Entrevista: Ariane Laurenti, doutora em química analítica ambiental
A situação da Lagoa da Conceição tem atraído a atenção de diversos especialistas. Entre eles está Ariane Laurenti, professora doutora em Química Analítica Ambiental do Departamento de Patologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ariane, que mora na região, ministra atualmente a disciplina de Poluição Marinha no curso de Engenharia Sanitária e Ambiental. Em entrevista ao Diário Catarinense, ela apontou os principais problemas ambientais existentes na região: a rede de esgoto insuficiente, a ocupação desordenada e o trânsito de embarcações.
Também defendeu a necessidade de medidas urgentes para a recuperação da Lagoa.
– A gente sabe de ambientes semelhantes, em algumas partes do mundo, que foram absolutamente destruídos – afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista:
Diário Catarinense – Quais são, neste momento, os principais problemas ambientais da Lagoa da Conceição?
Ariane Laurenti – São três aspectos fundamentais. O primeiro diz respeito à questão dos efluentes domésticos e civis de modo geral, como os de restaurantes e postos de gasolina. Eles geram efluentes orgânicos, tanto cloacais (de resíduo humano) quanto aquele que é resultado da atividade econômica, como gordura e detergentes. Essa questão está parcialmente enfrentada pelo meu ponto de vista, na medida em que está se buscando construir uma rede de coleta e tratamento. Mas o sistema de esgoto ainda não abarca todo o conjunto da bacia hidrográfica da Lagoa. A solução está longe do fim. E não se pode só discutir em termos de Lagoa da Conceição, temos que pensar no conjunto e preservar também o entorno dos rios que deságuam na Lagoa.
DC – Quais seriam os outros dois aspetos?
Ariane – O segundo aspecto é a ocupação urbana da região. Isso envolve casas, condomínios, prédios, estradas, sistema de transporte marinho, pontes e obras de lazer. A questão da pavimentação é muito séria, pois o asfalto impermeabiliza o solo e a água da chuva vai diretamente para a Lagoa. Outro problema é a ocupação em torno da Lagoa e o desmatamento, que desprotege as suas margens e as dunas. Com isso, quando chove, a terra e a areia vão parar dentro da Lagoa. Então, essa vegetação deve ser mantida. E a ocupação desordenada tem a ver, também, com o sistema de esgoto, cujo dimensionamento não é compatível com a continuidade da construção de prédios. O terceiro aspecto é a questão das embarcações. Aí tem dois problemas: os combustíveis, que impermeabilizam a parte superficial da coluna dágua, o que prejudica a troca de oxigênio, e o material utilizado para a preservação das embarcações, como a pintura e os vernizes. Eles podem ser acumulados nos organismos vivos, como mexilhões, ostras e peixes. Muitas vezes, para esses organismos não faz mal, pelo menos não para os mais resistentes. Mas muitos organismos mais sensíveis já desapareceram da Lagoa.
DC – Quais são as conseqüências desses problemas?
Ariane – A Lagoa já está em processo de eutrofização (excesso de nutrientes que leva à proliferação excessiva de algas). Nós temos, de uns anos para cá, freqüentes explosões de crescimento algal naquela região. Como a temperatura da água e a luminosidade, principalmente no início da primavera, aumentam, há um crescimento exagerado, que continua até um período grande do Verão. Com isso, há um consumo muito exagerado de oxigênio para a decomposição dessa matéria orgânica. E a falta de oxigênio pode levar à mortandade de organismos dependentes dele, sejam micro ou macroorganismos. No lugar deles, surgem organismos que não precisam de oxigênio. A decomposição, quando passa a ser na ausência de oxigênio, produz substâncias de caráter de putrefação.
DC – Uma abertura maior embaixo da ponte de acesso à Avenida das Rendeiras para ajudar na circulação de água poderia resolver ou minimizar o problema da poluição no local?
Ariane – Nós temos um problema sério, principalmente ao sul da Lagoa (da ponte em direção ao Canto da Lagoa) e ao norte (Costa). São dois pontos de baixa energia hidrodinâmica. Eles têm um tempo de retenção da água muito longo, há uma característica natural de estrangulamento. A circulação da água é praticamente toda feita pelos ventos. Eu questiono, embora não possa afirmar, a possibilidade de ampliação da dimensão da ponte para fazer a troca da água. Aquilo, na minha opinião, é uma desculpa para duplicar a avenida, não vai resolver o problema. Porque o problema ali é que a circulação da água é tão baixa que é feita tranqüilamente pelos ventos.
