Tão logo foram liberadas as licenças para as obras do residencial Costão Golf, iniciou-se no Norte da Ilha a disseminação da falácia de que a implantação do projeto fatalmente contaminaria o aqüífero de Ingleses de forma irreversível. As opções eram água ou golfe.
Com golfe, quem não morresse de sede, morreria de câncer gástrico, especialmente as criancinhas. As ações alimentaram sentimentos de hostilidade contra o empreendimento e produziram uma falsa imagem de clamor de opinião pública contra ele. Olhando para trás, é possível delinear com razoável clareza o curso dos acontecimentos.
Em 2004, a dissertação de mestrado de Eliane de Fátima do Amaral Westarb, no Departamento de Geociências da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, tem como tema o Aqüífero e “revela a fragilidade do manancial subterrâneo que abastece os balneários do Norte da Capital”.
A edição 22 da Revista Motrivivência, editada pelo Centro de Desportos da UFSC, publica artigo de 18 páginas intitulado “A prática do golfe, riscos ambientais e retorno social no Norte da Ilha de Santa Catarina”. Os autores são a mestranda Eliane Westarb, Cristina Cardoso Nunes (que foi assessora de Ideli Salvatti, candidata a vereadora pelo PT em 2000, e é a atual secretária da UFECO), e Marcos Francisco da Silva (professor em uma escola municipal do Norte da Ilha, candidato a vereador em 1996 pelo PSTU, atual conselheiro do Sintrasen – Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis, ligado à CUT).
Já no resumo de apresentação do artigo os autores asseguram a existência de “dados técnicos com indícios claros de risco de contaminação e o parco retorno social do empreendimento para a comunidade local, restando a perseverança do movimento popular, como única esperança para reversão do processo”.
“Pareceres preventivos para impacto ambiental” emitidos por Cristina, Eliane e por Luiz Fernando Scheibe (pesquisador também ligado à UFSC) são multiplicados na mídia, inclusive em nível nacional, atestando “que a situação emergente de um campo de golfe em cima do Aqüífero dos Ingleses é de alto risco para a saúde da população local”.
No disputadíssimo site do Observatório da Imprensa, de Alberto Dines, por exemplo, persiste até hoje a informação de que “o câncer gástrico está sendo apontado, a partir de estudos geológicos, geográficos e químicos” (Scheibe é geólogo, Westarb é geógrafa, e Cristina é engenheira química), “como a doença que vai atingir em massa a população do Santinho, bairro de Florianópolis, num prazo estimado de dois anos e meio após o início das fertilizações (no campo de golfe). O motivo seria a exposição da população à água contaminada proveniente do Aqüífero dos Ingleses, que passa embaixo do campo e abastece 130 mil pessoas no Norte da Ilha”.
Manchete
Em fevereiro de 2005, sob a manchete “Campo de golfe vira polêmica”, o Diário Catarinense noticiou que “entidades comunitárias” estavam produzindo no Centro da cidade “um abaixo-assinado que pretendem entregar à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ibama, Fatma, prefeitura de Florianópolis, Ministério Público e outras entidades do gênero, para que “tentem impedir a construção” do empreendimento” no Norte da Ilha.
Eliane Westarb e Cristina Nunes dão declarações ao repórter garantindo que o “Aqüífero será contaminado”. O jornal do SINTUFSC – Sindicato dos Trabalhadores da Univesidade, publica extensa matéria intitulada “A indiscreta negociata da burguesia”, na qual Westarb explica que “estamos fazendo essa mobilização para mostrar a importância desse aqüífero, porque como é possível falar em geração de empregos se a água para o abastecimento for contaminada?”
A ação civil pública do MPF deu entrada em abril e uma liminar de embargo das obras foi decretada em junho de 2005.
Construindo informação
Em julho, um projeto de Eliane Westarb passou a percorrer as escolas do Norte da Ilha. Intitulado Água Nossa de Cada Dia – Aquífero de Ingleses e Rio Vermelho, o projeto atingiu diretamente um público de 6.400 alunos, mais a replicação dentro dos lares.
Objetivos do projeto: “Construir informações”, “motivar a mobilização e a participação da comunidade”, “propiciar a formação de líderes e estimular o exercício da cidadania, gerando um processo de mobilização social e participação ativa dos moradores para a resolução desses problemas”. O projeto foi exposto no Espaço Cultural da Biblioteca da UFSC, disponível também pelo site da instituição.
O laudo da FEESC – UFSC
“Diante das dúvidas suscitadas no processo judicial, vimos por meio deste documento, mais uma vez, informar de forma objetiva, didática e conclusiva sobre as questões que envolvem o alegado “risco de contaminação do aqüífero” dos Ingleses/Santinho, tendo em vista a implantação do Condomínio Costão Golf.”
É assim, que se expressam Darci Trebien e Marcel Stadnik na introdução de documento de 29 de setembro de 2005 incluído nos autos da ação civil pública, um tanto impacientes com a polêmica, gerada e alimentada dentro da própria UFSC.
