Quando anunciou que iria se aposentar, aos 57 anos, Sérgio Barroso, presidente das operações brasileiras da Cargill, a maior trader de grãos do mundo, provocou especulações no mercado sobre a sua próxima investida no mundo corporativo. Nada disso, Barroso deixa o setor privado, anos antes do previsto, para se dedicar a uma organização não-governamental (ONG).
Como ele, seguem a mesma trilha outros pesos pesados, como Alain Belda, presidente mundial da Alcoa, Fernão Bracher, do Itaú BBA, Marcos Magalhães, que deixou a presidência da Philips em abril. Para alguns é uma decisão pessoal, para outros, uma saída nobre para a aposentadoria – em certos casos, forçada. No cenário internacional, o mais proeminente exemplo é o bilionário Bill Gates, que sai de cena em julho de 2008 para se dedicar exclusivamente à sua Fundação Gates.
O que eles têm em comum? Alcançaram o topo de uma carreira invejável e sucesso financeiro tão, digamos, confortável que podem abrir mão de ganhos mensais para o resto de suas vidas. Isso, em uma idade ainda muito ativa.
“É cedo para me aposentar, mas não para fazer um monte de outras coisas, como investir nas crianças brasileiras”, diz Barroso, que deixa a Cargill no dia 1º de outubro, após 34 anos de companhia e uma trajetória admirável como executivo – era o “Zé-faz-tudo”, como costuma brincar, que virou presidente.
Ele começou na Cargill como office-boy e em pouco mais de duas décadas, aos 48 anos, chegou ao posto mais alto da empresa. Também assumiu a Fundação Cargill, onde implantou projetos de educação, agricultura familiar e segurança alimentar que atendem 54 mil crianças e suas famílias.
“A educação forma melhores cidadãos”, diz. Agora, ele quer levar a experiência para a creche que atende 280 crianças, algumas com necessidades especiais, no pequeno município de Uruçuca, na Bahia, onde nasceu.
“Aqueles que chegaram a uma posição que outros jamais chegarão têm obrigação de olhar para trás e lhes dar as mãos. Era a frase que minha mãe, professora durante 50 anos, sempre repetia”, diz o pernambucano Marcos Magalhães, que deixou a presidência da Philips em abril e hoje se dedica ao Instituto de Co-responsabilidade pela Educação (ICE). Aos 60 anos, o executivo abriu mão do descanso em sua fazenda em Pernambuco e de 40% do valor do salário para viver do fundo de pensão após a aposentadoria. A decisão de deixar o mundo corporativo foi pessoal.
“Eu já vinha preparando o terreno para me dedicar integralmente às duas coisas mais importantes da minha vida: minha neta, Samanta, e a educação. Sou filho do ensino público e me dá muita tristeza ver que é impossível, hoje, para um garoto de escola pública traçar a minha trajetória, de um menino pobre que saiu do interior de Pernambuco e chegou à presidência de uma empresa”, diz.
Magalhães começou a investir em educação, com dinheiro do próprio bolso, quando viu a escola pública onde estudou, a Ginásio Pernambucano, localizada em um casarão histórico de 1825, ser desativada por estar ameaçada de desabar, graças ao descaso do poder público. Em três anos, restaurou a casa e a devolveu em 2003 para 330 alunos. Ele não revela cifras, mas se estima que tenha investido mais de R$ 600 mil para recuperar e equipar a casa.
Vendo que não poderia fazer tudo sozinho, hoje ele tenta mobilizar o empresariado e sensibilizar o governo para catapultar o ensino médio brasileiro. O ICE já atende 20 mil crianças e jovens em tempo integral em 20 escolas públicas de Pernambuco, onde fazem três refeições diárias, têm material escolar gratuito e recebem, além do currículo, treinamento profissional em áreas como turismo e hotelaria. Os professores têm remuneração determinada pelo desempenho em sala de aula.
Educação
Para executivos como Magalhães e Barroso, o investimento social é uma forma de devolver à sociedade um pouco daquilo que conquistaram graças a oportunidades de acesso à educação de qualidade, que poucos têm no Brasil. Isso talvez explique, em parte, o fato de a educação ser a área onde executivos mais investem – 81% dos associados do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) se dedicam à área.
“Os afortunados do País, em grande parte, foram subsidiados pelo governo”, diz o ex-presidente da NET Moysés Pluciennik, que fez o ensino fundamental em escolas públicas, formou-se engenheiro pela Poli, da Universidade São Paulo, fez um doutorado no prestigiado Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT, em inglês) com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq), do governo federal.
Após atravessar uma crise no setor de TV a cabo, Pluciennik deixou o mundo corporativo, em 2000, quando tinha apenas 50 anos, e passou a se dedicar para a Fundação Alavanca, com sedes em São Paulo e em Ubatuba.
“Houve um momento em que parei e pensei: não é isso o que quero da vida”, diz o ex-executivo, que continua como acionista de uma empresa de informática e serviços. “Cheguei ao topo, então, continuar seria mais do mesmo.”
“Esses executivos que atingiram o topo da carreira e o sucesso financeiro já não precisam de tanto dinheiro e podem ajudar muito com sua experiência, no sentido de profissionalizar o terceiro setor, que ainda é carente de organização, eficiência nos gastos, análise de resultados. Habilidades que o mundo corporativo exige”, diz Denise Aguiar, herdeira do Banco Bradesco, hoje dedicada à Fundação Bradesco, da qual é diretora, e presidente do Gife.
“O setor ainda é carente porque os salários, quando pagos, não são competitivos com o setor privado. Na fase da aposentadoria, é mais fácil que abram mão de ganhos mensais e a contribuição que podem dar é muito rica”, diz a sócia-diretora da Mariaca/InterSearch, Renata Felippi, especializada em recrutamento de executivos.
Estudante metódico e aplicado, formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Fernão Bracher deixou a presidência do Itaú BBA, em 2005, para assumir o conselho do banco e hoje dedica quase todo o tempo a projetos sociais corporativos e ao Instituto Acaia, fundado com a filha Eliza, que atende 200 crianças.
“Me sinto novo na área e tenho de respeitar muito os que lá estão, porque entendo mesmo de banco”, diz. “No banco, eu tenho de ser eficiente porque meu cliente exige. Ora, quem é o cliente do professor? É o aluno”, esbraveja.
(Adriana Carranca, Estado de S.Paulo, 02/09/2007)
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