Artigo de José Henrique Penido — engenheiro e consultor da Organização Panamericana da Saúde, do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (EcoSigma)
Texto publicado no livro Jardim Gramacho de Marcos Prado (Argumento Editora)
Afinal, reciclar pra quê? Vale a pena? É uma atitude politicamente correta? Reciclar o quê, quando, como, por quê? De um modo geral, as pessoas nem se fazem estas perguntas, mas obedecem a um instinto superior, a um mantra da sociedade de consumo moderna, que se repete sem cessar: reciclar é bom, reciclar é preciso, vamos todos reciclar, vamos salvar o planeta reciclando. As coisas não são tão simples assim. Vale a pena refletir um pouco sobre este tema, começando do princípio e abordando os aspectos ambientais, econômicos e sociais desta atitude hoje tão comentada e tão debatida por todos.
Comentarei neste pequeno texto a reciclagem ou a recuperação dos materiais contidos apenas no lixo domiciliar urbano, ou seja, aquele que é gerado em nossas casas e no comércio em geral. É um lixo que não traz maiores problemas de contaminação, afinal saiu de nossas casas poucas horas antes de ser manipulado por alguém que vai reaproveitá-lo de alguma forma.
É aquele lixo que muitos apregoam ser muito valioso, que vale bilhões de dólares. Quando ouço alguém dizer isto, pergunto onde posso deixar os milhares de toneladas coletados na minha cidade, Rio de Janeiro, para que suas riquezas possam ser aproveitadas. Se nosso lixo de cada dia valesse alguma coisa, ele não seria um problema para as prefeituras, mas antes uma matéria-prima disputada por todos, o que não acontece.
Na realidade, a gestão dos resíduos sólidos é um problema sério no âmbito do saneamento básico, e que afeta a saúde da população e o meio ambiente, se naco for bem conduzida.
No Brasil, assim como na maioria dos países em todo o mundo, a limpeza urbana é de responsabilidade dos municípios, e deve ser gerida conforme a decisão política do prefeito. Mas se é realmente um problema, o que há afinal neste lixo que pode interessar a algumas pessoas e levá-las a buscar nele recursos que possam trazer alguma renda ou benefício?
Primeiro, veremos que resíduos são esses. Nosso lixo domiciliar contém, em peso, cerca de 50% a 60% de matéria orgânica de rápida decomposição; 30% a 40% de materiais potencialmente aproveitáveis ou recicláveis, e 10% a 20% de materiais sem possibilidade de reaproveitamento econômico ou reutilização, tais como terra, papel higiênico, fraldas descartáveis, absorventes, lâmpadas, pilhas, papel celofane e vidros planos.
Conhecida a sua composição, vamos observar melhor os 2 grandes grupos que nos interessam mais: matéria orgânica de rápida decomposição e materiais potencialmente recuperáveis ou reutilizáveis.
Na primeira categoria estão os restos de comida e de cozinha, plantas e flores, pó de café, frutas e legumes estragados e suas cascas – tudo aquilo que, se não for bem embalado ou retirado de nossas casas, começa a se decompor, exala maus odores e atrai insetos e ratos.é um tipo de resíduos que ninguém gosta muito de manusear e que queremos ver longe de nós o mais rapidamente possível.
Mas será que não há como fazer alguma coisa de útil com este “lixo”, que aparentemente não interessa a ninguém? Veremos isso adiante.
É mais agradável falarmos sobre o que todo mundo gosta: os materiais recicláveis, mais limpos e mais fáceis de manipular. Papéis, papelão de embalagens, latas de conservas, latinhas de cerveja e de refrigerante, garrafas e embalagens de PET, plásticos em geral, jornais e revistas, potes e garrafas de vidro são todos fáceis de se guardar em um saco plástico, depois de uma lavagem rápida. Em seguida colocamos os sacos na calçada para serem recolhidos pela coleta seletiva ou pelos catadores. Pronto: fizemos nossa parte, a mãe Terra agradece, estamos em paz com a nossa consciência ambiental.
Mas as coisas não são tão simples assim. Quando separamos nossos recicláveis, não temos a menor idéia do que vai acontecer com elas depois de serem coletados por catadores ou por algum sistema formal de coleta seletiva. Achamos que, de alguma forma mágica, eles serão transformados em novos produtos e que, nesta operação, haverá economia de energia, de água e de matérias-primas não renováveis, fato que muito contribuirá para um futuro melhor para as gerações que nos sucederão.
