A agenda está pronta: A conferência do clima da ONU mostrou quais são os sete pontos cruciais na luta contra o aquecimento do planeta. Eles vão guiar as discussões até 2009
O sol de Bali, um dos mais famosos balneários do mundo, deve ter contribuído para aumentar o drama da conferência de mudanças climáticas da ONU (apelidada de COP). Durante as últimas duas semanas o evento ocupou uma dezena de resorts gigantes em uma espécie de ilha da fantasia que é o vilarejo de Nusa Dua. O encontro, para debater e negociar as bases de um acordo internacional para combater o aquecimento global, reuniu cerca de 11 mil pessoas, com representantes de 189 países, entre diplomatas, técnicos, empresários, observadores de ONGs e jornalistas. Nos três últimos dias da COP, os ministros do meio ambiente de 144 países chegaram para assinar o documento final – e sentir o calor do aquecimento global.
“Estou me sentindo em casa”, disse a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, natural do Acre, em tom de brincadeira. “É só abrir a porta e vem aquele bafo quente.” As temperaturas acima de 30 graus e a umidade do ar na faixa dos 70% levaram a organização da COP a liberar os participantes do paletó e da gravata. Segundo John Hay, porta-voz da convenção, a medida foi tomada para economizar energia no ar-condicionado e dar uma idéia de como devemos nos adaptar a um mundo mais quente. “Também observamos que, em trajes informais, os negociadores ficam mais relaxados e o processo flui melhor”, disse. Nem tanto. No último dia de reuniões, a delegação americana fincou pé em não estabelecer metas de redução de emissões de gases que provocam o efeito estufa. O documento final, que deveria ter sido assinado na sexta-feira, foi adiado. (Até o fechamento desta edição – 14/12/2007, ele não havia sido votado.)
As discussões em torno do documento final da COP encobrem seu verdadeiro significado. A COP não é um ponto de chegada. Ela marca o início das negociações que levarão a um novo acordo internacional, provavelmente em 2009, em Copenhague, na Dinamarca, para limitar as emissões poluentes responsáveis pelo aquecimento global. Ao final desse processo, haverá um documento para substituir o Protocolo de Kyoto, que, em 1997, estabeleceu metas para os países desenvolvidos. Essas negociações são cruciais porque combater as mudanças climáticas tem um preço econômico e político. Segundo um relatório da ONU, usado como referência em Bali, o esforço mundial custaria cerca de US$ 200 bilhões até 2030. A importância da COP está nas centenas de reuniões a portas fechadas ocorridas em Bali, envolvendo organizações não-governamentais, grupos empresariais e políticos. Esses encontros ditaram os parâmetros para as negociações dos próximos anos. Eis os principais pontos da agenda do futuro:
1. A meta é não esquentar mais que 2 graus Celsius
“As projeções sombrias feitas pelo IPCC (painel internacional de cientistas que estudam o clima) neste ano significam que a hora para agir é agora”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, o coreano Ban Ki-Moon. Durante a COP, a Organização Meteorológica Mundial anunciou que a última década foi a mais quente dos últimos mil anos. Segundo o IPCC, se a temperatura média global subir mais que 2 graus Celsius, a humanidade enfrentará catástrofes sem precedentes. Mais de 3 bilhões de pessoas sofrerão com a falta de água e, portanto, com a fome. Furacões e enchentes serão mais freqüentes e intensos. O derretimento da calota de gelo no Ártico pode fazer o nível dos mares subir, ameaçando cidades litorâneas e a infra-estrutura portuária.
2. Os países ricos debaterão cortes para chegar a emissões entre 75% e 80% dos níveis que tinham em 1990
Essa faixa, a ser atingida em 2020, é bem mais rígida que a do Protocolo de Kyoto (redução de 5%). Esse será o ponto mais polêmico das próximas negociações. Os ambientalistas pressionam por uma meta de até 40% de corte. A faixa dos 20% é favorecida pela União Européia (UE). “Essas reduções são suficientes para manter a temperatura em uma faixa aceitável”, disse o grego Stavros Dimas, comissário da UE para ambiente e principal negociador do bloco em Bali. Para cumprir essas metas, os países desenvolvidos deverão passar por uma revolução na forma como geram energia, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). “Isso é possível”, diz o japonês Nobuo Tanaka, diretor da IEA. Ele calcula que os países desenvolvidos terão de construir, até 2030, 30 usinas nucleares, além de usinas hidrelétricas que alcancem uma potência equivalente a duas Itaipus.
3. Haverá metas para os países em desenvolvimento
Há uma pressão dos países desenvolvidos para que as nações emergentes também cortem suas emissões, embora em um prazo diferente. A proposta mais forte é que países como o Brasil, a China e a Índia assumam cortes a partir de 2020.
