Ele dá uma vida aquilo que as pessoas já desprezaram : o lixo. Através de suas mãos, o que foi descartado um dia vira arte e artigo de luxo. De televisores, telefones a máquinas de costura, discos de vinil e sofás. O acervo de produtos e móveis é grande e pode ser encontrado no Museu do Lixo de Florianópolis, onde foram montados dentro de um castelo encantado, feito somente com produtos recicláveis que se misturam às peças antigas.
A descrição acima mais se parece com o roteiro de uma história infantil, mas trata-se do sonho realizado de um ex-varredor de rua Valdinei Marques, 29 anos, que viu na reciclagem de materiais aliado à preservação do passado, a chance para lutar por um mundo melhor por meio da educação ambiental. De varredor, Marques foi alçado para o cargo de monitor de educação ambiental e hoje é o responsável pelo museu e por todas as criações do local.
Nesta semana, o Museu do Lixo completou quatro anos de existência com uma marca surpreendente: 3, 6 mil visitas por ano, a maioria delas de estudantes da rede pública de Florianópolis e da região. Além de estudantes catarinenses do primeiro ao terceiro grau, o museu já recebeu a visita de grupos técnicos de vários estados brasileiros e países, como Portugal, França, Alemanha e Argentina.
O museu pertence à Companhia de Melhoramentos da Capital (Comcap), empresa de economia mista controlada pela Prefeitura de Florianópolis e responsável pelos serviços de limpeza pública.
A história de Marques realmente parece ter saído de um conto de fadas e ele faz questão de vestir o personagem: “Reiciclagem”, um rei que ensina as crianças sobre a importância de dar uma nova destinação ao lixo. Nas visitas que recebe dos alunos, ele faz com que eles percorram todos os ambientes do castelo e se deparem com o passado que muitos desconhecem.
Em cada cômodo da casa, que foi montada somente com materiais resgatados do lixo, ele explica a utilização e a época de muitos produtos que hoje já não são mais usados no mercado, como os discos de vinil e as fitas de vídeo VHS. Tudo como se fosse uma grande aula de história.
Marques relembra que antes de prestar concurso público para o cargo de auxiliar operacional (varredor), em 2000, ele trabalhava como hippie nas praias da Capital e encontrava jogado na areia das praia materiais que podiam ser reutilizados. Ao entrar para a empresa, em 2002, diz que descobriu que o local tinha um trabalho focado em educação ambiental.
Saiba mais
Problemas provocados pelo lixo
O primeiro impacto é a poluição visual, mas há outros sérios riscos à saúde e ao meio ambiente quando o lixo for abandonado em local impróprio.
1 • O chorume, líquido que é gerado pela decomposição do lixo e que causa poluição das águas dos rios, córregos e do lençol freático entupindo bueiros e canais de drenagem, que leva às inundações;
2 • O acúmulo do lixo em encostas provoca deslizamentos de terra;
3 • O lixo também pode causar a morte de animais por sufocação ao engolirem sacos plásticos;
4 • Ao queimar o lixo são liberados gases venenosos, provocando danos à saúde de quem estiver próximo, brigas com vizinhos, risco de incêndios e poluição atmosférica;
5 • A decomposição do lixo libera mau cheiro e metano, que é o gás de efeito-estufa;
6 • São necessárias áreas de terra cada vez maiores para deposição final do lixo;
7 • É cada vez mais caro para a sociedade manter os sistemas de coleta, transporte e destinação final dos resíduos.
Doenças que podem ser transmitidas
O lixo vira moradia e alimento de animais que são causadores de doenças. Os ratos transmitem leptospirose; as baratas, doenças gastrointestinais; as moscas, febre tifóide, verminoses e gastroenterites e; os mosquitos, dengue, malária e febre amarela.
Como cuidar
• Não jogue lixo em terrenos baldios, valas, córregos ou bueiros e encostas;
• Coloque o lixo uma hora antes do caminhão passar;
• Respeite o horário das coletas convencional e seletiva;
• Não deixe lixo depositado na calçada, coloque-o na lixeira ou no contentor;
• Embale bem o lixo para evitar a ação de animais;
• Vidros e objetos cortantes ou perfurantes devem ser embalados para evitar acidentes;
• Mantenha limpa a comunidade.
Decomposição
Tempo estimado
• Papel: 3 a 6 meses
• Tampinha de garrafa: 150 anos
• Vidro: 4 mil anos
• Pneu: 600 anos
• Isopor: oito anos
• Lata: indeterminado
• Fralda descartável: 6 meses a 1 ano
• Palito de madeira: 6 meses
• Pano: 6 meses a 1 ano
• Bituca de cigarro: 2 anos
• Papel: 3 a 6 meses
• Camisinha: 100 anos
• Prancha de isopor: 80 anos
• Chiclete: 5 anos
• Linha de náilon: 650 anos
• Copo plástico: 50 anos
Números da Capital
Resíduos sólidos
• São recolhidas pela Comcap, em média, 380 toneladas de lixo misturado por dia. No verão, essa coleta chega a 450 toneladas/dia;
• O ranking de produção de lixo por região é o seguinte: Centro (150 toneladas por dia), Continente (73t/dia), Norte (65 t/dia), Sul (52 t/dia) e Leste (40 t/dia);
• Cada habitante de Florianópolis produz cerca de 900 gramas de lixo diariamente;
• São recolhidas pela Comcap 200 toneladas de materiais recicláveis por mês. As associações recolhem outras 200 toneladas por mês e os catadores isolados cerca de 900 toneladas mensais;
• A Comcap opera, na baixa temporada, com 115 garis e 37 motoristas. No verão, é contratada mão-de-obra temporária. A empresa mantém uma frota de 19 caminhões nos roteiros matutinos, cinco à tarde e 13 à noite.
