Da coluna de Fábio Brüggemann (DC, 14/06/08)
Terminou em 13/06 o Florianópolis Audiovisual Mercosul, uma das mostras mais importantes do cinema e do audiovisual latino-americano. Além de apresentar filmes que talvez não tivéssemos acesso de outra forma, e de movimentar a cidade em torno da cultura audiovisual, o FAM trouxe curtas-metragens, vídeos, e ainda um ciclo de debates sobre a produção, a distribuição e as políticas públicas de apoio ao cinema. Com acesso gratuito, contrasta com a cobrança de estacionamento de um lugar público explorado pela iniciativa privada. O FAM homenageou também, além da atriz Júlia Lemmertz e da produtora Ieda Beck, amiga que se foi precocemente, o exibidor Gilberto Gerlach.
Se não existisse o Cine Clube Nossa Senhora do Desterro, fundado e mantido pelo Gilberto, eu não teria visto tantas filmes genias. Tenho a convicção de que ninguém continua o mesmo depois de ter visto os filmes de Fellini, Godard, Bergman, Glauber Rocha, Antonioni, Wim Wenders, Fassbinder, Robert Bresson, Kieslowski, Tarkovski, Kurosawa, Kiarostami, Manoel de Oliveira, Jim Jarmursh, Kusturica, Lars von Triers e tantos outros cineastas que, mais do que fazer filmes para agradar, os fazem para provocar.
Se dependêssemos apenas dos exibidores comerciais, atrelados unicamente aos interesses da grande indústria do entretenimento norte-americana, jamais teríamos acesso ao cinema em verso, como dizia Pasolini, que o separava do cinema em prosa.
Gerlach, que quase saiu da homenagem sem falar, voltou a pedido do público e, sem papas na língua, reclamou com razão da falta de apoio institucional para o Cine Clube. O público, disse o Gerlach, não tem se renovado. Os jovens não têm estímulo para ver filmes que não sejam aqueles de sempre, empurrados à força, seja por uma indústria que está se lixando para a diversidade das culturas, seja por distribuidores e exibidores que constroem salas cada vez menores, ainda que em maior quantidade, para exibir, por vezes, o mesmo filme em várias delas. O argumento principal dos exibidores é o de que mostram filmes que agradam o público. Mas me pergunto sempre, como o público (coletivo tão heterogêneo) vai gostar do que não conhece?
O Cine Clube Nossa Senhora do Desterro é um oásis, ele vale para a formação de muita gente da minha geração, mais do que graduações, teses de mestrado ou de doutorado. E sua manutenção, para concorrer com o mercadão do “mais do mesmo”, precisa de apoio institucional. E esse apoio representa um custo muito menor do que o necessário para construir centros de eventos caríssimos para espetáculos duvidosos. O Gilberto, na homenagem, pediu pelo menos que lhe dessem uma resposta ao seu projeto de financiar ingressos para jovens sócios. Esse é um modo barato e eficaz de educar. Mas parece que esse tipo de financiamento público, como não gera apoio a amigos da corte, não é do interesse do governo. Aposto mil reais que se esse pessoal que pensa as políticas de cultura tivesse freqüentado o Cine Clube não seria assim tão despreparado e omisso.
O Cine Clube já é de todos, é um patrimônio público dos mais importantes para a cultura da cidade, e é preciso mesmo homenagear o homem que tanto provocou com os filmes que trouxe, e que nos ensinou também a ser provocadores, e não apenas meros espectadores passivos. Obrigado Gerlach.