Cansadas de recorrer aos órgãos públicos sem que nenhuma providência tenha sido tomada desde agosto do ano passado, as lideranças comunitárias resolveram colocar nas mãos do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) a responsabilidade por conter o processo de degradação do bairro Córrego Grande.
“Encaminhamos diversas solicitações ao Pró-Cidadão, Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos (Susp) e Vigilância Sanitária municipal, mas nada foi feito até o momento”, reclamou o presidente da Associação Amigos do Córrego Grande, Rogério Daros.
A degradação é visível: construções em áreas de preservação permanente e no interior do Parque Municipal do Maciço da Costeira, principalmente nas encostas dos morros, lixo e entulho depositados em terrenos baldios e, principalmente, o lançamento de esgoto sem tratamento no principal curso d’água da região que dá nome ao bairro. “Não contamos com rede de coleta de esgotos, então todos esses dejetos vão parar dentro do rio, através da rede pluvial ou de pequenos cursos d’água”, salientou Daros.
Bairro rural até o final da década de 1960, o Córrego Grande virou atração residencial a partir dos anos 1980, levando à abertura de dezenas de vias e ao aparecimento de construções de grande porte. “Recorremos ao Ministério Público por causa disso, pois não havendo rede de coleta, essas obras precisariam ter sistemas próprios de tratamento, mas não é o que acontece”, disse Daros.
As conseqüências dessas construções são visíveis a quem percorre a região. Num determinado ponto do rio existem dois tubos de concreto de saídas de drenagem pluvial. Por um deles não escorre nenhum líquido, mas no que está ao lado o esgoto surge, denunciado pela cor escura nas pedras e na areia do leito. “Esta saída que aparentemente não foi atingida pelo esgoto, logo vai estar contaminada após a inauguração desse loteamento”, mostra Daros, apontando uma obra ao lado da única creche do bairro.
Tendo surgido em meados do século 18 com a chegada de imigrantes açorianos, o Córrego Grande ficava no meio do caminho da principal ligação entre o Centro da cidade e a Lagoa da Conceição. Da paisagem daqueles tempos, resta apenas um pasto onde dezenas de cabeças de gado descansam e se alimentam. Em volta, o solo está impermeabilizado e novas construções surgem a cada semana. “O processo se acelerou nos últimos quatro ou cinco anos e se intensificou agora com as eleições”, acrescentou o presidente da associação.
Poluição atinge manancial onde Casan faz captação de água
A situação também é dramática na região do poção do Córrego Grande, onde existe um ponto de captação de água da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), tratada e distribuída à população local. As nascentes do curso estão sofrendo com o desmatamento, as construções (quase todas irregulares) e o lançamento de esgoto. As conseqüências estão no pequeno volume de água do rio, apesar das chuvas dos últimos dias que poderiam tê-lo tornado mais caudaloso.
O que se vê são grandes poças de água parada em diversos pontos do rio, parecendo piscinas. Apesar de boa parte das margens estarem preservadas, também aqui as construções e o desmatamento se tornaram uma ameaça.
“Estas obras surgiram nos últimos dois ou três anos”, apontou o presidente da Associação Amigos do Córrego Grande, Rogério Daros, olhando para um conjunto de casas de alvenaria ainda sem reboco ou pintura. “Se ninguém fizer nada, em três ou quatro anos a vegetação das margens terá sumido”, previu.
O Poção que há décadas serve como área de lazer aos moradores da região, se transformou numa opção de risco devido ao ajuntamento de marginais, consumo de drogas, assaltos e furtos de pertences dos freqüentadores. “Eu sempre vinha com minha família passar o dia, mas nos últimos tempos isso se tornou arriscado e nós deixamos de vir”, salientou o representante do bairro.
Para completar, começam a aparecer pequenas estradas e caminhos nas margens do rio e suas proximidades. Uma delas, com largura suficiente para a passagem de um automóvel, “foi aberta nos últimos meses e com o tempo estará pavimentada e recebendo trânsito”, complementou Daros. O que ainda resta de mata ciliar se encontra repleta de lixo, principalmente garrafas e plástico.
Terreno público foi solicitado à Prefeitura
Um terreno público com cerca de 5 mil metros quadrados, localizado entre a creche local e o rio Córrego Grande, virou depósito de lixo e entulho, além de ponto de consumo de drogas e de encontro de desocupados do bairro. Os moradores estão de olho no espaço para que ele possa ser transformado em área de lazer, servindo para atividades das crianças que freqüentam a creche.
A área foi requisitada pela comunidade à Prefeitura Municipal por meio de ofícios à Susp e à Secretaria de Obras, visando sua liberação. “Conseguimos 160 mudas de espécies nativas e frutíferas com a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram) para que elas possam ser plantadas aqui, mas ainda aguardamos um sinal positivo”, destacou o presidente da Associação Amigos do Córrego Grande, Rogério Daros.
Enquanto isso não acontece, a área continua a proporcionar a rápida proliferação de ratos, “que já chegaram a invadir a creche e apavorar as crianças e as professoras”, salientou Daros. Parte desse terreno foi invadido por um condomínio em construção, tendo árvores derrubadas – desmatamento que se prolonga encosta acima, expondo barreiras e prejudicando o fluxo de pequenos cursos d’água.
Devastação
Em outro ponto do terreno, ainda é visível a devastação promovida pela empresa construtora que realizou a ampliação da creche: um trecho do rio Córrego Grande foi aterrado com os restos de materiais de construção, ponto em que as árvores foram derrubadas. Nos fundos da creche ainda existem dezenas de pedaços de madeiras usadas nas armações de concreto da obra, servindo como abrigo de dezenas de ratos.
Além disso, existem diversos montes com lixos diversos, desde plásticos e um bacio sanitário, até restos de cortes de vegetação e materiais de construção descartados. “O pior de tudo é que um fiscal da Floram esteve aqui, as pessoas apontaram a ele os locais onde estão os lixos e entulhos, mas ele anotou na ficha de denúncia número 561, de 25 de junho último, que nada foi localizado”.
(Celso Martins, A Notícia, 22/06/2006)
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