Mas vamos examinar o acontece, na realidade, com alguns materiais separados em nossas casas, até que tornem, novamente, a ser um produto de consumo, depois de submetidos a determinados processos industriais. Tomemos inicialmente o papel e o papelão, produtos que há mais tempo são reciclados no Brasil, pelo menos desde os anos 1950, pelos conhecidos “garrafeiros” e “burros sem rabo” – aqueles que passavam pelas ruas do Rio, de casa em casa, gritando “garrafeeeero”, à cata de garrafas de vidro, jornais, revistas e livros velhos, que compravam a preços muito baixos e revendiam a intermediários, obtendo com isso um pequeno lucro.
Os papéis iam para pequenas fábricas de papel, que os aproveitavam como matéria-prima, da mesma forma como as atuais indústrias operam. O processo começa nos hidrapulpers – do inglês, hydropulpers – ou grandes liquidificadores, que batem o papel usado com água e soda cáustica até que se forme uma pasta homogênea, com as fibras do papel dissolvidas e limpas, e passíveis de serem reorganizadas e ligadas umas às outras, por meio de sucessivos caminhos e processos industriais, até serem transformadas em papel novo, pronto para ser reutilizado. Para o branqueamento do papel utilizam-se compostos de cloro ou peróxido de hidrogênio.
Para que toda esta explicação? Para sabermos que o insumo mais consumido na reciclagem de papel/papelão á a água limpa, e que se esta água, depois do processo industrial de reciclagem, não for muito bem tratada, contaminará os recursos hídricos onde é despejada. Isto sem falar dos compostos de cloro que são adicionados durante o processo, e que também podem trazer malefícios à saúde daqueles que, eventualmente, tiverem contato com os efluentes líquidos da indústria.
Gasta-se também muita energia neste processo, e tudo isto nos leva a pensar se realmente vale a pena reciclar o papel ou o papelão. Pelo que se ouve por aí, deve valer: a reciclagem de papel salva árvores, o que é desejável do ponto de vista ambiental. Acontece que as árvores que se abatem para a fabricação do papel são provenientes de empreendimentos florestais – árvores plantadas – e não de florestas nativas, como a Amazônia ou a Mata Atlântica.
Árvores que, para se desenvolverem, utilizam as forças da natureza, como a água de chuva, os nutrientes do solo e a luz solar. Assim, se examinarmos o ciclo industrial da reciclagem do papel e o compararmos com o de sua fabricação a partir de árvores plantadas, considerando-se rigorosamente os aspectos ambientais e energéticos envolvidos, veremos que a segunda opção provavelmente será mais sustentável do que a primeira.
Quanto aos plásticos, os processos industriais de reciclagem deste material são extremamente poluentes e, para reduzir ou eliminar a agressão ao meio ambiente que eles causam, é necessário fazer grandes investimentos, que nem sempre são realizados pelos pequenos e médios recicladores, uma vez que o preço da matéria-prima reciclada é relativamente baixo e mal consegue cobrir os custos de aquisição do material usado e do processo industrial.
O resultado é que a maior parte destas indústrias não tem qualquer sistema de tratamento de efluentes líquidos e oferece péssimas condições de trabalho aos seus empregados, como ruídos excessivos, condições insalubres e alto risco de acidentes.
A reciclagem do alumínio, matéria-prima das latinhas de refrigerante e cerveja, pelo menos vale a pena, não? Vamos ver: o material recuperado tem alto valor no mercado, e o Brasil é o campeão mundial neste tipo de reciclagem. No meu ponto de vista, não devemos ficar orgulhosos deste recorde.
Este é um troféu vergonhoso, pois não foi conquistado graças à consciência ambiental dos brasileiros, mas antes, por causa da miséria de grande parte da população, que disputa as latinhas vazias para vendê-las a intermediários, que as comercializarão junto às grandes indústrias de embalagens de alumínio.
O uso do alumínio para embalagens deve ser também discutido. Quando se diz que esse material pode ser reciclado infinitas vezes e que nesse processo se gasta apenas 5% da energia despendida na fabricação a partir do minério, não se menciona que o alumínio, para ser fabricado a partir do minério de bauxita, consome uma enorme quantidade de energia e gera grande volume de rejeitos.