Como ajudar
• Reduza: Consuma menos e prefira objetos mais duráveis. Evite os descartáveis. Dê preferência aos produtos com embalagens retornáveis e recicláveis. Use racionalmente água, luz, gás, combustível e alimentos;
• Reutilize: Seja criativo. Dê novo uso e nova função para os objetos antes de descartá-los. Use os dois lados do papel, reaproveite vidros de conserva, doe roupas, calçados e livros;
• Recicle: Separe embalagens e entregue à coleta seletiva. Dali, os materiais serão encaminhados à indústria como matéria-prima na fabricação de novos produtos. Isso evita a retirada de recursos da natureza. Resíduos orgânicos como cascas de frutas podem ser reciclados.
Crucifixo foi primeira peça recuperada
A primeira peça recuperada foi exatamente a que ele tem um carinho especial: um crucifixo de gesso com a imagem de Jesus Cristo. Coincidência ou não, o objeto foi o único deixado no galpão de 200 metros quadrados, onde hoje funciona o museu. Antes disso, o local operava na triagem da coleta seletiva. Atualmente, Marques trabalha na reciclagem de um aparelho de vinil movido à válvula, que também foi encontrado no lixo.
As coleções que mais se destacam no museu, pela quantidade e antigüidade dos exemplares, são as de ferros de passar roupa, atas de refrigerante e cerveja, máquinas fotográficas, costura; aparelhos de telefonia celular e computadores, geralmente muito antigas. As próprias tintas usadas nas pinturas do piso foram reaproveitadas por Marques, que diz ser artista plástico.
“Aqui as crianças percebem como é importante mudar de atitude, tornar-se um consumidor responsável para conservar e preservar o ambiente”, diz Marques.
Para o presidente da Comcap, Irineu Theiss, o museu surgiu graças à criatividade, iniciativa e determinação de Marques. Um dos pontos destacados por ele é que o local tem a importância de ajudar na educação de estudantes, que tendem a se tornar agentes multiplicadores. “A tendência é de que essas crianças levem para casa o que aprenderam aqui e repassem para a família e amigos.”
Bom humor é rotina entre recicladores
Quem pensa que mexer com lixo é uma tarefa desagradável por causa do mau cheiro ou dos produtos descartados, não conhece o trabalho de um grupo de recicladores de Florianópolis. O bom humor é um dos companheiros na rotina de trabalho, que consiste em separar o que pode ser reaproveitado, gerando novas fontes de renda.
Aos 40 anos, Mirian dos Santos diz que encontrou na reciclagem a chance de ter um trabalho mais rentável e que lhe desse prazer ao mesmo tempo. “Nunca tive problema em trabalhar com lixo. Aqui a gente se diverte.”
Computador e televisão foram apenas algumas das coisas encontradas por Volmir Rodrigues dos Santos, 29. Na função há mais de 13 anos, ele conta que levou produtos e os usa normalmente.
Experiência também muda vida de estudantes
Se para um adulto entrar num museu e se deparar com objetos antigos que já ouviu falar ou que foram utilizados em alguma época da sua vida é uma doce lembrança, imagine transportar isso para o universo das crianças que, por causa da globalização cada vez mais intensa não têm tido a chance de conhecerem mais de perto as coisas do passado.
Este é um dos objetivos das visitações públicas ao Museu do Lixo. Após conhecerem os processos de triagem do lixo reciclável, em galpões anexos ao do museu, os estudantes participam de atividades lúdicas, na qual são transformados em agen-tes ambientais e recebem um certificado e prestam juramento simbólico de que serão defensores daque-la causa.
A experiência no Museu do Lixo foi tão positiva para um grupo de estudantes do Colégio Marco Inicial, de Florianópolis, que eles até criaram um espetáculo de teatro com o tema “O planeta pede socorro”, no qual abordam a importância de lutar pela natureza. “Tudo o que eu aprendi aqui levei para casa e hoje a minha família recicla todo o lixo”, disse a aluna Joana Três, 10 anos.
Para Paulo Henrique de Oliveira, também de 10 anos, a visita ao museu estimulou a criação da peça, que foi apresentada esta semana durante as comemorações do quarto aniversário do local. “Achei tudo muito legal, mas o robô é uma das coisas que mais gostei”, referindo-se a um robô de plástico que tem uma placa rede de computador servindo como estrutura da cabeça.
(André Luís Cia, A Notícia, 27/09/2007)
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