DC – O que então poderia ser feito para que os problemas sejam resolvidos?
Ariane – Primeiro, parar de jogar esgoto na Lagoa. Precisa ver se existe eficiência do tratamento de esgoto, se o que está sendo redespejado depois da decomposição da matéria orgânica é capaz de ser absorvido pelo corpo da Lagoa. O que falta nos nossos sistemas públicos são programas permanentes de monitoramento da qualidade dos nossos ambientes aquáticos. Além disso, uma fiscalização pelos órgãos competentes, com poder de polícia, para embargar obras que são construídas inadequadamente. E impedir os alvarás de licença. A sociedade civil também tem que mostrar o seu poder, cobrando do poder público a preservação do local e a sua utilização de forma adequada. Outro aspecto é o compromisso de um estudo mais cuidadoso sobre os ambientes naturais que temos. Os estudos da Lagoa são muito recentes e muito dispersos. Talvez um passo positivo para unificar os esforços seja a criação do curso de Oceanografia aqui da UFSC. E temos que entender que a Ilha de Santa Catarina não é isolada. Os poderes municipais de todos os municípios (São José, Biguaçu e Palhoça, que são os entornos das baías Norte e Sul da Ilha) têm que estar envolvidos, fazer um trabalho de preservação conjunto, porque a poluição não tem fronteiras. Além disso, a remoção imediata das algas, quando há um boom, também é importante, para não dar tempo de elas se decomporem e alimentarem o surgimento de novas algas. Isso já resolve muito. E o uso de biocombustíveis nas embarcações, ou fazer com que determinadas zonas sejam mais utilizadas pelos barcos que não têm motor, também ajudaria.
DC – Como a Lagoa pode ficar se a situação continuar a se agravar?
Ariane – Como não existem estudos, o que eu falar é uma futurologia. A gente sabe de ambientes semelhantes, em algumas partes do mundo, que foram absolutamente destruídos. A parte sul e a norte da Lagoa têm uma produção algal exagerada, que pode levar à completa morte do ambiente, só vai haver produtos de putrefação nesses locais. Esse seria o final mais trágico.
DC – E se forem tomadas medidas adequadas, ainda há tempo para reverter a situação de poluição?
Ariane – Elas ajudariam muito a resolver o problema, e seguramente teríamos um envelhecimento natural daquele ambiente, o que demoraria mais alguns séculos para acontecer. Se não (forem tomadas providências rapidamente), esse séculos vão acontecer em 20 anos, porque já vêm acontecendo há muito tempo. Dos últimos tempos para cá, nem se fala, a expansão urbana foi muito violenta.
Balneabilidade
Como estão os principais pontos para banho na bacia da Lagoa da Conceição
Próprios
– Ponto 37 – Em frente à Servidão Pedro Manuel Fernandes
– Ponto 39 – Em frente à rua de acesso à Praia da Joaquina
– Ponto 43 – Em frente ao acesso para o Rio Tavares
– Ponto 61 – Na altura do nº 1.480 da Avenida das Rendeiras
– Ponto 66 – Na altura do nº 2.267 da Avenida Osni Ortiga
Impróprios
– Ponto 38 – Nos trapiches dos serviços de transportes
– Ponto 41 – Canto da Lagoa – ao lado do posto de saúde
– Ponto 62 – Centrinho – Em frente à Rua Manuel Isidoro da Silveira
* De acordo com última avaliação, realizada em 17 de setembro
Fonte: Fatma
Fique alerta
– Em alguns casos, as placas que identificam os locais não indicados para banho são depredadas e o “im”, de “impróprio”, é retirado. Com isso, fica parecendo que o local é próprio para banho.
– Para garantir se o local é realmente indicado, é preciso também olhar para a cor da palavra. Nas placas que identificam os locais permitidos, a palavra “próprio” é pintada em verde, e nos não indicados o “impróprio”, em vermelho.
– Entre as doenças que uma pessoa pode adquirir ao se banhar em local impróprio estão a hepatite A e as doenças de pele, principalmente, além de leptospirose e verminoses.
Fonte: Fatma e Vigilância Epidemiológica de Florianópolis
(DC, 21/10/2007)
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