Pesquisar bastante antes de iniciar o projeto para que ele seja o mais adequado possível às necessidades do município, prever fontes de financiamento na fase que antecede a implementação e envolver o maior número de cidadãos no desenvolvimento das atividades. São esses os principais pontos que podem garantir a sustentabilidade de um programa de Cidade Digital promovido pelo poder público, de acordo com especialistas consultados pelo Guia das Cidades Digitais.
Segundo eles, a manutenção a longo prazo desse tipo de iniciativa depende de estudos detalhados dos serviços a serem oferecidos e que incluam possíveis parceiros e fontes de receita, como a entrada do projeto no orçamento do município.
“O segredo da sustentabilidade é não vincular o projeto à questão partidária, ou seja, tem de entrar no plano de desenvolvimento da cidade. Muda governo, mas não muda o plano”, afirma Carlos Antônio Silva, coordenador de projetos em TICs da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits), organização não-governamental (ONG) que atua em projetos de inclusão digital.
Com ele concorda André Kulczynski, presidente da Procempa, empresa de informática de Porto Alegre, e da Associação Brasileira de Entidades Municipais de Tecnologia da Informação e Comunicação (Abemtic).
Para Kulczynski, os municípios precisam considerar os projetos de conexão à internet, sejam apenas de órgãos públicos ou de grandes áreas, como um serviço essencial, da mesma maneira que o fornecimento de água, luz, segurança, educação e saúde. “Hoje, o acesso à rede mundial de computadores faz parte do dia-a-dia de todas as esferas governamentais. O uso das novas tecnologias traz avanços e economia para o poder público e os serviços que ele presta ao cidadão”, lembra.
Planos plurianuais e orçamentos
Por isso, Kulczynski defende a inclusão desse tipo de iniciativa no planejamento municipal, desde os planos plurinanuais até os orçamentos feitos a cada ano. “É preciso um instrumento que caracterize o acesso à internet como atividade fim. É o que vai garantir a sustentabilidade. Um marco legal precisa ser instituído para que haja uma fonte direcionada de fomento”, explica. “Assim sempre haverá recursos para manter e ampliar as atividades.”
O presidente da Abemtic afirma que a prática mais adotada pelas prefeituras atualmente em relação ao financiamento de serviços de oferta de acesso à internet é recolher verbas em diferentes áreas. Ou seja, toma-se uma quantia do orçamento de Educação para financiar a instalação de computadores nas escolas municipais, mais outra na Saúde para que os médicos façam pesquisas pela internet, e outra na administração para implementar serviços de telefonia VoIP para economizar com a conta de telefone, mas nada de maneira planejada. “Este tipo de postura é válida, mas paliativa, pois não engloba política pública”, critica.
E lembra: “o momento de fazer isso, já que eleições estão por vir, é agora. Se for feito, deixa de ser sonho de um determinado gestor ou projeto. É preciso difundir o conceito de que a cidade digital precisa fazer parte da vida do cidadão”.
Outro caminho apontado é o de vinculação do serviço ao pagamento de impostos. “Um fundo criado por parte dos tributos da própria população, ou pelas empresas locais (incentivadas apor meio de benefícios fiscais), pode ser muito interessante”, afirma Carlos Antônio Silva, da Rits.
Algumas cidades condicionam o acesso gratuito ao pagamento em dia de impostos municipais. O aumento na arrecadação garante verba para a implementação e manutenção do programa. A pequena Pedregulho, no interior de São Paulo, dá senha para login apenas àqueles que não devem Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Se porventura não houver pagamento, a senha é bloqueada. Reativação, apenas quando tudo estiver correto de novo.
Desafios
Há, porém, muitos percalços ao longo do caminho, lembra a técnica Cibele Lazzari, da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), órgão que dá apoio a iniciativas de inclusão digital por todo o estado. Para ela, é necessário, antes de tudo, diferenciar a realidade de grandes e pequenas cidades. As capitais, por exemplo, possuem empresas e institutos de pesquisa interessados em fazer parte de programas de acesso público à internet. Afinal, para o setor privado, pode estar aí uma boa fonte de contratos e propaganda de seus produtos. Para as instituições de ensino, uma boa maneira de incentivar o desenvolvimento de tecnologias e conhecimento sobre o assunto.
