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Famílias convivem com sujeira e abandono nas vielas da favela do Siri

Marilde Fátima Souza de Andrade, 38 anos, mora com dois filhos menores numa casa sem energia elétrica nem água encanada. Ela foi instalada no local depois que um tornado destruiu a residência onde morava, no dia 23 de março do ano passado, fenômeno que atingiu dezenas de outras construções na Vila Arvoredo, antiga Favela do Siri, ocupação irregular localizada nas dunas de Ingleses, Norte da Ilha.

Ontem de manhã, Marilde contou parte do drama que vive desde o aparecimento do tornado. “Aqui não existe luz, água e nem banheiro”, conta. “E tenho uma criança que precisa passar por quatro cirurgias”, acrescenta Marilde, mostrando uma declaração assinada pela médica Carolina Arruda, do Hospital Universitário (HU), autenticada pela Escrivania de Paz de Ingleses e Rio Vermelho.

A médica declara “para os devidos fins que o menor R. R. S., de um ano e sete meses, é portador de distrofia miotônica congênita necessitando de cuidados especiais, apresenta doença do reflexo gastro-esotágico, litíase renal com infecções urinárias de repetição, hipereatividade brônquica, otite de repetição e desnutrição crônica”.

“Ela me disse que não poderia fazer a cirurgia, pois o menino, que é meu filho de criação, ficaria sem condições de higiene para se recuperar da operacão”, conta Marilde. O procedimento cirúrgico deveria ter sido feito no dia 13 de novembro do ano passado, no Hospital Universitário, e, apesar de o caso ter sido levado ao Juizado da Infância e da Adolescência, o garoto continua aguardando no ambiente insalubre onde mora.

“Como se não bastasse, tenho outro filho com 11 anos, que é cardíaco e também precisa de tratamento. Mas, como estamos com essas dificuldades todas, isso ainda não foi feito”, destaca Marilde. “A situação é tão desesperadora que eu não tenho como lavar as roupas e as louças. Tive que puxar uma ligação da vizinha para ter luz em casa”, acrescenta a moradora.

Além do Juizado da Infância e da Adolescência, o Ministério Público Estadual também foi informado dos problemas que ocorrem com os moradores locais. “O pior de tudo é que fui pedir a uma assistente social da Prefeitura que me conseguisse um banheiro, e ela respondeu de forma pejorativa, afirmando que “a gentinha da favela só incomoda”.

Falta de terreno e preconceito atrasam transferência coletiva

A Prefeitura de Florianópolis está com dificuldades de encontrar um terreno para a construção das casas que abriguem os moradores de Vila Arvoredo, antiga favela do Siri, segundo o presidente da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram), Francisco Rzatki. “O dinheiro para a construção das casas está garantido, mas a dificuldade atual é na localização de um terreno para as construções”, diz.

Um imóvel nas proximidades da Vila Arvoredo, também em Ingleses, chegou a ser sondado pela Prefeitura. “Mas, os moradores das imediações resistiram, pois não querem essas pessoas por perto”, salienta o dirigente da Floram. A procura por um terreno está sendo feita por funcionários da Secretaria de Habitação e Saneamento, responsável pela transferência daquelas famílias.

“A Floram tem monitorado a área visando impedir que novas construções sejam erguidas no local. Trata-se de uma área de preservação permamente, e por isso protegida legalmente”, assinala Rzatki. Parte das casas foram construídas sobre as dunas de Ingleses. Segundo Rzatki, a prioridade no momento é evitar novas ocupações. “Muitas pessoas podem se instalar no local para depois reivindicar uma casa nova”, explica.

Moradores ignoram Defesa Civil e ocupam casas condenadas

Outro morador que ainda espera ajuda para sanar os estragos provocados pelo tornado de março do ano passado é o músico Miguel Edi de Souza, 44 anos. Cantor que atua num conhecido restaurante da região, ele mora com a esposa e dois filhos menores, de três e 10 anos, numa casa de madeira condenada pela Comissão Municipal de Defesa Civil (Comdec).

Os estragos são visíveis. “Com a força do tornado, o telhado e o assoalho cederam e a estrutura da casa ficou abalada, podendo cair de uma hora para outra”, conta Miguel. Ele e a família procuram os lugares mais abrigados tão logo começe a soprar um vento mais intenso, “pois a gente nunca sabe o que vai acontecer”, destaca.

Logo após o tornado, ele e os demais moradores foram procurados por funcionários da Prefeitura, oferecendo entre R$ 2 mil a R$ 3 mil para que deixassem suas casas. “Eu não quero sair daqui desta forma. Se fosse para ir morar num lugar melhor, poderia aceitar. Mas não sei o que vou poder fazer com essa indenização que ofereceram”, salienta Miguel.

Além da oferta em dinheiro, a Prefeitura prometeu tábuas e barrotes para que Miguel pudesse recuperar a casa. “O que acabaram me dando foram algumas telhas em folha para substituir as que foram levadas pelo vento”, diz, mostrando as escoras de madeira e tijolos que ele fez na casa. “Desse jeito não posso garantir a segurança dos meus filhos, pois tudo pode desabar a qualquer momento”, salienta.

A poucos metros da casa dele, a viúva Maria Rodrigues de Moraes, 69 anos, sofre problemas semelhantes, como a falta de banheiro. “A casa está caindo e a Defesa Civil mandou que eu fosse embora. Mas como não tenho para onde ir, estou esperando”, conta. Seu marido, Generino Moraes, faleceu há cerca de dois meses, aos 76 anos.

“Ele morreu abandonado e nem me disseram qual foi a causa”, lembra Maria. “Ele foi internado numa sexta-feira e morreu no domingo”, acrescenta a viúva, que sobrevive com um salário mínimo do programa Bolsa-Família do governo federal. “O INSS não deixa que eu receba o salário, pois ele era casado no Paraná, antes de a gente passar a viver juntos, há 22 anos”.

No momento, ela tem a companhia de duas netas menores que estão de férias escolares, mas a partir de março Maria Rodrigues vai ficar sozinha na casa. “O telhado está todo quebrado e quando chove as goteiras aparecem por tudo que é canto”, assinala. “Além disso, a gurizada joga pedras no telhado e piora ainda mais a situação”.

(Celso Martins, A Notícia, 31/01/2007)

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