O modelo de microcrédito produtivo, voltado para fomentar o empreendedorismo em regiões pobres, pode funcionar em qualquer região do planeta.
– Se o microcrédito dá errado em algum lugar, a falha não é dos pobres, mas das pessoas que administram esse crédito.
As palavras são do maior especialista no assunto, o ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, Muhammad Yunus, criador do Grameen Bank, de Bangladesh.
E a instituição, criada há 31 anos com um capital de US$ 27 – concedidos a 42 pessoas – hoje ostenta números impressionantes. Já emprestou cerca de US$ 7 bilhões a 7,5 milhões de pessoas, 95% mulheres, que são também acionistas do Grameen Bank.
Isso porque, para cada empréstimo realizado _ em média, de US$ 30 _, ele sugeria ao tomador que comprasse uma ação do banco pelo valor de US$ 1,50.
Assim, chegou a um faturamento anual de US$ 500 milhões e 2,5 mil filiais em toda Bangladeh, desdobrando o Grameen em outra unidade de negócios, a Grameen Company, que presta serviços de energia e saneamento.
Encontro histórico
A tarde de encerramento da Eco Power Conference proporcionou um encontro histórico. Foi lá que os dois últimos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz se encontraram pela primeira vez. Com as conferências de dois exemplos de ação diante de problemas que parecem insolúveis, Muhammad Yunus, vencedor em 2006, e Mohan Munasinghe, atual detentor do título, o evento terminou em clima otimista e de esperança.
Depois de receber mais de 1,4 mil pessoas em palestras de 130 profissionais de nove países, a conferência, apesar de chamar a atenção para a necessidade de uma transformação imediata, encerrou deixando no ar a idéia de que uma sociedade mais sustentável e justa é possível, mesmo diante de tantos desafios.
A tarde de encerramento do evento, que reuniu centenas de pessoas no auditório principal do local, começou com a palestra de Munasinghe. O vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) defendeu a necessidade de atacar os problemas mundiais – pobreza, fome, clima – de forma conjunta.
– Os líderes do mundo olham para os problemas isolados: pobreza, poluição, fome. Os políticos tentam solucionar essas questões isoladamente. Essa abordagem convencional não resolve os problemas. Para cada realidade a palavra sustentável tem um significado e deve ser tratada de uma maneira – declarou Munasinghe.
Dada a largada para a edição de 2008
Em seguida, foi a vez do bengalês Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006 e fundador do Grameen Bank, instituição de microcrédito de Bangladesh cuja idéia já foi exportada para mais de 40 países. Mas, afinal, qual a fórmula para faturar o Nobel?
– Fazer o contrário dos bancos tradicionais. Se eles vão para os ricos, nós vamos para os pobres, se eles atendem as cidades, nos atendemos os subúrbios e vilas, se eles exigem garantias, nós dispensamos. Além do mais, os bancos tradicionais são regidos por homens ricos, o Grameen é administrado por mulheres pobres – disse, arrancando, por duas vezes, aplausos da platéia.
Em seguida, foi a vez do diretor do Banco Real, Fabio Barbosa, reforçar os benefícios do microcrédito citados por Yunus, seguido dos discurso breves dos senadores Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque, que já haviam conhecido, em Bangladesh, a experiência do Grameen Bank.
Por fim, integrantes do Governo do Estado e da organização do evento entregaram a máxima honraria de Santa Catarina, a medalha de mérito Anita Garibaldi, que distingue pessoas que realizaram feitos, a Yunus e Munasinghe. Por volta das 17h, o governador Luiz Henrique da Silveira subiu ao palco para encerrar oficialmente a conferência e agradecer os participantes.
A realização da edição de 2008 do evento já está prometida.
– Missão cumprida. Agora queremos tornar a Eco Power uma marca de Santa Catarina – declarou Ricardo Bornhausen, diretor do evento que deve ter a segunda edição realizada em novembro do ano que vem.
Frases
Sérgio Marques, diretor-presidente da Bioenergy Geradora de Energia Ltda.