Exatamente por isto, as indústrias que o produzem são consideradas “sujas”, e têm sido exportadas para os países em desenvolvimento. O uso do alumínio como embalagem e sua posterior reciclagem são, portanto, muito convenientes para os países que não tenham que fabricá-la a partir da extração da bauxita. Este não é o caso do Brasil, que tem grandes jazidas deste minério e fabrica o alumínio em grandes indústrias eletro-intensivas, algumas delas utilizando energia elétrica subsidiada pelo poder público.
Todas estas considerações nos levam a uma constatação: não podemos, a priori, estabelecer se a reciclagem é boa ou má para o meio ambiente ou para as pessoas, sem estudarmos cuidadosamente o ciclo de vida do material a ser reciclado. Isto permite que se avalie o consumo de energia e os eventuais impactos ao meio ambiente que ocorrem durante o processo.
Vamos exemplificar como estes aspectos podem ser variáveis de acordo com as circunstâncias em que ocorrem: a produção de uma lata de 33cl na Inglaterra, composta de alumínio fundido na Noruega, a partir da energia hidroelétrica, e posteriormente laminado na Alemanha, liberará 110g de CO2 – o equivalente a 6,5 toneladas de CO2 por tonelada de alumínio. Se a mesma lata, entretanto, for produzida na Alemanha, usando-se carvão como fonte primária de energia, haverá uma liberação de 280g de CO2, valor este que será ainda maior se o alumínio for produzido na Tchecoslováquia, usando-se carvão de pior qualidade.
Vemos, assim, que também devemos ter, em nossas iniciativas individuais, a preocupação e a consciência do “balanço ambiental”, para que não tomemos atitudes “ambientalmente corretas” mas que, sem querermos, podem trazer prejuízos ao meio ambiente.
Aqui está um exemplo interessante para ilustrar este conceito: no incentivo à prática da reciclagem, em várias cidades dos Estados Unidos e da Europa, a população é estimulada a levar os materiais recicláveis, como vidros, plásticos, papéis e papelão ou metais, aos PEV’s – Pontos de entrega Voluntária, depósitos especiais instalados em locais públicos. De lá, estes materiais são levados para outros centros de triagem ou indústrias, que irão aproveitá-los na fabricação de novos produtos.
Vamos imaginar que uma determinada residência esteja a 10 quilômetros de um desses PEV’s. Se algum morador usar o seu carro exclusivamente para levar os recicláveis até lá, poderá estar cometendo, com a melhor das intenções, um ato contra o meio ambiente, pois o combustível derivado do petróleo consumido neste deslocamento provavelmente contém mais energia do que a que se irá economizar com a reciclagem dos materiais que foram separados em sua casa.
Além disso, devemos considerar a poluição que a descarga do motor do automóvel causará à atmosfera e o consumo de matérias-primas não-renováveis, como a gasolina, a borracha dos pneus e o asfalto das estradas. Portanto, antes de decidirmos o que separarem nossas casas como materiais recicláveis, que seriam normalmente descartados em aterros, é necessário estarmos seguros de que eles podem ser reciclados, que alguém vais querer comprá-los depois de reciclados e beneficiados, e que, finalmente, este processo não envolverá o uso de mais recursos naturais do que os que supomos que irá economizar.
Há muitas cidades no Brasil em que o poder público e a sociedade têm o desejo de implantar sistemas de reciclagem. No entanto, se estas cidades estiverem a grandes distâncias dos centros industriais que processam os materiais recicláveis, tal iniciativa estará inviabilizada, pois o custo de transporte acaba sendo maior do que o valor do próprio produto transportado.
Se, no entanto, a vontade política voltada para o meio ambiente é grande, por que não reciclar a matéria orgânica, a partir da qual se pode produzir um composto orgânico de boa qualidade, que sempre terá uma aplicação útil, se não na agricultura, certamente nos parques e jardins da cidade?
Se um determinado sistema de reciclagem não traz um balanço positivo ao meio ambiente e consome mais energia do que rende, o que fazer com todos estes materiais que levam centenas de anos para se decompor? Mandá-los, com todo o resto do lixo, para um aterro? Isto não é um absurdo, do ponto de vista ambiental? Bem, primeiro devemos entender o que acontece durante o processo de decomposição destes materiais quando depositados no solo. Plásticos, vidros e metais se decompõem lentamente, e causam um impacto mínimo ao meio ambiente durante este processo, apenas ocupando espaço na natureza.
