Artigo de Heitor Scalambrini Costa — professor da Universidade Federal de Pernambuco membro da ONG Centro de Estudos e Projetos Naper Solar (Portal do Meio Ambiente, 28/04/08)
O debate energético brasileiro sofre um bloqueio praticamente impenetrável contra qualquer iniciativa a favor de fontes de energia elétrica, que não sejam geradas pelas mega-hidrelétricas. Por outro lado, não faltam ainda aqueles que consideram a opção nucleoelétrica limpa (?), por não emitir gases de efeito estufa, desconsiderando os efeitos de eventuais acidentes e do “lixo” produzido pelos reatores nucleares.
O que se constata é que o mundo inteiro está investindo em energia eólica e fotovoltaica (eletricidade solar). O mercado de energia eólica cresceu 30%, em 2007. Na China, ele triplicou. No EUA, dobrou. Na Espanha cresceu 30%, com adição de 3.500 MW à rede. Na Alemanha, cresceu 8%, representando a adição de 1.700 MW ao parque eólico, totalizando quase 22.500 MW, o maior do mundo. No Brasil não chega a 250 MW de potência instalada.
O setor de eletricidade solar cresce 45% ao ano, em média, no mundo, desde 2002. No ano passado, cresceu 50%, em relação a 2006. Significa que ele dobra de tamanho a cada dois anos. Também os investimentos em novas tecnologias para energia solar fotovoltaica crescem a ritmo acelerado. O custo da potência instalada da eletricidade solar caiu 9%, em termos reais, entre 2000 e 2006.
Sua participação no total da capacidade elétrica instalada ainda é pequena, em comparação às fontes tradicionais, mas tem uma curva exponencial de crescimento que justifica cenários futuros que projeta uma fatia expressiva no sistema elétrico mundial. Cresce, também, o tamanho das usinas de eletricidade solar, e o número de casas conectadas à rede elétrica, que, atualmente, corresponde a mais de 1,5 milhões de unidades.
Enquanto, no Brasil, se desqualifica qualquer referência ao uso da eletricidade de origem solar e eólica, no resto do mundo, esses dois setores estão entre os que mais crescem, os custos caem e as instalações se expandem.
Em qualquer ambiente do setor, público ou privado, que se fale em energia solar ou eólica, como opção para aumentar a oferta de energia elétrica, é visto com preconceito, como uma excentricidade ambientalista. Os argumentos são sempre os mesmos: não dão escala – escala é uma das palavras mágicas do paradigma elétrico dominante – são muito caras. Como se as hidrelétricas fossem baratas, e que seus reservatórios não emitissem gases de efeito estufa, e nem atingissem as populações ribeirinhas. A realidade é que elas existem em um sistema que mistura subsídios cruzados, sem nenhuma transparência e com custos não contabilizados – entre eles o ambiental.
O lobby hidrelétrico se baseia no fato que a maioria absoluta dos engenheiros e técnicos do setor é especializado em hidreletricidade e deve sua carreira profissional à indústria, que se formou, historicamente, em torno dos mega-projetos, desconsiderando as alternativas e com argumentos técnicos e econômicos, que parecem totalmente persuasivos, de que devemos continuar sendo assim para sempre. A outra força do poder hidrelétrico são as empreiteiras especializadas em grandes obras. Ambas as forças deste lobby se baseiam em uma mentalidade de grandes obras, legitimada por uma ideologia de desenvolvimento pela qual devemos fazer tudo grande, para ter um Brasil grande.
O paradigma das mega-hidrelétricas nunca foi rompido, não apenas como centro do processo de constituição da indústria elétrica no Brasil, mas como proposta para o futuro, para o médio e longo prazo. Daí os resultados pífios do PROINFA, o Programa de Incentivo de Fontes Alternativas de Energia, que é gerenciado pela Eletrobrás como um projeto marginal vis-à-vis da política energética tradicional. Apesar de suas metas modestíssimas, produção de 3.300 MW a partir de biomassa, eólica e hídrica (PCH´s), está empacado. Em cinco anos não realizou nem 40% das suas metas originais e jamais é mencionado como opção para enfrentar a crise do setor hidrelétrico.
O debate energético, monopolizado pelo lobby hidrelétrico, não admite que o modelo atual está baseado em premissas antigas e equivocadas, precisando ser substituído por um projeto energético diferente, contemporâneo dos desafios e possibilidades do século XXI, para que tenhamos segurança energética de longo prazo, que diversifique e complemente a matriz energética nacional com fontes renováveis (energia eólica, solar, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa), e que leve em conta um modelo de desenvolvimento sustentável tanto no aspecto econômico, como social e ambiental.
Estamos na contra mão da historia. As estratégias energéticas hoje estão definidas, tendo como objetivo central buscar uma matriz energética com baixas emissões de gases que causam o efeito estufa, que leve em conta a diversificação com fontes renováveis de energia e livres dessa mentalidade das grandes obras, que centralizam a geração elétrica.
É este debate que deve ser realizado pela sociedade brasileira.