“Nenhum país tem uma matriz energética única”
Antônio Diomário de Queiroz, presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica de SC (Fapesc)
“É preciso ter condições de financiamento para que a capacidade que temos seja, de fato, utilizada para o desenvolvimento dos sistemas de inovação que envolvam governo e empresários”
Carlos Eduardo Cavalcanti, chefe do Departamento de Biocombustíveis do BNDES
“Um país que dispõe, em sua matriz, de 45% de energia renovável, como o Brasil, é privilegiado. No mundo, esse percentual é de 14%”
Neri dos Santos, PHD em Ergonomia e professor da UFSC
“Muitas iniciativas empreendedoras não se realizam por causa das barreiras burocráticas”
Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz de 2006
“Os pobres são como aquelas árvores bonsai, com potencial para crescer tanto quanto as demais, mas sob bases muito limitantes”
Cristovam Buarque, senador (PDT/DF)
“O Yunus é o nosso guru”
Ricardo Bornhausen, diretor da Eco Power
“Missão cumprida. Agora queremos tornar a Eco Power uma marca de Santa Catarina.”
SC ingressa no crédito de carbono
Entre as duas principais conferências da Eco Power Conference, realizadas na tarde de ontem, o Estado de Santa Catarina deu o primeiro passo para atingir um plano ousado: tornar-se, no futuro, sede de uma bolsa sul-americana de créditos de carbono.
O início ratificado no evento foi a adesão do Estado ao Chicago Climate Exchange (CCX), a bolsa do clima que tem como moeda os créditos de carbono, com sede em Chicago, nos Estados Unidos. Santa Catarina é o primeiro Estado do Hemisfério Sul a aderir a esta modalidade.
O governador Luiz Henrique Silveira junto ao secretário de Relações Internacionais, Vinicius Lummertz, e de Paul Maggio, acionista do banco francês Calyon e representante da CCX na Eco Power, assinou o documento de adesão que teve como testemunha, Mohan Munasinghe, Prêmio Nobel da Paz de 2007, e um dos conferencistas do evento.
Conforme Lummertz, a próxima etapa é estabelecer metas.
– Agora a Fundação do Meio Ambiente (Fatma) ficará responsável por fazer a média história de nossas emissões da carbono. Do resultado, devemos estabelecer a diminuição de 6% até 2010 ou 2012. Esse crédito pode ser adquirido por outro país, estado ou empresa e gerar lucro aqui – comenta o secretário.
Outra ação possível é proteger as reservas ambientais do Estado – cerca de 1% de território de SCa – com a ajuda da bolsa, na qual florestas significam mais crédito.
– Mais de um terço da Mata Atlântida remanescente no Brasil está no território de SC.
Burocracia é o maior entrave
De nada adianta realizar inúmeras discussões sobre o tema sustentabilidade se os projetos inovadores na geração de energia renovável esbarrarem na tão discutida burocracia brasileira.
Por causa dessas barreiras, muitas empresas deixam de entrar em processos de licitação para comercializar a energia excedente de suas produções. Mais de 80 projetos correm o risco de ficar engavetados por causa dos entraves na hora das licitações.
O assunto foi a polêmica que envolveu o painel sobre energias renováveis e as fontes de financiamento realizado na manhã de ontem, último dia da Eco Power Conference. Conforme o chefe do Departamento de Biocombustíveis do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Eduardo Cavalcanti, existem mais de 80 projetos que podem gerar excedente de energia, mas a dificuldade em apresentar as licenças de co-energia pode desestimular os empresários.
O PhD em Ergonomia e professor da UFSC, Neri dos Santos, que também participava do painel, destacou que há muitas iniciativas empreendedoras na área de ciência, tecnologia e inovação, mas que não se realizam por causa das barreiras burocráticas. Além da questão política, o incentivo para que a iniciativa privada promova ações inovadoras também foi questionado. Neri dos Santos relatou, por exemplo, que em países desenvolvidos 50% desses projetos são públicos e 50% empresariais, enquanto no Brasil essa proporção é de apenas 30% para a iniciativa privada.
Aumento de recursos facilitam as pesquisas
– Nós temos um potencial muito grande, mas ainda não utilizamos toda essa capacidade – observou.