Então estes materiais que vão para os aterros sanitários, misturados com as coisas inaproveitáveis, ficarão ali pelo resto da vida, até virar pó? Sim, e isto não traz nenhum problema ao meio ambiente, desde que este aterro sanitário seja construído de acordo com todos os requisitos ambientais que as normas e a legislação exigem.
Esses locais, depois de encerradas as operações de vazamento de lixo, podem ser reflorestados e transformados em parques seguros, para usufruto da população local, com a vantagem de ainda produzirem energia durante muitos anos, por meio da utilização do biogás. Um aterro construído acima do solo, depois de encerrado, pode transformar-se em uma elevação florestada, com equipamentos esportivos, trilhas, instalações para piqueniques, enfim um local de fruição para a população, assim como qualquer morro da cidade, preservado como espaço de lazer.
Além de ser a forma de disposição final de resíduos sólidos urbanos recomendada pela Organização Mundial de Saúde para países em desenvolvimento, o aterro sanitário, adotando-se todos os requisitos que as normas e a legislação ambiental exigem, para que seja garantida a total proteção ao meio ambiente e à saúde da população, é, de longe, a solução que maior exige menor quantidade de recursos da Prefeitura para sua implantação e operação.
E se esta for a solução adotada por todos, não faltará espaço na Terra para se enterrar todo o lixo produzido pela humanidade? Vai levar muito tempo para chegarmos a este ponto, e para se ter uma idéia do pequeno espaço que os aterros ocupam, reproduzo aqui, livremente, um trecho do livro O ambientalista cético, de Bjorn Lomborg (Editora Campus, 2002).
Se todo o lixo urbano gerado nos Estados Unidos, durante todo este século que está começando, fosse colocado em um só aterro sanitário, com 30 metros de altura (Gramacho, no Rio de Janeiro, está hoje com 36 metros), a área ocupada corresponderia a apenas um quadrado de 28 quilômetros de lado, o que representa menos de 1% da superfície daquele país.
Quando se fala em reciclagem, os conceitos de energia, meio ambiente e economia estão interligados. Portanto devemos avaliar quem vai operar todo este complexo sistema, e de que forma, para que os custos não sejam altos, para que haja eficiência e para que os ganhos sejam bem aplicados e corretamente distribuídos.
Quando o poder público resolve operar diretamente o sistema, geralmente realizando a coleta seletiva, quase sempre a operação passa a custar muito para o bolso do cidadão. As prefeituras devem ficar longe da operação e usar sua competência para planejar, coordenar e fiscalizar os serviços sob sua responsabilidade.
A coleta seletiva de recicláveis custa em torno de 5 a 10 vezes mais do que a coleta convencional, e o valor do produto coletado é de 10 a 5 vezes menor do que este custo. Quem paga a diferença? Se a coleta seletiva é feita pela Prefeitura, quem paga é o cidadão, através dos impostos municipais. Isto significa que a Prefeitura gasta com a reciclagem um valor que poderia estar sendo aplicado em educação ou saúde, por exemplo.
Tudo bem, se a população tiver sido chamada a decidir sobre isso, como ocorreu na Alemanha, que gasta por ano cerca de 5 bilhões de dólares com seu sistema de reciclagem, conhecido como Ponto Verde. Em Pesquisas realizadas em 2004, a população alemã foi amplamente favorável à manutenção do sistema de reciclagem, ainda que isso pudesse representar um aumento de impostos para os cidadãos. Será que o mesmo ocorreria nas cidades brasileiras, onde há carência de quase todos os serviços urbanos, a começar pelo saneamento básico?
Diante de toda esta argumentação, podemos concluir que a reciclagem não vale a pena? Ao contrário, creio que vale, desde que se escolha a forma certa de realizá-la, buscando concentrar num mesmo programa, pelo menos os seguintes aspectos: benefícios sociais, melhoria da limpeza urbana e sustentabilidade econômica/financeira do sistema.
Como conseguir esta proeza? Não há um modelo que se possa recomendar de forma genérica; cada cidade, cada comunidade, tem suas características, e o sistema de limpeza urbana, onde se inclui a reciclagem, deve se adaptar a elas, tanto nos aspectos econômicos quanto nos sociais e culturais.
Uma coisa, entretanto, é certa: recuperar apenas os materiais recicláveis, deixando a matéria orgânica de rápida decomposição para os aterros contribui muito pouco para o meio ambiente. Em seu conceito integrado, a reciclagem deve necessariamente incluir esta fração e outras mais, côo entulhos de obras e restos de poda.
