Da coluna de Sérgio da Costa Ramos (DC, 07/02/08)
Nada foi fácil para a Ilha de Santa Catarina e sua vila-capital, ao longo de uma saga de vitórias e reveses – e de muita gente torcendo “contra”.
O primeiro “empresário” a fincar os pés na Ilha foi o bandeirante Dias Velho, que apostou no Paraíso insular, voltando suas costas para os “tropeiros”, que passavam por Lages a caminho do Rio Grande. Tinha lá o seu capital para começar uma colônia e decidiu empregá-lo aqui, cativado por tanta beleza.
Inebriou-se, conta a lenda, pelos seus ocasos sangrantes, que espalhavam cintilações sobre as duas baías e iluminavam, em mechas de vários tons, a cabeleira da serra do mar.
Em 1678, tudo o que havia era uma cruz e uma capela, marcando o centro do povoado de Nossa Senhora do Desterro. Nada seria fácil para o desenvolvimento da vida desterrense. Bucaneiros ingleses assassinaram o fundador em 1679, o que atrasou o povoado em pelo menos meio século. Foram 50 anos de indiferença da matriz portuguesa até 1738, quando razões estratégicas – a Ilha ficava exatamente no meio do caminho entre o Rio de Janeiro e o Rio da Prata – fizeram Portugal anunciar a criação da Capitania de Santa Catarina e o “mais sofisticado sistema de defesa do litoral Sul do Brasil”.
Desterro era, até então uma cidade-fantasma, onde viviam menos do que 200 almas. Foi preciso que um padre – frei Agostinho da Trindade – sentindo a falta do “rebanho”, viajasse até Lisboa com a intenção de “recrutar” fiéis.
Conseguiu, a muito custo, atrair 461 retirantes açorianos, vivendo o inferno das terras vulcânicas e chamuscantes, os longos surtos de peste e de fome. Em 1746, eles começaram a chegar, com o estímulo da Coroa. Os casais imigrantes recebiam “ajuda de custo”, ferramentas, armas, animais e terras para cultivar na Colônia. Em 1759, eles eram 4.929 novos catarinenses, espalhados pela Ilha e pelo Continente – no Ribeirão, Lagoa, Santo Antônio, Canasvieiras, São Miguel, São José, Enseada do Brito, Garopaba e Laguna.
Como sede da Capitania e da Província, a Ilha sempre foi contestada. Em meados do mesmo século 18, o governador Manuel Escudero já pretendera levar a Capital para o lado do Estreito – iniciando um processo de “interiorização”.
Mais de cem anos depois, Hercílio Luz, em seu primeiro mandato (1894), chegou a estudar o projeto de transferência da Capital para Lages, às margens do Rio Canoas. Mas foi Hercílio quem acabou consolidando a Ilha-Capital, construindo, no segundo e inacabado mandato, o maior monumento da América do Sul.
Visionário, o orçamento da ponte engolia duas vezes o do Estado, Hercílio insistiu nela, inspirado, talvez, pelas bruxas açorianas: ao invés de se mudar para o Continente, trouxe a terra firme para a Ilha. Construiu não só este “elo”, mas um símbolo. A ponte tinha o quarto maior vão livre do mundo, perdendo, à época, apenas para a Brooklyn Bridge, a Williamsburg e a Manhattan, todas sobre o East River, em Nova York.
Hercílio Luz construiu a Avenida do Saneamento, depois rebatizada com o seu nome, interligando as baías com a primeira via de duas pistas da cidade – e canalizou a água potável, inaugurando a primeira adutora de Floripa, em 1917.
Substituindo Lauro Müller, de 1918 a 1922, e reconduzido como titular até 1926, mandato que não completou – Hercílio ousou instalar a luz elétrica e até tentou um bonde à eletricidade – um “tramway” que ligaria a Capital aos seus distritos.
Faltando pouco mais de um mês para o 282º ano de aventura, paixão e lutas, a cidade só lamenta trazer em seu nome a homenagem a um algoz. Mas até isso já superou. Floripa, se pensarmos só no radical flor – vinculando-o à natureza inigualável – não deixa de ser um bom nome, comparado com os que tentaram lhe pespegar: Ondina, Redenção ou Exiliópolis.
Ufa! Deus te abençoe, Ilha amada!