Da coluna de Sérgio da Costa Ramos (DC, 12/06/08)
Ótimo dia para se pensar na mulher amada, lembrando os tempos em que “amar” ficava dentro do verbo nAMORar. Hoje, há jovens que “ficam”, mesmo sem amor. Não, não estamos condenando os que amam por apenas uma hora. Melhor amar por alguns minutos do que, como um George W. Bush, substituir o amor (e o álcool) por uma guerra sem fim.
Melhor pensar no amor de Romeu e Julieta, neste 12 de junho. Não há nada mais emocionante do que o amor – eis no que se pode resumir a moral da peça de William Shakespeare. Vamos resumi-la para os mais jovens: a bela Julieta Capuleto cai de amores por Romeu no exato momento em que o vê.
O encanto é recíproco. Mas a jovem ignora que Romeu é um Montecchio – de uma família odiada pela sua. A fascinação de um pelo outro vence qualquer sentimento subalterno e eles resolvem se casar em segredo. Um padre franciscano casa-os secretamente, acreditando que a união aproximaria as duas famílias desavindas.
Os maus fados se atravessam. Romeu mata um primo de Julieta – que o provocara. A guerra familiar recomeça. O príncipe de Verona expulsa-o da cidade. Aí, brilha o gênio lírico de Shakespeare, que mostra os dois vivendo a felicidade da mútua devoção, em meio ao ódio de sua gente. Mas só a morte os juntaria para sempre…
A história dos “namorantes” mais famosos do mundo caiu na lenda popular. Houve mesmo uma família “Montecchi”, e outra “Capelletti”, na Verona medieval. Verdadeira ou não, a força do amor exerceu tal poder sobre a imaginação do homem que ainda hoje se pode ver, em Verona, a varanda de mármore do Palácio dos Capuleto, onde os dois amantes teriam trocado os seus líricos adeuses.
Trechos do diálogo do balcão revelam a verdadeira representação oral da paixão em estado hipnótico:
– Minha querida, juro pela própria Lua, que tinge de prata as belas frondes de todas estas árvores frutíferas…
– Não jures pela Lua, essa inconstante…
– Por quem devo então jurar?
– Não jures nada. Ou jures, se o quiseres, só por ti mesmo, por tua nobre pessoa, que é o objeto da minha idolatria…
– Quisera ser teu passarinho…
– O mesmo, querido, desejo eu. Mas de tanto te acariciar, poderia até matar-te. Adeus! Calca-me a dor com tanto afã, que boa noite eu te diria até amanhã…
Romeus de hoje, Julietas desta quinta-feira: não basta só a dúzia de rosas ou a “gangorra” no motel. É preciso que em cada amante floresça a nobreza de querer “o melhor para o outro”, uma forma “não-egocêntrica” de amar, que não se desmancha na primeira esquina.
O amor de Winston e Julia foi posto à prova no romance-libelo das ditaduras, o clássico “1984”, de George Orwell. Presos por cultivarem o amor à antiga, num Mundo em que a procriação se fazia sem contato físico, os amantes foram torturados. Os carrascos sabiam que ambos sentiam uma fobia desestabilizadora por ratos.
Então, pediram que Winston confessasse o que queriam, senão… colocariam duas ratazanas obesas em sua cela. Se confessasse, seria poupado e os ratos levados para a cela de Julia. Winston confessou. E escreveu:
– Não amo Julia. Quis, ardentemente, ser poupado do contato com aqueles bichos…
Amar é querer para si a mesma felicidade da amada. Ou nenhuma.
Caro Romeu: tenha imaginação neste 12 de junho. Não fique só na fila do restaurante, do motel ou da floricultura. Não lhe ofereça, apenas, uma consulta com a “Cigana”. Abra o seu peito, amigo – e deixe a sua Julieta entrar.