Porta, os trapiches, o Mercado Público ao fundo. Desse cenário, só o último figurino está de pé. O velho hotel, galeão fundeado ao lado do Miramar, virou agência da Caixa Econômica Federal nos anos 1970 e, depois, acabou derrubado pela sua nova proprietária. Depois da implosão, no início dos anos 1980, o que restou foi o vácuo de memória e de inteligência.
A ruína do velho prédio está lá, arreganhada, como um furúnculo de vergonha. Ninguém sabe porque a Caixa não restaurou o velho La Porta. Pior: ninguém sabe quem mandou implodi-lo, deixando no Centro da cidade uma ferida inútil.
É a tal ameba sem pai. Reclamar a paternidade das coisas boas, todo mundo quer. Mas está para nascer quem assuma a autoria de alguma burrice. Por exemplo: quem foi o responsável pela Chernobyl do Cocô, aquela fétida usina de processamento de resíduos sólidos, implantada ali no aterro da Baía Sul, no metro quadrado mais valorizado da Ilha?
Aliás, o que é que não foi permitido construir no Aterro da Baía Sul?
A caixinha de fósforo dos clubes de remo, a escolinha do Detran, os camelões, o garajão das empresas de transporte coletivo, os depósitos de papelão, a espinha de peixe do Sambódromo, um Centro de Convenções cujo partido arquitetônico é um autêntico aleijão. Por que é que não haveriam de construir um processador de titica que nem funciona?
O que não se imaginava é que superaríamos o Rio de Janeiro no quesito abastardamento urbano¿. Pelo menos na capital carioca os jardins de Burle-Marx, projetados para o Aterro do Flamengo, permanecem como marcos de boa perspectiva humana, consolidados como áreas do convívio social da população, que o freqüenta no seu lazer esportivo, dali contemplando o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara.
Aqui, os jardins de Burle-Marx, suas palmeiras e seus petit-pavês, foram entregues aos cortiços, às garagens e às cloacas da Casan.
A Floripa humana, amiga do mar e de si mesma, sobrevive apenas nas velhas fotografias em tom sépia. Cartões postais de bordas recortadas, dedicatórias no verso e manchas amarelecidas pelo tempo.
1 Comentário
li seu artigo e achei interessante o comentario. sou bisneto do dono do hotel – angelo la porta, e dele so tenho historias e fotos. feliz de quem conheceu o lugar.