As cerca de 100 famílias residentes na Ponta do Leal, no bairro do Estreito, aceitam ser transferidas de local, mas preferem que a comunidade não seja dividida e continue perto do mar, já que aproximadamente metade dos moradores atua na pesca. A iniciativa de transferência está sendo articulada pela Prefeitura Municipal, com recursos de R$ 1,2 milhão oriundos do Ministério da Cidades via Caixa Econômica Federal (CEF).
Segundo o secretário municipal de Habitação e Saneamento, Atila Rocha, “estamos aguardando um retorno da CEF a respeito do projeto que foi encaminhado, para dar início ao processo de transferência das famílias”. Do total de famílias residentes no local, 72 serão transferidas para um bloco de apartamentos a ser construído no bairro Jardim Atlântico, perto da Escola de Aprendizes Marinheiros, enquanto 18 vão para casas num terreno doado no bairro Monte Cristo pelo Lar Fabiano de Cristo.
Para os moradores, entretanto, nem tudo está bem claro. “Prefiro ficar onde estou há 18 anos, com água tratada e energia elétrica, do que ir para um lugar desconhecido”, disse o pescador Ari Menezes, 32 anos de idade. “O único problema que temos é com a falta da coleta de esgoto”, acrescentou. Por isso, e acreditando que a transferência só vá ocorrer em cerca de dois anos, Ari continua a fazer a manutenção de sua casa, da canoa e das redes que usa nas pescarias.
“Se o novo local puder comportar todos que moram aqui eu aceito”, disse o eletricista Paulo Roberto Zechini, 53 anos, há quatro morando na Ponta do Leal. “A união aqui é muito grande e se um morador está com alguma dificuldade todos ajudam até a pessoa se livrar do problema”, destacou, citando um incêndio ocorrido numa casa da comunidade. “Os moradores fizeram um cordão com baldes de águas, impedindo que o fogo atingisse outras casas”, contou.
Uma das primeiras moradoras da Ponta do Leal, Ivone Fernandes da Rocha, transferiu-se de Rio do Sul para Florianópolis após as enchentes de 1984 e não quer deixar o local. “O pessoal diz que isso aqui é uma favela, mas é uma comunidade. Se hoje a gente está sem emprego ou com dificuldades, amanhã juntamos um dinheiro e melhoramos a casa”, destacou. Casada e com dez filhos, ela está preocupada com o tamanho do futura habitação – cerca de 36 metros quadrados, insuficiente para uma família tão grande.
Pesca artesanal serve para subsistência e comercialização
Camarões, tainhas, linguados e corvinas caem nas redes dos pescadores da Ponta do Leal todos os anos, em quantidade suficiente para sustentar os familiares e vizinhos, sobrando um pouco para ser vendido nas ruas ou em uma peixaria das imediações. “O linguado vai para a peixaria e o restante a gente come ou vende pelas casas do bairro”, explicou o pescador Ari Menezes.
Ele atua com uma canoa de cinco metros de comprimento e três redes, sendo uma para os camarões, outra para os linguados e a terceira (rede feiticeira) para peixes maiores como as tainhas, tainhotas e corvinas, entre outros. “Mais da metade das pessoas aqui trabalham na pesca e por isso não queremos deixar a beira do mar, pois não teremos como cuidar dos nossos equipamentos”, destacou Ari.
As pescarias são feitas nas águas da Baía Norte, com poucos deslocamentos até a Baía Sul, devido ao pequeno tamanho das embarcações. Além da canoa de Ari Menezes, são usadas baleeiras e botes nos deslocamentos e umas poucas tarrafas nos costões da região ou na beira da praia do Balneário.
Ex-pescador preocupado com pagamento de prestações
A região da Ponta do Leal, onde havia um atracadouro da empresa Texaco para o desembarque de combustíveis, começou a ser ocupada em 1965 pelo pescador Alonso Carvalho, hoje com 61 anos de idade, vindo de São Francisco do Sul. “Eu trabalhei como pescador embarcado e sempre passava por aqui”, lembrou. Quando estava com 21 anos de idade, deixou a cidade natal em direção a Florianópolis.
Além da pesca, trabalhou como vigia e depois se tornou funcionário da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan). “Tive que buscar um emprego fixo pois o peixe aparece uma hora, depois some, então a gente fica sem ter o que comer”, disse. É essa sua ligação com o mar que o faz resistir à anunciada transferência de local de moradia, “pois gostaria de continuar aqui”.
Apesar de habitarem casas improvisadas, quase todas feitas de madeira e umas poucas de alvenaria, junto a uma saída do esgoto tratado da região do Estreito, eles preferem permanecer onde estão. Ou então ser colocados numa área com as mesmas características. “Aqui não tem tráfico de drogas, não tem marginalidade. Todos se respeitam e isso torna as nossas vidas muito tranqüilas”, destacou Carvalho.
Essa união e solidariedade dos moradores é útil principalmente nos momentos de dificuldades: aqueles que estão desempregados ou com problemas de saúde recebem a ajuda imediata de vizinhos e familiares. “O pessoal ganha pouco mas trabalha bastante. Com o salário que se ganha fica difícil viver, mas o pessoal dá um jeito e, mesmo apertado, vai vivendo”.
Outra situação que preocupa Carvalho e demais moradores da Ponta do Leal é com o custo das casas e apartamento em que vão morar. O comentário que circula entre eles é de que terão que pagar R$ 60,00 mensais pelo novo lar, valor que pode chegar a R$ 80,00 ou R$ 100,00 depois que a obra for iniciada. “Nós vamos pagar, não estão nos oferecendo nada de graça”, assinalou Ari Menezes.
Cidade precisa 120 mil casas para resolver questão habitacional
Para que todos os moradores de Florianópolis possam residir adequadamente, seriam necessários 120 mil novos apartamentos e casas na cidade, segundo o secretário Atila Rocha, com base em levantamentos da Companhia de Habitação do Estado (Cohab). “Atualmente contamos com 16 mil famílias morando em condições precárias nas diversas favelas do município”, disse o secretário.
Essas cerca de 16 mil famílias representam aproximadamente 60 mil pessoas, com rendas entre zero e três salários mínimos. Para tentar solucionar o problema, a secretaria da Habitação e Saneamento encaminhou 27 projetos ao Ministério das Cidades, obtendo a aprovação de dois – um para o pessoal da Ponta do Leal e outro destinado aos moradores da comunidade Boa Vista, na região da Carvoeira (Trindade).
“No momento estamos aguardando a avaliação que a Caixa Econômica Federal faz dos dois projetos aprovados em Brasília, para que possamos iniciar as transferências das famílias”, destacou o secretário. Na prática, isso significa que o processo final deve ser desencadeado dentro de um ano e meia a dois anos, quando as casas e apartamentos estiverem concluídas.
(Celso Martins, A Notícia, 29/06/2006)
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1 Comentário
Na Wikipedia tem – se a seguinte definicao de favela, (ops, desculpe… comunidade, que e o nome politicamente correto): Favelas (definicao) – é qualquer agrupamento construído que tenha sido resultado de invasão de terrenos públicos ou particulares).
Se e irregular, porque nao e removido???
Como a invasao acontece sem ser notada???
O Estado trabalha para o publico ou para si proprio????
Defendo manifestacoes por parte das comunidades regulares para a remocao das irregulares ou urbanize o que esta fora do padrao!!!