Lançado em novembro de 2020, o Relatório Mundial das Cidades aborda o valor sustentável da urbanização como tema central. Em seu sexto capítulo, “Inovação, tecnologia e o valor da urbanização sustentável”, dedica atenção especial à inovação e tecnologia, domínios que as cidades lutam para equilibrar ao desenvolvimento sustentável. Atualmente, com bilhões de pessoas conectadas por dispositivos móveis, possibilidade de acesso ao conhecimento sem precedentes e avanços em campos como inteligência artificial, robótica, internet das coisas (IoT), impressão 3D e computação quântica, tecnologia e inovação avançam remodelando economias, sociedades e padrões de urbanização.
Cidades inteligentes, inovação e tecnologia
Cidades têm desempenhado historicamente um papel fundamental como catalisadoras da “inovação” e desenvolvimento de novas tecnologias, conhecimentos, métodos de produção e arranjos institucionais, tornando-as centros de riqueza, oportunidade, diversidade e criatividade. Ao mesmo tempo, diferentes populações e comunidades que vivem nas cidades, e traduzem em densidade, diversidade e números, podem também desencadear problemas urgentes em áreas como mobilidade, logística, segurança, saúde e desigualdade, desafios globais que necessitam de soluções inovadoras que alavanquem os pontos fortes da vida urbana.
Algumas cidades colhem benefícios diretos e indiretos da inovação tecnológica, tanto pela atração de empresas de tecnologia, que as escolhem em função da concentração geográfica de talentos especializados e diversificados e de empresas em áreas semelhantes ou complementares, quanto pela capacidade urbana gerada para abordar novos problemas. No contexto da pandemia de COVID-19, as cidades abrigam mais de 90% dos casos confirmados de coronavírus, mas também as principais unidades de saúde, instituições de pesquisa que trabalham para desenvolver vacinas e empresas de tecnologia que produziram ferramentas e recursos que possibilitam que milhões de pessoas trabalhem e estudem em casa durante esse período.
Um dos resultados desse movimento ligado à inovação e tecnologia nas cidades foi o surgimento do rótulo “cidade inteligente”, comumente promovido por corporações multinacionais e outras empresas com interesses financeiros no desenvolvimento de tecnologia para o espaço urbano. Estas tecnologias incluem aplicativos para smartphones, painéis de dados da cidade, telas de informações em espaços públicos, centros de operações, plataformas voltadas ao público com informações e mecanismos de feedback, análise de big data e sensores para monitorar e compartilhar informações sobre o fluxo de tráfego de veículos, água, infraestrutura, energia e transporte público, entre outros domínios.
Em sua forma mais otimista, uma cidade inteligente pode ser definida como uma ‘cidade inovadora que usa tecnologias de informação e comunicação e outros meios para melhorar a qualidade de vida, eficiência da operação e serviços urbanos e competitividade, garantindo as necessidades das gerações presentes e futuras no que diz respeito aos aspectos econômicos, sociais, ambientais e culturais’ (p. 192)
Os governos locais estão comprando e investindo cada vez mais em tecnologia com o propósito de desenvolver cidades inteligentes. Porém, além da pressão para que adotem tecnologias, produtos e serviços destas empresas, também há que se considerar a problemática relacionada a como a tecnologia deve ser usada nesse contexto, incluindo perturbações no mercado de trabalho, potencial aprofundamento da desigualdade e segregação social, aumento da vigilância e dificuldade para que os sistemas regulatórios e as capacidades municipais acompanhem o ritmo dessas mudanças e possam gerenciar seus riscos.
Esta dinâmica contrasta com a inovação urbana de sucesso que prioriza os cidadãos. Assim, além de adotar ou gerenciar tecnologias promovidas pelo mercado, cidades devem facilitar processos para que a tecnologia e a inovação surjam num movimento de baixo para cima (bottom-up), abordando seus problemas e desafios enquanto beneficia especialmente seus habitantes. Cidades abertas e inclusivas encorajam respostas criativas de seus cidadãos, tornando-se “laboratórios cívicos” para promover a inovação necessária.
A ONU-HABITAT, em seu Relatório Mundial das Cidades 2020, apresenta algumas recomendações às cidades para que possam inovar e alavancar a tecnologia, considerando o valor da urbanização sustentável e contribuindo para resolver desafios globais. Abaixo os tópicos abordados:
1 O que é inovação e por que isso é importante?
Em termos gerais, inovação se refere a novas ideias, métodos, abordagens e conhecimentos que são aplicados para resolver problemas. É um meio crítico para cumprir a agenda de desenvolvimento internacional relacionada à urbanização sustentável e um fim desejável em si mesmo por trazer melhorias por meio de novas ferramentas, produtos e formas de trabalho.