No entanto, são raros os casos nos quais as prefeituras de pequenas cidades conseguem apoio privado. “Aqui no Sul, por exemplo, 80% dos municípios possuem menos de 300 mil habitantes, o que torna caro investimentos de grande porte, dado o pequeno retorno”, lembra. Por isso, muitas vezes a entrada em cena do poder público é a única saída possível para um acesso mais barato.
Contudo, alerta Cibele, é necessário fazer estudos aprofundados sobre o que se quer com a internet e como será disponibilizado o serviço. Afinal, o assunto torna-se mais complexo a cada dia. “Já fizemos vários projetos para prefeituras, com indicação de empresas que oferecem os melhores serviços com os menores custos, mas o prefeito resolve que outro agente fará o serviço. Até aí, tudo bem. O problema é que ele chama a empresa do amigo ou do parente para instalar antenas, telefones, computadores, etc, mas depois descobre que não era aquilo que imaginava”. E acrescenta: “Falta planejamento, saber exatamente o que se quer e como fazer. São poucas as pessoas que entendem de verdade sobre acesso a novas tecnologias nas prefeituras.”
A técnica da Famurs afirma que, nos casos dos pequenos municípios, um bom planejamento proporciona eficiência e retorno por meio da economia obtida pelo uso da internet e dos recursos extras que o uso de novas tecnologias pode gerar. Ela cita o caso da pequena cidade
de Roca Sales, a segunda colocada no IV Prêmio Ibero-americano de Cidades Digitais, na categoria Cidades Pequenas, concedido pela Asociación Iberoamericana de Centros de Investigación y Empresas de Telecomunicaciones (AHCIET). Lá, a prefeitura comprou um link para conectar apenas os órgãos públicos e decidiu estender a conexão Wi-Fi a todos moradores no horário fora do expediente. O resultado foi um aumento da produção de aves, principal motor econômico da cidade, pois os agricultores começaram a negociar preços com fornecedores via internet, o que lhes gerou diminuição na conta de telefone e agilidade nas vendas.
Com o dinheiro poupado, compraram mais aves e o crescimento da produção trouxe mais empresas para o município. A conseqüência foi a melhoria na arrecadação, que vai bancar o aumento do horário de internet gratuita aos moradores. “O envolvimento popular foi muito importante, pois acabou atraindo empresas”, lembra Cibele.
Se por um lado o caminho da iniciativa pública para dar acesso à internet aos moradores pode ser o mais comum em pequenos municípios, há também quem aposte em parcerias com a iniciativa privada e pública. É o caso de Mangaratiba, no interior fluminense. As máquinas de alguns telecentros foram custeadas pela Companhia Siderúrgica Nacional, empresa que está abrindo nova unidade nas proximidades do município. Outras máquinas foram bancadas pelo Proderj, empresa de informática pública do estado do Rio de Janeiro.
Para dar acesso aos moradores, a política empregada é a concessão de benefícios para a instalação de novos provedores na cidade, que atualmente conta com apenas três. “Temos que incentivar o maior número possível de provedores locais, para que a população seja beneficiada com a competição. Se a prefeitura começar a cobrar pelo acesso, por exemplo, a população fica a mercê do governo. Se houver algum problema, acaba a conexão. Não acho saudável ser o único provedor”, diz Pedro Lemele, secretário de Informática de Mangaratiba.
Questões políticas e econômicas, portanto, devem ser consideradas sempre que uma cidade digital estiver em formação. Seja qual for o modelo adotado, todos concordam que não há uma fórmula secreta para a sustentabilidade de um projeto que não seja planejamento e acompanhamento constante dos resultados.
(Marcelo Medeiros, Guia das Cidades Digitais, 09/05/08)