Da coluna de Sérgio da Costa Ramos (DC, 29/02/08)
Pequena, ainda, mas notável. Floripa é aquela cidade ao mesmo provinciana e cosmopolita, sofrendo das mazelas das grandes metrópoles, mas oferecendo aos seus moradores a compensação das praias mais belas do planeta, dos ocasos que recortam as montanhas, da inigualável beleza que se desprende do seu perfil de Ilha-Mulher.
O verão tem sons e cheiros inesquecíveis. O jogral das cigarras zunindo de manhã cedo, ou ao cair da tarde, fornece o prefixo musical da estação, produzindo aquele chirriar insólito, de quem canta estraçalhando cristais.
A fragrância estival que se descola das árvores é um sublime produto ainda não avaliado pelas leis do mercado, mas, é, sem dúvida, um “ativo”, uma “ação” poderosa na bolsa da felicidade. Dizem até que abre nas pessoas o apetite para o amor – ou aquilo que é freudianamente chamado de “libido”.
O astral se eleva, a gente se sente um pouco imortal, e até desculpa os muitos “incômodos” desta República.
a) O aumento dos impostos.
b) Vereadores “se” presenteando com o 13º salário.
c) A mandriice do Congresso.
d) Mais uma CPI inócua.
e) A tapioca do Ministro.
Mas com essa natureza de luxo, com todos os seus instrumentos afinados na apoteose do verão, não há tristeza que se agüente.
A “vantagem” de Floripa é essa. Apesar dos “labirintos” do trânsito, da ausência de um planejamento urbano consolidado num Plano Diretor, da preguiça e até da indiferença dos administradores públicos, a Ilha resplandece pela obra do Criador.
Com todas as suas luzes de Meca do consumo, Nova York e sua Quinta Avenida ficam ofuscadas pelas jóias da nossa tropical coroa. O Primeiro Mundo é aqui, nesta imensa “Arca de Noé” construída sob a forma de um grande bloco de argila e granito, 10 léguas de comprimento por três de largura, 42 praias de areia fina e vegetação luxuriante , dunas insuportavelmente sensuais e um sol quase tão obsceno quanto um “clipe” da Madonna.
Verdade que a Ilha de Santa Catarina já foi mais atraente no seu bucolismo anos 1950, que este mesmo sol iluminou. Havia trapiches nas baías e, em qualquer outro lugar do Mundo, Floripa seria um movimentado e feérico porto. Era só dragar o canal de Y-Jurerê-Mirim, mais conhecido como Estreito. E a Ilha do Carvão? – lembram-se? Era uma pequena “bijou” no pescoço da Baía Sul, enquanto o Miramar oferecia seus degraus ao limo dos tempos e à boêmia dos seresteiros.
E por que será que, insensível, o “já-teve-ilhéu” acabou com as românticas charretes de aluguel? – aquelas com estribo, degrau à ré para o “palafreneiro” e um lampião a óleo ao lado da boléia? Chamavam-se, de um jeito muito Mané, de “carrinhos de cavalo”. Teria sido por um ataque precoce da tal “modernidade”?
Era uma “carruagem” puxada por alguma parelha de baios, a tolda protegendo a “alcova” dos passageiros, abrigados da chuva e da curiosidade alheia. Os tais “carrinhos” ainda existem em cidades “demodées” como Viena, Nova York, Paris, Berlim, Roma ou Mônaco, onde ainda se prestam para subir uma ladeira em Montmartre, circunavegar o Central Park ou o Coliseu – ou, quem sabe, trotar mansamente num passeio pelos bosques de Viena, ao som de uma valsa de Johann Strauss, o Velho. Talvez a valsa “Rosa do Sul” (Floripa?), prima-irmã do “Danúbio Azul”…
Nos anos dourados de Floripa, aliás, os segredos do amor eram então desvendados no Baixo Zé Mendes, endereço da Casa da Zuleika.
E o Avaí reinava no Pasto do Bode, sob os garapuvus da Rua Bocaiúva, com direito à “preliminar” de dominó no Bar Topázio – ao invés de engarrafamentos na Costeira.
Faço coro com o curiós da época. Bela e amável Floripa, pequena notável.