O objetivo, disse, é que, até 2010, 1,5% dos investimentos sejam em inovação. Em alguns países europeus essa média chega a 3%. Mesmo com o atraso do país em relação a outras regiões, afirmou Neri dos Santos, a partir de 2006 houve um aumento substancial de recursos para a Pesquisa e Desenvolvimento.
Para seu filho ler
Os créditos de carbono são como uma moeda. Imagine o seguinte: as empresas que poluem mais a natureza, ou seja, soltam fumaça e jogam restos de lixo nos rios, têm que repassar este “dinheiro” para aquelas que não fazem mal ao meio ambiente.
Trata-se de algo novo, que existe há pouco tempo no mundo e também no Brasil. Foi a forma que se encontrou de tentar reduzir a destruição da natureza, já que as empresas que poluem vão tentar mudar, para não ter que gastar seu dinheiro.
Força limpa
Casa eficiente
– A Eletrosul aproveitou a conferência para apresentar a casa eficiente, uma iniciativa da estatal em parceria com a Eletrobrás e a UFSC. A edificação tem 206 metros quadrados e foi construída em seis meses. Além das soluções relacionadas ao uso sustentável da água e da energia, foram utilizados materiais ecologicamente corretos.
Yes, nós temos mamão, abacaxi e também banana
– As frutas brasileiras, como sempre, fizeram sucesso entre os estrangeiros. Os palestrantes que utilizaram a sala de imprensa para as coletivas aproveitaram a área do café para experimentar o mamão e o abacaxi.
Floripa
– Tem muita gente que aproveitou a vinda a Florianópolis para conhecer as belezas da Ilha. Vão esticar um pouco mais, já que o evento terminou em uma sexta-feira e ainda há todo o final de semana ainda pela frente.
Bolsa salvadora
– Com a quantidade de papéis que foi preciso carregar nesses três dias, para saber onde seriam realizadas as conferências, horários e palestrantes, uma bolsa distribuída por um dos patrocinadores fez sucesso na Eco Power. Para os ecologicamente corretos, ela servirá para as próximas idas ao supermercado, já que é confeccionada com material que não agride o meio ambiente.
Comer, comer
– Comeu-se muito durante a Eco Power. Além dos almoços e jantares, havia coffe-breaks por todas as partes.
Fardas na platéia
– As fardas que desfilavam pelas conferências e painéis do eventos eram dos integrantes da Polícia Ambiental do Estado de Santa Catarina. Seis integrantes dos pelotões assistiram às palestras que, conforme o Capitão Gesser, um dos responsáveis pela fiscalização do Parque da Serra do Tabuleiro, serão repassadas e aplicadas no dia-a-dia da instituição.
Senador em tempo integral
– Eduardo Suplicy, muito simpático e atencioso, não deixou de atender a imprensa nem durante as conferências. Quem cruzava o saguão entre os auditórios flagrava o senador atendendo a imprensa pelo celular. O assunto? Sempre o colega Renan Calheiros. Ainda.
Celebridade bengalesa
– Muhammad Yunus, o primeiro bengalês a faturar o Nobel da Paz, mais conhecido como o banqueiro dos pobres, foi sem dúvida a estrela do evento. Sempre seguido por participantes, tirou muitos fotos e precisou da ajuda de um segurança para sair do local da conferência. A dor de garganta e a tosse, que de tempos em tempos o faziam interromper a palestra, não tiraram o bom humor de Yunus, que, na coletiva de imprensa, respondeu pacientemente perguntas muitas vezes repetitivas dos jornalistas.
Champanha sustentável
– Enquanto o clima durante boa parte dos três dias de evento foi de correria para tentar acompanhar as inúmeras palestras que aconteciam simultaneamente, no final da tarde de ontem, o astral mudou no evento. O final da conferência que reuniu Muhammad Yunus, Nobel da Paz de 2006, e os senadores Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque, foi o toque de recolher para os participantes, que somavam, a essa altura, pelo menos 600 pessoas. Por volta das 17h, todos se encontraram no saguão para o coquetel de encerramento, que oferecia generosas doses de champanha e disputadas mesas de frios.
(Graziele Dal-bó e Laura Coutinho, DC, 01/12/2007)
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