O número de crimes em Santa Catarina cresce em proporção muito maior do que os recursos à disposição dos policiais para solucioná-los. Dentre outras medidas para mudar este quadro, o governo do Estado criou o Instituto Geral de Perícias (IGP), reunindo os institutos de Criminalística, Análises Laboratoriais, Identificação e Médico Legal, em janeiro do ano passado.
Mas o trabalho de investigação e produção de provas continua esbarrando num problema: a defasagem de pessoal especializado, que se traduz num acúmulo de processos à espera de laudo pericial.
O caso do Instituto de Criminalística é emblemático neste sentido. Em 1992, seu setor de Balística Forense, contando então com quatro peritos, realizou 196 perícias em armas. Embora o setor disponha de apenas três especialistas, o número de laudos ultrapassou a casa dos mil entre janeiro e novembro de 2005.
Além disso, a Balística Forense recebe de 130 a 140 solicitações para exames todos os meses. Os laudos de alguns deles, como o de comparação microscópica para determinar de que arma partiu um projétil, demoram até quatro dias para ficarem prontos. Há apenas dois peritos habilitados para realizar exames de balística em Santa Catarina – outros 58 no país inteiro -, mesmo que o IGP reconheça que 96% dos assassinatos no Estado envolvam armas de fogo. Resultado: mais de 2,1 mil exames de balística aguardando na fila.
Casos de flagrante ou que vão a júri popular têm prioridade
– Eu volto na segunda-feira assustado (com a quantidade de novas solicitações) – diz um perito que prefere não se identificar.
Casos de flagrante ou que estão prestes a ir a júri popular têm prioridade, explica o perito Miguel Colzani, gerente do Instituto de Criminalística. Mesmo assim, ele avalia que a falta de pessoal gera atraso nos procedimentos jurídicos. E não apenas em relação à Balística Forense.
O setor de Informática, responsável por apurar crimes – de fraudes bancárias na Internet a redes de pedofilia -, enfrenta limitações sérias com pessoal. Um perito e dois estagiários recebem de 10 a 12 casos por mês – média quatro vezes maior do que a registrada em anos anteriores.
Tecnologia usada na ficção vira realidade
Apesar das evidentes doses de ficção, uma parte da tecnologia apresentada em séries de televisão, tais como CSI: Crime Scene Investigation, que retrata o trabalho da polícia forense norte-americana (veja quadro), já integra o cotidiano dos investigadores catarinenses.
O setor de Documentoscopia do Instituto de Criminalística que, entre outras coisas, apura a veracidade de documentos, já conta com um comparador espectral de vídeo (video spetral comparator).
O equipamento, que custou R$ 750 mil, usa diferentes comprimentos de onda de luz e filtros para revelar marcas nestes documentos, mesmo as invisíveis a olho nu. Também permite a sua visualização ampliada, com resolução suficiente para se observar as fibras do papel.
O comparador espectral de vídeo facilita o trabalho dos peritos no desmascaramento de carteiras de motorista ou notas falsas – as preferidas dos falsários são as de R$ 20 e R$ 50 -, o que, espera-se, dobre a produtividade do setor em breve.
– As falsificações de carteiras de motorista vêm crescendo em Santa Catarina em função do alto valor cobrado nos centros de formação de condutores – explica um perito que trabalha no setor.
A emissão de carteiras de identidade, responsabilidade do Instituto de Identificação, também faz uso da tecnologia no combate à criminalidade.
Existem, hoje, 16 mil catarinenses cadastrados por meio no sistema Afis (do inglês Sistema de Identificação por Digitais Automatizado), 15 mil na Capital e o restante em Criciúma, Rio do Sul e São Miguel do Oeste.
Isso significa que toda nova digital inserida no sistema pode ser comparada às já existentes num banco de dados centralizado, dificultando a vida dos estelionatários, por exemplo.
Laboratório de DNA deve ser inaugurado em março
A grande expectativa do Instituto Geral de Perícias, no entanto, gira em torno da prometida instalação de um laboratório de DNA forense no Instituto de Análises Laboratoriais.
– O índice de crimes sem solução é multiplicado por cinco com a falta de um laboratório de DNA – avalia o gerente do Instituto de Criminalística, Miguel Colzani.
Seguindo na mesma direção, o promotor de Justiça Paulo Locatelli considera imprescindível sua disponibilidade.
Explica-se: atualmente, a polícia e a Justiça catarinenses têm de recorrer a outros estados – ao Rio Grande do Sul, principalmente, pioneiro nesta área -, para realizar exames de DNA, o que não lhes permite exigir qualquer tipo de prioridade, nem mesmo prazos de entrega dos laudos.
O espaço físico para o novo laboratório já está pronto, na sede do IGP, no Bairro Itacorubi. Segundo acordo firmado com o governo do Estado, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) prepara edital de licitação para a compra de um seqüenciador de DNA, com valor estimado em R$ 840 mil.
O restante dos equipamentos e periféricos, que custarão outros R$ 540 mil, ficará por conta da Secretaria de Segurança Pública.
De acordo com o o secretário Ronaldo Benedet, o edital concernente ao que cabe à sua pasta já está pronto. Ele estima que o laboratório de DNA esteja funcionando a partir de março.
Produção maior de provas facilitaria ação da Justiça
“Da prova nasce a verdade” diz o lema do IGP. A máxima nem sempre é favorável aos promotores de Justiça. Não são raros os memorandos expressando descontentamento com a demora na produção de provas periciais que chegam ao promotor Paulo Locatelli, do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público Estadual.
Locatelli explica que este tipo de prova é considerado mais concreto, pois não dá margem a dúvidas.
– Muitas vezes temos a palavra da vítima contra o réu. (A prova pericial) condena com tranqüilidade e certeza – diz.
Por outro lado, o número excessivo de processos à espera de um laudo acaba exercendo um efeito contrário. Além de prejudicar os trabalhos da polícia e da Justiça, alguns casos chegam até a prescrever por falta de provas. O promotor considera que o problema está ligado à carência de pessoal especializado no IGP e defende que novas vagas sejam abertas para todo o Estado.
– No contexto geral, o Instituto Médico Legal é o que está em piores condições – afirma Locatelli.
Ele exemplifica as dificuldades enfrentadas pela Justiça citando o caso de vítimas de agressão em Tijucas, que devem se dirigir ao IML de Itajaí, no Vale, para realizar exames de corpo de delito. As distâncias, por si só, já serviriam de desestímulo e contribuiriam para criar um clima de impunidade. Pior: muitas vezes a prova gerada revela-se deficitária devido ao tempo que separa a agressão e o exame.
– Infelizmente, nossos equipamentos estão muito sucateados. Estávamos subordinados à Polícia Civil, que não dava prioridade para a perícia – lamenta o diretor do IGP, Giovani Andrino, ao lembrar que alguns IMLs do Estado ainda utilizam picapes Pampa ano 1986.
Eduardo Kormives – DC, 09/01
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