Isso quer dizer que, embora possa incluir o desenvolvimento de novas tecnologias, inovação vai além delas, implicando também mudanças nos métodos de produção e arranjos institucionais, ecológicos, sociais e políticos. Com o mundo se urbanizando rapidamente, em um contexto de graves desafios urbanos e necessidade de transição rápida para economias e desenvolvimento urbanos sustentáveis, as cidades precisam inovar para criar novos caminhos e soluções que garantam um futuro urbano melhor.
Existe um reconhecimento crescente de que as cidades podem servir como plataformas de inovação, criatividade e geração de conhecimento. As cidades também podem atrair atores para redes de colaboração e apoiar ecossistemas de inovação que impulsionam as mudanças necessárias em áreas específicas, seja apoiando competições, convocando reuniões ou aproveitando para incubar a inovação.
Ainda que esta seja frequentemente associada a empresas startups e empreendedores de tecnologia que buscam alcançar objetivos econômicos, portanto emergindo dentro do setor privado, inovações urbanas ocorrem dentro de formas complexas de governança em rede. Nesse contexto, governos desempenham papel fundamental em parceria com o setor privado, como supervisores, criadores de redes com outros atores-chave, condutores da mudança em direção ao bem público e canalizando investimentos. Governos também podem ser inovadores, criando novas tecnologias ou desenvolvendo inovações que melhorem seus processos e entregas.
2 Tecnologia cívica para inovação urbana
O conceito de tecnologia cívica é mais centrado nas pessoas e visa apoiar processos participativos e democráticos, de baixo para cima, que gerem soluções criativas e sensíveis ao contexto. Enquanto os fornecedores de tecnologia externos, oriundos do mercado, trazem habilidades e experiência, a inovação desenvolvida localmente, que não exige habilidades ou alta tecnologia, costuma enfrentar desafios no acesso a capital e suporte, evidenciando a necessidade de as cidades reconhecerem e apoiarem seus sistemas de inovação internos.
As tecnologias de cidades inteligentes permitem uma coleta de dados mais descentralizada no nível da cidade, permitindo que a sociedade civil e os cidadãos se envolvam nessa atividade, seja com seus telefones, com trilhas de dados de atividade online, iniciativas de citizen science ou outras formas, monitorando a prestação de serviços, a medição de indicadores e participando da governança e da tomada de decisão.
Um bom exemplo disto durante a pandemia de COVID-19 foi o uso de aplicativos de smartphone para localizar geograficamente os movimentos das pessoas em relação ao status da doença de outros usuários também geograficamente localizados, informando e ajudando os cidadãos a evitar locais onde possam ser infectados. Outros aplicativos facilitaram o rastreamento de contato no caso de infecção por indivíduos cujos telefones celulares estão conectados. Diversas inovações durante a pandemia foram importantes para manter as pessoas seguras, produtivas e conectadas.
3 Empresas de tecnologia e as cidades inteligentes
A demanda e o mercado global de cidades inteligentes estão crescendo rapidamente, com expectativa de chegar a US$ 3,48 trilhões em 2026, criando enormes oportunidades para empresas de tecnologia. Estas, por sua vez, oferecem cada vez mais produtos e serviços de cidades inteligentes para prefeituras, outras empresas e até mesmo para os cidadãos. Porém, experiências anteriores em diferentes partes do globo, tais como a pioneira Songdo, mostram as limitações de bairros e cidades projetados em parceria com incorporadores, investidores e empresas de tecnologia, engenharia e arquitetura, em vez de projetados por e para pessoas, alinhados aos objetivos das cidades e dos cidadãos, numa perspectiva bottom-up.
4 Cidades inteligentes bottom-up: laboratórios urbanos, dados abertos e o movimento de código aberto
Para tornar suas cidades lugares melhores para viver, as pessoas estão buscando cada vez mais formas de inovar, seja por meio de parcerias, coletivos, desenvolvimento de software ou compartilhamento de dados abertos. O governo pode contribuir nesse sentido, monitorando condições locais, fornecendo novas ideias, envolvendo os cidadãos na definição de prioridades, orçamentos participativos e outras políticas e programas.
O movimento de “dados abertos” ou “governo aberto” torna disponíveis ao público as informações sobre as operações da cidade, tanto com o objetivo de informar quanto de inspirar a criação de novas ferramentas, aplicativos ou análises a partir desses dados. Dados bem administrados refletem responsabilidade e transparência, promovendo abertura e participação pública.