4. Um efeito colateral: barreiras comerciais
Na semana anterior à COP, os hotéis de Nusa Dua hospedaram uma rodada informal da Organização Mundial do Comércio (OMC), com ministros do comércio s de 32 países – inclusive o ministro brasileiro Celso Amorim, das Relações Exteriores. Lá, ministros europeus comentaram que cortar emissões tornaria seus produtos mais caros. “A Europa pode decidir taxar o aço de qualquer país que não esteja sujeito a metas de emissão, justificando que a liberdade para produzir com energia suja é uma forma de subsídio”, diz Ernesto Cavasin, da consultoria PricewaterhouseCoopers, que acompanhava as negociações. Segundo ele, a OMC aceitaria essas barreiras.
5. A conservação das florestas pode render compensações
Cerca de 20% das emissões globais de gás carbônico vêm do desmatamento. Além disso, recuperar florestas é uma forma barata de capturar carbono da atmosfera. (Para crescer, as árvores usam fotossíntese, que transforma o gás carbônico do ar em madeira.) Daí vem a idéia de que países com muita floresta recebam incentivos financeiros. O documento de Bali abre o caminho para criar mecanismos de comércio de carbono. Eles permitiriam que os países desenvolvidos atingissem suas metas comprando créditos das nações tropicais que reduzem seu desmatamento, como o Brasil. Já surgiram em Bali algumas propostas de fundos. Uma das referências é o fundo lançado pelo Brasil, que entrará em vigor em fevereiro, operado pelo BNDES. Pela proposta brasileira, o país ganha dinheiro se provar que conseguiu reduzir o desmatamento. Segundo Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, três bancos já se interessaram em entrar com recursos. O ministro da Noruega, Erik Solheim, afirmou que seu país participará do fundo. O governo quer captar até US$ 1 bilhão por ano dessa forma, o que tornaria o fundo brasileiro o maior do gênero e ditaria o funcionamento do mercado.
6. Pode ser criado um fundo para ajudar os países pobres a enfrentar as conseqüências do aquecimento
O Fundo de Adaptação das Mudanças Climáticas beneficiaria só os pobres (emergentes, como o Brasil, estariam fora). Sua justificativa é a estimativa da ONU de gastos de dezenas de bilhões de dólares para conter a elevação dos níveis dos mares, pesquisar plantas que se adaptem aos novos regimes de chuvas e preparar as cidades para intempéries recordes.
7. Como fazer os Estados Unidos assumir alguma obrigação
Essa vai ser a principal questão dos próximos dois anos. Em Bali, a delegação americana levou 300 consultores, entre técnicos e advogados. Seu objetivo é se desviar de qualquer compromisso com reduções nas emissões. “Estamos gastando mais que qualquer outro país para desenvolver tecnologias limpas, como veículos e usinas a carvão com menores emissões”, disse Jim Connaughton, diretor do conselho de qualidade ambiental da Casa Branca. Segundo ele, os EUA gastaram US$ 37 bilhões desde 2001 em pesquisas.
Os EUA sugerem que os 15 países com maiores emissões se comprometam a incentivar tecnologias limpas e criar um sistema para, a cada cinco anos, avaliar se reduziram as emissões. Sem metas. Essa é a idéia defendida pelo economista dinamarquês Bjorn Lomborg, que defende um compromisso de gastar 0,05% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial com pesquisa e desenvolvimento de tecnologias que reduzam a emissão de carbono, como biocombustíveis, células solares, reatores nucleares e equipamentos para enterrar a poluição do carvão. Segundo Lomborg, essa abordagem custaria cerca de US$ 25 bilhões por ano, um sétimo do Protocolo de Kyoto. Seu ponto fraco é repousar em medidas voluntárias.
A grande estrela em Bali foi o ex-vice-presidente americano Al Gore. Seguranças da ONU tiveram de isolar o auditório onde ele discursou porque havia briga para entrar. Sua fala foi transmitida por várias TVs na área da conferência. Foi a única vez que os participantes da COP pararam para olhar aquelas telas. Gore pediu um voto de confiança na renovação política dos EUA após as eleições presidenciais no ano que vem. “Para aqueles que ouviram que o problema ia afetar nossos netos, e não fizeram nada, agora as mudanças climáticas estão atingindo a nossa geração. Precisamos agir rápido.” Gore encerrou o discurso com a expressão que já virou um bordão: “Vontade política é um recurso renovável”.
O ambiente político nos EUA é favorável a ações mais concretas, disse Ana Cohen, do comitê de energia e aquecimento global do Senado. Vinte e quatro Estados americanos já adotaram metas obrigatórias para redução nas emissões. Mais de 725 cidades assinaram um acordo de prefeitos para cortar o gás carbônico em 7% dos níveis de 1990 até 2012. Apesar disso, Ana diz duvidar que o país aceite cortes nas emissões no futuro Protocolo de Compenhague, em 2012. Qualquer que seja o presidente. Por isso, os próximos dois anos prometem discussões acaloradas.
(Alexandre Mansur, de Bali, Revista Época, 14/12/2007)
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