A rigor, só deveriam ser destinados aos aterros os resíduos sem qualquer possibilidade de recuperação ou aproveitamento, norma adotada hoje na Comunidade Européia, onde a escassez de áreas para aterros justifica o dispêndio de rios de dinheiro nos programas de reciclagem e nas usinas de incineração. É bom lembrar que a matéria orgânica é o que realmente traz problemas para os aterros: é ela que gera o chorume – um líquido que, se não tratado corretamente, pode contaminar os corpos d’água -, e o biogás, que possui em sua composição cerca de 50% de metano, um gás altamente prejudicial ao efeito estufa, que provoca o aquecimento global da Terra.
A matéria orgânica pode ser transformada em composto orgânico, um excelente insumo agrícola, aplicável em quase todas as culturas, que promove o recondicionamento do solo e possui todos os nutrientes necessários ao desenvolvimento das plantas. Se fizéssemos um estudo econômico para decidir sobre a implantação de um sistema de reciclagem da matéria orgânica, avaliando-se a redução que seria obtida nos custos de coleta, de transferência e de implantação e operação de aterros, talvez concluiríamos que esta é a forma mais viável de recuperação do lixo urbano.
Os custos com a coleta, transferência e disposição nos aterros seriam reduzidos à metade, pois a fração de matéria orgânica corresponde a cerca de 50% do peso do lixo urbano. Além disso, os aterros durariam 2 vezes mais e não teriam que ter nem as estações de tratamento de chorume nem os sistemas de extração e queima de biogás, o que também contribuiria para a redução drástica dos seus custos de implantação e operação.
O difícil, entretanto, como já foi dito, é conseguir uma boa adesão da população para a coleta seletiva de orgânicos, mas se houver decisão política por parte do poder público, no sentido de se elaborar campanhas permanentes para a sensibilização da população, creio que se conseguiria um certo êxito nesta empreitada, o que traria grandes benefícios ao meio ambiente.
Na maioria das cidades brasileiras e sul-americanas observa-se um aumento extraordinário da catação de produtos recicláveis nas ruas e nos aterros, fruto da crise econômica que se agravou na virada do século. Este fato é conseqüência do enorme contingente de desempregados que vagam pelas cidades, buscando sobreviver com a recuperação de recicláveis do lixo, que tem se mostrado, aí sim, uma fonte de recursos importantíssima para estas pessoas.
Os catadores tradicionais passaram então a enfrentar uma concorrência inesperada, e isto já vem causando conflitos de grupos que disputam o controle de determinadas zonas ou bairros das cidades onde esta catação ocorre. Por outro lado, algumas prefeituras, por pressão da sociedade e dos movimentos ambientalistas, passaram a implantar sistemas oficiais de coleta seletiva de recicláveis, geralmente com a parceria de cooperativas de catadores, fato que vem aumentando, ainda mais, a freqüência dos conflitos nas ruas.
Estes programas oficiais, embora bem-intencionados, não conseguem, nem de longe, absorver todo o contingente de catadores em atividade nas ruas, o que gera novos problemas, desta vez entre as pessoas não absorvidas pelo sistema oficial e a própria prefeitura.
De qualquer forma, uma coisa é certa: não será o órgão responsável pela limpeza urbana, nem mesmo a Prefeitura, que, sozinhos, resolverão a questão social do país, dando a todos aqueles que hoje sobrevivem da catação, melhores e mais seguras oportunidades de trabalho e renda.
A meu ver, as discussões sobre este tema têm gerado um tal fervor e paixão entre as pessoas envolvidas, que acabam reproduzindo, dentro da própria instituição responsável pela limpeza urbana, focos de tensão que terminam pro prejudicar o seu objetivo maior: a gestão integrada dos resíduos sólidos da cidade.
O papel da limpeza urbana no ordenamento da atividade dos catadores, na sua capacitação e na valorização do seu trabalho é fundamental, pois aumenta a sua renda e evita a catação predatória nas ruas, o que melhora as condições sanitárias da cidade. Ainda não se encontrou a fórmula ideal de reciclagem, mas a permanente discussão sobre o tema pode trazer à baila soluções criativas que devem ser experimentadas, respeitando-se sempre as características de cada cidade.