Com uma grande variedade de dados é possível também criar competições, “hackathons” e desafios de inovação, visando reunir e aproveitar ideias, talentos e pessoas no enfrentamento de desafios específicos, tática usada de forma eficaz por diversas cidades. Entretanto, para transformar os dados abertos em um recurso utilizável em tais ações, são necessárias tecnologias de apoio que construam, organizem e compartilhem tais dados num formato padronizado.
Além de dados abertos, softwares de código aberto são uma alternativa de baixo custo que beneficiam empreendedores, pesquisadores e analistas. Comunidades locais e empresas de tecnologia também têm estabelecido parcerias com universidades em laboratórios urbanos para tratar de problemas urbanos, investindo em colaboração, redes e pesquisa para gerar novos projetos, produtos, serviços e negócios com orientação cívica.
5 Cidades inteligentes e a geografia desigual da inovação tecnológica
Embora seja difícil medir com precisão, a geografia da inovação tecnológica é marcada por desigualdades que se expressam em diferentes níveis: dentro e entre áreas metropolitanas, entre áreas metropolitanas e áreas rurais e entre cidades e países. Um exemplo é a Baía de São Francisco, nos EUA, atualmente o maior ecossistema de inovação tecnológica do mundo. Esse ecossistema concentra em seu território diversas empresas gigantes de tecnologia, mais ricas e poderosas do que muitos países, impactando não apenas a governança da cidade em que se encontram, mas também políticas e mercados globais. Outro ponto destacado é que grandes redes e empresas de inovação tecnológica estão quase sempre localizadas em cidades que costumam atrair jovens trabalhadores com alto nível de escolaridade e membros da classe criativa, enquanto outras são deixadas para trás.
Além disso, inovação tecnológica requer investimento público em pesquisa e desenvolvimento (P&D), capital de risco e financiamento para novos projetos ou empreendimentos, componentes distribuídos de forma desigual em todo o mundo. Cidades com mais recursos, por exemplo, costumam investir em distritos de inovação, espaços de incubação e aceleração, centros de pesquisa, assim como na elaboração de políticas e incentivos para empresas de tecnologia.
6 Cidades inteligentes, exclusão digital, privacidade de dados e os perigos das novas tecnologias
O movimento em direção a cada vez mais automação e digitalização nas cidades também apresenta alguns riscos, como exclusão digital, desigualdade no acesso aos benefícios das novas tecnologias, controle de dados, colonialismo digital, questões de privacidade e vigilância, uso político indevido e outros impactos sobre trabalho, pobreza e comunidades. Ainda que o uso da internet e dos telefones celulares esteja se expandindo globalmente, mesmo em áreas mais ricas há uma população offline que enfrenta barreiras de renda, acessibilidade, infraestrutura e capacidade do usuário.
Além da exclusão, outro problema discutido frequentemente é a proteção de dados dos cidadãos, a qual perpassa por questões éticas e políticas em torno do uso da tecnologia para vigilância e manipulação. Essa desperta a necessidade de desenvolver leis, programas educacionais e políticas voltadas à proteção de dados dos usuários. As cidades também enfrentam o desafio de encontrar maneiras de gerenciar e regular os novos serviços de empresas de tecnologia e a forma como elas atuam no espaço urbano.
7 A importância da governança e dos direitos digitais em cidades inteligentes
Enquanto o poder de empresas de tecnologia e as mudanças tecnológicas continuam a crescer, governos são pressionados a proteger as cidades contra os efeitos negativos e aprimorar os aspectos positivos da tecnologia, garantir um ambiente regulatório abrangente e funcional que atenda a gama de aspectos ligadas ao bem-estar e segurança da população, implementar arranjos institucionais, construir confiança, guardar direitos dos cidadãos e assumir responsabilidade na governança.
Observações finais e lições do Relatório Mundial das Cidades 2020
Apesar dos desafios regulatórios e de acesso, os avanços em tecnologia e inovação maximizam o uso de recursos e ativos locais no enfrentamento dos desafios urbanos. A tecnologia é mais eficaz para a urbanização quando aproveitadas para o benefício da maioria e quando apoiam a governança e a inovação da cidade, incluindo participação democrática e engajamento cidadão. Entretanto, tecnologias não substitutas da governança. Explorar novas maneiras de envolver seus habitantes para garantir equidade e justiça, pode ser um ponto crítico para enfrentar esses desafios. As cidades estão acelerando o surgimento de inovações por conta própria, com processos bottom-up, e devem apoiar ainda mais esta tendência.
Fonte dos destaques: World Cities Report 2020 – The Value of Sustainable Urbanization (ONU-HABITAT, 2020). Acesse o Relatório Mundial das Cidades.
*Este texto foi originalmente publicado no portal Urban Studies em 18 de Janeiro de 2021.
(VIA – Estação Conhecimento, 21/02/2021)
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