Trebien é Doutor em Ciências do Solo e Stadnik é Doutor em Fitopatologia. Ambos são consultores da FEESC – Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina, e professores do Departamento de Engenharia Rural e do Laboratório de Fitopatologia do Centro de Ciências Agrárias da UFSC. O objetivo do documento é esclarecer “em definitivo” o significado do tal “risco de contaminação”. Seria apenas a primeira de três tentativas de reverter o quadro de desinformação que dominava a cena, neutralizando em juízo o estrago feito sobre a opinião pública.
“No entendimento popular, a contaminação do aqüífero significa que de forma irreversível não poderemos mais utilizar a água dele oriundo para consumo humano”, diz o documento. Mas “quando aplicamos um bom manejo do campo de golfe, podemos afirmar que o risco de “contaminação” fica próximo de zero”, garantiram os doutores, para concluir, ao final de três laudas de minúcias técnico-científicas:
“Levando em consideração o acima exposto, podemos afirmar que, tomados os cuidados recomendados pela técnica e pela ciência no manejo do gramado, com adequado e profissional monitoramento, o uso de fertilizantes e pesticidas no campo de golfe em questão, conforme previsto no item IV da Licença Ambiental de Instalação, não colocará em risco o aqüífero de Ingleses/Santinho”.
A avaliação da Hidroplan – SP
A conclusão dos doutores da UFSC não foi considerada suficiente, sendo definida a contratação, para nova avaliação dos riscos, de uma das mais conceituadas empresas do país na área: a Hidroplan – Hidrogeologia e Planejamento Ambiental S/C Ltda., de São Paulo.
Cumprindo especificações de reunião realizada no dia 9 de dezembro de 2005, com a presença dos “técnicos do empreendimento e os representantes do MP e dos demais órgãos ambientais”, a Hidroplan mobilizou oito profissionais autônomos, a empresa Caruso Júnior Estudos Ambientais Ltda., e os laboratórios da UFSC e da CASAN, num estudo que demandou dois meses. No sumário de dez páginas anexado aos autos do processo, a conclusão é clara:
“A partir dos resultados obtidos nesta avaliação dos riscos toxicológicos conclui-se que a utilização de fertilizantes e pesticidas em quantidades máximas previstas pelos técnicos do Costão Golf não oferece risco à saúde dos Liolaemus occipitalis e, conseqüentemente, não há risco de contaminação para o aqüífero.”
O laudo de avaliação do CEPAS – USP
A conclusão da Hidroplan também não satisfez as partes contrárias ao Costão Golf, e o Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas – CEPAS, do Instituto de Geociências da USP – Universidade de São Paulo foi convocado a produzir um laudo de avaliação do trabalho da Hidroplan. Um voto de minerva.
O documento fornecido pelo CEPAS, datado de 31 de agosto de 2006, assinado por seu diretor, Prof. Dr. Urial Duarte, intitula-se Considerações sobre o “Laudo técnico de análise da carga poluente e avaliação dos riscos toxicológicos em área do empreendimento Condomínio Residencial Costão Golf, em Florianópolis – SC”.
Já na abertura do sumário a USP fornece um atestado de que a metodologia adotada no estudo da Hidroplan é “amplamente segura e adequada” para permitir “a tomada de decisão de forma científica”, e que “o laudo técnico em análise apresenta um estudo técnico de alto nível, concentrando-se nos aspectos principais em hidrogeologia de contaminação”.
Nas oito páginas do sumário a USP descreve o trabalho de dissecação da Hidroplan sobre pontos como o meio físico, características do empreendimento, caracterização geológica e hidrogeológica, análises químicas da água subterrânea, potencial contaminador da fertilização no campo de golfe, modelagem matemática de fluxo e transporte de contaminantes e avaliação do risco toxicológico.
A conclusão da USP sobre o estudo da Hidroplan é que “em todas as etapas, ficou claro o estado da arte”. E sobre os riscos de contaminação:
“Independentemente das respostas negativas em relação ao potencial poluidor do empreendimento, a adoção de um programa de gerenciamento da área já atenderia as necessidades advindas de uma eventual carga contaminante, em função da sua reversibilidade através de medidas corretivas, como interrupção da utilização e barreira hidráulica (com condição de condução da água bombeada a sistemas de tratamento e reutilização).
Assim, julgamos que a adoção de um plano de monitoramento para a área atende perfeitamente os quesitos ambientais que possam surgir, principalmente pelo motivo que os inseticidas e herbicidas terão um caráter curativo, devendo somente ser aplicados na incidência de pragas, como salientado no laudo técnico”.
(Ilha Capital, Janeiro de 2008)
1 Comentário
É impressionante a manipulção de informarmações não verdadeiras e, que, de repente, como em um passe de mágica tornam-se reais.
A Nova Zelândia é um país voltado totalmente à preservação do meio ambiente, pois vivem da indústria do Turismo. O índice de desenvolvimento social do país é um dos mais altos do mundo. A consciência da população, empresários e do governo nas questões ambientais está à frente de muitos países. Portanto, se os campos de golfe espalhados nas cidades – em número semelhante aos nossos de futebol de várzea – se constituissen em problema de impacto ambiental, com consequente contaminação das águas do sub-solo, com certeza lá não estariam.Quem polui o que quer que seja por lá, além das pesadíssimas multas vai parar na cadeia.