Uma destas formas, que talvez funcione, e que já está sendo testada em algumas cidades, é a contratação de cooperativas de catadores para realizar a coleta seletiva, por meio dos catadores e seus carrinhos ou mesmo com caminhões do tipo baú, mais simples e mais baratos. Este serviço seria pago pela prefeitura, num valor equivalente ao custo da coleta convencional por ela realizada. Isto é perfeitamente razoável, uma vez que este material é retirado do fluxo da limpeza urbana, que inclui a coleta, a transferência e a destinação dos resíduos.
A cooperativa passa assim a ter com o poder público uma relação profissional, com direitos e deveres definidos em contrato, o que permite estabelecer formas de trabalho mais adequadas para a cidade. Com os recursos provenientes da venda dos recicláveis e da prestação dos serviços de coleta, a cooperativa passa a ter capacidade econômica para adquirir os equipamentos básicos para seu trabalho, como prensas, elevadores de fardos e balanças, e também para alugar um galpão para armazenamento do material separado e beneficiado, caso a Prefeitura não tenha nenhum disponível, podendo assim transferir mais e melhores benefícios aos seus cooperativados.
Neste amplo espectro da atividade da reciclagem dos resíduos sólidos,não há como deixar de comentar a catação nos aterros de lixo, que ocorre ainda em muitas cidades em todo Brasil, independente do seu tamanho. No Ro de Janeiro, no aterro de Gramacho, um dos maiores da América do Sul, cerca de 1.000 catadores atuam na frente de vazamento do lixo, de onde retiram perto de 200 toneladas de materiais recicláveis por dia.
A Comlurb – Companhia de Limpeza Urbana, empresa do município, que tem a responsabilidade pela gestão de resíduos na cidade do Rio de Janeiro, nunca proibiu a catação em seus aterros, e sempre foi muito criticada por isso. Quando os visitantes se surpreendem com os catadores em Gramacho, um aterro que hoje opera dentro de todos os requisitos da engenharia sanitária, e comentam as condições insalubres a que estão expostos, retrucamos que pior do que esta insalubridade visível é a fome, e que ninguém está ali por prazer, e sim, por falta de melhores alternativas de trabalho.
Se a crise econômica e a miséria tornam inevitável a catação em aterros, o que se deve fazer é manter um cadastro atualizado dos catadores, para que possam ser acompanhados permanentemente por assistentes sociais. Deve-se também, na medida do possível, manter um certo ordenamento na frente de trabalho, de modo a reduzir os riscos de acidentes e evitar problemas nas operações de vazamento e compactação do lixo, permitindo ainda a entrada controlada de caminhões para a retirada dos recicláveis. É recomendável também a prestação de atendimento aos catadores quando há algum acidente durante seu trabalho no aterro.
Em decorrência do desemprego generalizado, a demanda para a catação nos aterros tem sido muito grande, e, no caso do Rio de Janeiro, a Comlurb, por questões de segurança e operacionais, foi forçada a limitar a quantidade de catadores em Gramacho. Isto não tem sido uma tarefa fácil, pois é enorme a quantidade de gente desempregada que, diariamente, chega ao portão de entrada e tenta participar desta atividade.
Como se vê, a reciclagem, coleta seletiva, catação, compostagem e aterros sanitários são problemas complexos e que não devem ser tratados isoladamente, e sim de forma integrada, pois são interligados operacional, social, econômica e ambientalmente e podem causar impactos importantes ao meio ambiente, à saúde da população e ao orçamento público.
Quando pretendemos, cidadãos, organizações não-governamentais ou poder público, implementar ações de reciclagem, através da coleta e reaproveitamento de materiais recicláveis e/ou da matéria orgânica de rápida decomposição, devemos levar sempre em consideração as características culturais, sociais e econômicas da nossa cidade e de nosso povo, como também as práticas do sistema de limpeza urbana já existentes. Assim, serão alcançados os maiores benefícios para o meio ambiente, com os menores custos para a população.
1 Comentário
Vejo a coleta seletiva como prova de uma consciência social, de que o meio ambiente é o nosso maior bem comum e devemos respeitá-lo, preservando-o da contaminação do lixo.
vejo também como ponto de partida para a reciclagem (uma vez que não existe reciclagem sem coleta seletiva), que além de promover economia e renda evita o desperdício – despertando a consciência social com atitude de exercícios de cidadania e consciência ambiental global.