O Porto da Lagoa foi de extrema importância para o desenvolvimento socio-econômico da Freguesia da Lagoa da Conceição no início do século 20. Para os habitantes da região, o local era conhecido como “porto” pela facilidade de comercialização de várias mercadorias. Era um acesso utilizado pelos moradores do Canto, Barra da Lagoa, Rio Tavares, Ribeirão da Ilha, e de outros balneários para chegar até o centro da Freguesia. Foi o tempo em que a tarrafa abarrotada de camarão e siri servia com fartura às famílias.
O Costão da Lagoa, era um verdadeiro e inesgotável pesqueiro, especialmente no inverno, quando a anchova e a tainha de corso pulavam no mar, chegando a ser, mais de cem mil em cada lanço das redes. No verão, o peixe mais abundante era a corvina, que apesar de ser excelente para exportação, por conservar-se facilmente pelas características do próprio pescado, não foi bem aproveitada para tal atividade. Na época, o comércio era praticamente feito entre os próprios moradores. O peixe e a farinha de mandioca eram os principais produtos vendidos no Porto da Lagoa.
Só na região do Rio Tavares existiam 62 engenhos de farinha. O bananal da região também era um dos maiores. A plantação de melancia era vasta, como nas caiacangas. além do Melão, que de tão fina espécie, ficou célebre na Ilha e em todo o Estado.
Para chegar até o Porto, de onde saiam os alimentos que abasteciam a Freguesia da Lagoa, só de canoa ou baleeira. A população da Lagoa (Canto, Costa, Barra e Porto) era de 3 mil pessoas. Conforme o relato do escritor Virgílio Várzea, em “A Ilha”, umas primeiras publicações sobre a região, em 1900, a população era de almas reconhecidas como uma das mais laboriosas. Era um povo simples, humilde e trabalhador. O cultivo de café predominava entre os agricultores mais abastados do local. Mas a uva, o açúcar, o melado e a aguardente também eram comercializados. Assim como alho, cebola, amendoim e gengibre, “exportados” para o Centro da Capital.
O linho, sobretudo o galego e o donzelo, era tecido em teares rudimentares e primitivos. Estes aparelhos, atualmente arcaicos, ainda eram bastante utilizados em meados do século 20, quando faziam tecidos de algodão para toalhas, guardanapos e colchas, além dos chamados “riscados”, roupas vendidas em pedaços, que vestiam os roceiros em geral. Na freguesia também era possível comprar, mas em pequena escala, belas toalhas de linho conhecidas como lagoanos.
Até a década de 60 não havia estradas para a Lagoa da Conceição
Poucos moradores da Ilha de Santa Catarina sabem explicar a denominação da localidade do Porto da Lagoa. A região, que fica entre o final do Canto da Lagoa da Conceição e o rio Tavares, era o único meio de comercialização de mercadorias para a Freguesia da Lagoa da Conceição. Na década de 60 não havia estradas na Lagoa. Pelo Canto, subia-se à pé o Morro do Badejo e lá estava o Porto, onde não existia estrutura portuária.
Outro acesso era pelas dunas, às margens da Lagoa da Conceição, onde hoje é a rua Osni Ortiga. Em muitos trechos, a água alcançava o joelho em dias de maré cheia. A avenida das Rendeiras não existia. O crescimento da cidade e o aumento da população em um dos pontos turísticos mais visitados de Florianópolis exigiu o acesso viário. Antigamente, para transportar grande quantidade de mercadorias só mesmo à cavalo de cerão. Com um balaio de cada lado, o animal era guiado pelos nativos da Lagoa carregando banana, café, farinha e tudo o que era necessário à comunidade. Mas a maioria fazia o trajeto no “calcanhar”, como ainda hoje costumam falar os mais antigos manezinhos da Ilha.
O carro-de-boi também era muito utilizado na vida rural. O meio de transporte marcou o primeiro momento da circulação de produções agrícolas. De origem ariana, o carro-de-boi andava chiando. Mas com o peso das pessoas, geralmente famílias que costumavam passear pela freguesia, mantinha-se silencioso.
O primeiro automóvel a circular pela Freguesia da Lagoa foi de Damião Cosme de Oliveira. Uma caminhonete que também transportava pessoas em sua carroceria. Todo mundo conhecia Damião, até porque a utilização do veículo era uma necessidade em dias de chuva forte. “Ele colocava até cadeira pro pessoal sentar atrás”, recorda Valmir Pires, mais conhecido como Lagoa. “Para descer ou subir o Morro, então na chuvarada, era puro barro”, lembra.
Lembrança dos mais antigos
“Pra cidade eu ia a pé. Atravessava esse morro do Canto, depois o morro da Cruz, lá descia e ia embora pra cidade. Fui muitas vezes com dois balaios de quitanda”, disse o já falecido velho João Libânio em entrevista à escritora Elaine Borges, que registrou fragmentos da vida destes antigos moradores do Porto da Lagoa. João Libânio era irmão de Victor Libânio e pertencia à uma família de negros de um quilombo da região conhecida por percorrer as comunidades cantando Terno de Reis por toda a freguesia.
O relato, de um tempo em que a Lagoa da Conceição era cortada por trilhas dentro da mata fechada, onde bruxas e lobisomens “apareciam” na calada da noite à sombra da lua, ainda está vivo nas histórias contadas por pescadores que moram na localidade do Porto da Lagoa. É o que ficou, uma vez que não existem referências bibliográficas específicas sobre o Porto da Lagoa. A história da região não está registrada em livros, mas na memória dos mais antigos manezinhos da Ilha.
Com um jeito simples, expressão e sotaque típicos do manezinho da ilha, o pescador Manoel Luiz Jaques, 69 anos, o Deca, proprietário de um tradicional restaurante no Canto da Lagoa, ainda conta com detalhes episódios do aparecimento do lobisomem. “Ele aparecia na sombra, só dava pra pegar no vulto, daí um dia desses um homem conseguiu atirar no capote dele, mas eu não vi não, me contaram”, disse.
Era muito comum os moradores saírem antes do alvorecer, quando o galo cantava e ainda era possível ver estrelas no céu para ir até a freguesia à pé fazer compras no armazém. “Seo” Chico, um dos moradores mais antigos do Campeche costumava sair às 4 horas para chegar às 7 horas no Porto. “Naquela época o Porto era chamado de Chico D’ávila, é… primeiro era assim, dipôs (sic) é que foi Porto da Lagoa”, disse o pescador de 82 anos que ainda exerce a atividade.
Quando tinha dez anos, na localidade do Porto moravam apenas 15 famílias. De acordo com Chico, no caminho para o Porto, onde hoje é a rua Osni Ortiga, só havia duas casas de capim. “O feijão dava na areia do quintal de casa”, conta, já com dificuldade de lembrar os detalhes. Mas algumas histórias da Lagoa, de gente que ia pescar e não voltava, ele lembra. “Uma vez, o filho da Candinha foi pescar e a canoa virou, não sabe, não é que ele morreu depois de salvar todo mundo”, contou.
O café quase todos cultivavam. “Os cafezeiros acabaram. Os terrenos hoje estão nas mãos dos ricos. Nosso café perdeu o valor, vender pra quem? Não tinha mais comprador porque quem financiava o café aqui era um ricaço que exportava pra fora. Hoje acabaram com tudo”, disse Lócio Martins, em depoimento no livro Vozes da Lagoa. Como já dizia Dona Rosalina Martins, moradora do Morro do Badejo. “Ah! Naquele tempo era bom”.
(Simone Moreira, A Notícia, 04/09/2006)
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