O aumento no fluxo turístico ocorrido nos últimos anos no município de Itacaré, no litoral sul da Bahia, e a falta de planejamento da atividade turística têm provocado um desenvolvimento “empobrecedor”, que ameaça o ciclo turístico na região. Esse é um dos diagnósticos de uma pesquisa realizada na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), na Bahia.
O estudo, de caráter exploratório, aponta o “crescimento desordenado” como uma das conseqüências mais graves da falta de planejamento no turismo local. Os resultados foram publicados na revista de desenvolvimento local Interações.
Segundo o autor da pesquisa, Elton Silva Oliveira, do Núcleo Temático de Turismo para o Desenvolvimento Regional da Uesc, o objetivo foi identificar os impactos socioambientais e econômicos do turismo e suas repercussões no desenvolvimento local.
“Os aspectos qualitativos foram priorizados em detrimento dos quantitativos devido ao caráter social do tema. O turismo em Itacaré tem se caracterizado por ser ecologicamente predatório, economicamente concentrador, socialmente iníquo e culturalmente alienante”, disse Oliveira à Agência FAPESP.
Embora o município tenha melhorado sensivelmente seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com o pesquisador a forma como a atividade turística se estabeleceu na região gerou aumento do custo de vida, degradação ambiental, elevação dos índices de prostituição e do tráfico de drogas, especulação imobiliária, importação de mão-de-obra e ocupação desordenada.
O pesquisador ressalta que Itacaré não dispõe de uma Secretaria de Turismo nem de um Conselho de Meio Ambiente e Turismo. “Não existe um plano oficial de desenvolvimento para o setor. Todas as decisões relevantes referentes à atividade no município são tomadas em Salvador pelo governo estadual, por intermédio da Secretaria de Turismo ou pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia”, afirmou.
Segundo Oliveira, locais que deveriam ser preservados foram transformados em zonas turísticas. É o caso da praia do Resende, área adquirida por um grupo belga que será transformada em um resort. Na praia da Engenhoca, um grupo português está construindo outro resort.
“Levando-se em consideração que Itacaré está dentro do remanescente da Mata Atlântica, deveria haver investimentos em uma modalidade de turismo mais brando, como o ecoturismo, de modo a garantir a preservação do meio ambiente. Contudo, observamos o rápido crescimento do turismo de massa, que gera alto impacto sobre o ambiente, pois requer grandes e constantes fluxos de visitantes”, ressaltou.
Oliveira explica que o turismo em Itacaré é sazonal, concentrado na alta estação e em alta estação diferenciada, no mês de julho. Mas no mês de janeiro há um fluxo de mais de 120 mil visitantes, número seis vezes maior que o da população do município, que é de 18.120, de acordo com o censo de 2000.
“Isso gera um grande impacto ambiental devido ao aumento dos efluentes que são despejados diretamente e sem tratamento no mar, contaminando as praias, sobretudo as urbanas, e dos resíduos sólidos coletados e armazenados em áreas inadequadas, que se transformam em lixões a céu aberto”, disse.
Arquitetura indonésia
De acordo com o autor da pesquisa, o fluxo de turistas aumentou consideravelmente a partir de 1998, com a conclusão da Estrada Parque, um trecho de 65 quilômetros ligando Ilhéus a Itacaré. Segundo ele, o quadro tende a se agravar a partir de 2008, após a conclusão de um novo trecho de 43 quilômetros da estrada na direção norte, que ligará Itacaré a Camamu.
“A inauguração desse trecho está prevista para este mês. O fluxo de turistas poderá dobrar ou triplicar rapidamente, uma vez que permitirá que o percurso feito de carro ou de ônibus entre Salvador e Itacaré seja realizado em apenas três horas”, disse.
Como conseqüência do processo, os preços se elevam. “Os nativos vendem suas propriedades e vão morar em áreas afastadas. Também houve um aumento no custo de vida. Os alimentos ficaram mais caros e, no fim das contas, a população nativa só ficou com os postos de trabalho de baixa remuneração”, apontou.
O impacto da atividade turística não se restringe ao campo econômico e à natureza. A comunidade local e sua cultura também sofreram modificações significativas, segundo Oliveira, que destaca a baixo auto-estima na comunidade.
“As principais festas e manifestações culturais, como a Festa de Reis e o Dois de Julho [data da emancipação política da Bahia], perdem força. No entanto, o Ano Novo e o Carnaval, que são festas do calendário turístico, ganham maior destaque e importância”, disse.
Além disso, segundo o autor, os casarões construídos no período áureo do cacau estão sendo substituídos por lojas, pousadas e restaurantes com arquitetura no estilo de Bali, na Indonésia. “Isso ocorre em função da ausência de leis e políticas públicas locais, que garantam a preservação e valorização do patrimônio artístico, cultural, histórico e natural da região”, disse.
Para Oliveira, é preciso haver um controle do fluxo turístico na região. Caso isso não ocorra, segundo ele, a própria atividade turística estará ameaçada. “O turismo deve ser planejado, administrado, monitorado e empreendido de modo a evitar danos à biodiversidade e ser ambientalmente sustentável, economicamente viável e socialmente eqüitativo”, afirmou.
(Alex Sander Alcântara, Fapesp, 13/03/08)