“De passagem pela Ilha, fui ao lugar onde morei e brincava quando criança. É uma área verde, com um córrego, um lugar que era lindo nos anos 1980 e agora transformaram num lixão a céu aberto. Fiquei revoltado, envergonhado e muito triste”. O relato do ator manezinho Ivo Müller na última semana é um exemplo de que como muita gente se sente ao percorrer Florianópolis. E os números refletem essa realidade: segundo a Comcap, há 170 pontos de descarte irregular de lixo na cidade.
Não é preciso muito esforço para encontrar, nas principais vias e em muitos terrenos baldios, verdadeiros lixões a céu aberto com todo o tipo de rejeitos. Eletrodomésticos quebrados, móveis velhos e peças de carro se misturam a fraldas sujas, restos de comida, caixas de leite, seringas usadas e até carcaças de animais. Tem de tudo nessa grande festa imunda que abre o salão para ratos, baratas e outros transmissores de doenças.
— Começa com madeira podre e uma televisão quebrada, mas, sabe como é, lixo atrai lixo. É uma bola de neve. Em questão de dois ou três dias tem tanto lixo acumulado que é uma visão assustadora — comenta o gerente do Departamento de Coleta da Comcap, Ulisses Bianchini.
O descarte irregular de lixo é crime ambiental, previsto na lei federal 9.605/1998. Somente em 2016, a Comcap realizou mais de 700 notificações — uma média de quase duas por dia. Ainda que o lixo domiciliar descartado de maneira inadequada represente um perigo à saúde pública e à limpeza urbana, atualmente são os entulhos de obras e os estragados os maiores problemas para a companhia.
— Estão colocando restos de construção em cima das calçadas, embaixo de passarelas e nas margens das vias. Como os papa-entulhos não têm local licenciado para o descarte, acabam largando nesses pontos irregulares — lamenta o presidente da autarquia, Carlos Alberto Martins.
De acordo com os técnicos da Comcap, quem acaba fazendo esse descarte irregular são os chamados “freteiros”, que são contratados pela população para “dar um fim” aos entulhos acumulados nas caçambas de rua.
— Como eles conseguem cobrar R$ 100 por caçamba se para descartar uma tonelada de entulho (capacidade média das caçambas) o custo é de cerca de R$ 150? É uma conta que não fecha. Na verdade, o “freteiro” clandestino nem faz essa conta, porque ele não tem a preocupação com a destinação final do entulho — denuncia Bianchini.
A Comcap tem um aterro de inertes capacitado para receber entulhos de obras, por exemplo, mas a população precisa levar esses rejeitos para um dos quatro Ecopontos instalados na cidade — Itacorubi, Capoeiras, Monte Cristo e Morro das Pedras. A entrega é gratuita e cada cidadão pode levar até um metro cúbico (cerca de uma tonelada) para o ponto de descarte autorizado.
— Gasta-se dinheiro para fazer o recolhimento desse lixo descartado em local irregular. É isso que a população precisa entender. Quanto mais caminhão na rua para fazer além daquilo que temos como obrigação, mais cara vai ser a conta. Não tem saída — comenta Martins.
Sem classe
Há quem diga que jogar o lixo de qualquer maneira, em qualquer lugar, é falta de educação. Há quem diga que, talvez pela baixa qualidade do ensino público, essa prática seja mais comum nos bairros mais carentes. Nada mais distante da realidade do que esses preconceitos. Para o presidente da Comcap, o descaso com o descarte de rejeitos não depende da classe social.
— É uma coisa assustadora. Achamos até uma seringa no lixo da Sociedade Hípica Catarinense. Estamos falando da Hípica, não de bairros da periferia. Falta consciência ao pessoal mais intelectualizado — critica Carlos Alberto Martins.
Nas áreas mais vulneráveis, muitas vezes de difícil acesso para os caminhões que fazem a limpeza urbana, eventualmente o lixo também é descartado de qualquer jeito. A falta de contentores e de espaço físico para o armazenamento adequado até a chegada dos trabalhadores da Comcap explica o descarte inadequado nos bairros mais pobres da capital catarinense. Mas o que explica essas práticas nos bairros mais abonados?
— O rico, lamentavelmente, tem aquele discurso “eu pago meus impostos” e acha que pode fazer o que der na telha. Eles precisam enxergar que o pessoal que faz a limpeza está exercendo uma atividade pública e parar de tratá-los como lixo — critica o presidente da Comcap.
Horta e pomar no combate ao lixo
Uma das maneiras mais eficazes para combater o descarte irregular de lixo pode partir da própria população. Exemplo disso é a comunidade da Vila Aparecida. Onde antes havia uma pilha de entulhos, móveis e eletrodomésticos quebrados e lixo domiciliar, com quase dois metros de altura, hoje há um pomar e uma horta comunitária.
— Ali tinha de tudo. Os moradores viram nosso trabalho de remoção do entulho e decidiram se mobilizar. Espontaneamente, fizeram um jardim e plantaram árvores. Vendo isso, a Comcap decidiu ajudar e forneceu o composto para o solo — conta Ricardo Alexandre Nunes, gerente de Divisão de Remoção.
Na manhã da última quarta-feira, Djonatan Fernandes e amigos trabalhavam no jardim comunitário. De acordo com o rapaz de 22 anos, que trabalha como motoboy, esta foi a maneira que os moradores do bairro encontraram para evitar que o local volte a ser um lixão a céu aberto.
— Antes tinha geladeira, sofá, cama, fogão, entulho, lixo comum e mais um monte de tralha caindo pelos barrancos. Agora, temos pé de pitanga, mamão, laranja, bergamota, espada de são jorge, babosa… É um começo, aos poucos a gente vai melhorando — comenta Djonatan.
Vendo a mobilização da rapaziada, a aposentada Aparecida Alves de Assis, de 63 anos, trocou o descanso pós-cirurgia para ir dar uma ajudinha, nem que fosse um apoio moral aos vizinhos.
— Ficou ótimo, nota 10. Agora o pessoal tem que conservar e parar de jogar o lixo aqui. Tem que respeitar — disse.
Como fazer o descarte correto?
Para o descarte do lixo domiciliar, não há segredo. Basta ficar atento à agenda de coleta da Comcap, embalar o lixo direitinho em sacolas plásticas e colocá-los nos contentores disponíveis nas ruas e condomínios.
Quanto aos recicláveis, o ideal é que sejam separados por grupo — papéis, metais, vidros, plásticos, isopor, etc. A Comcap tem uma agenda de coleta de resíduos seletivos, mas é possível deixá-los diretamente em um dos quatro ecopontos disponíveis na cidade, assim como fazem Jair Ramos, de 64 anos, morador do Jardim Atlântico, e Antonio Canarinhos, de 67 anos, morador de Capoeiras.
— Venho umas duas ou três vezes por mês deixar todo reciclado que tenho em casa. Muitas vezes, o pessoal acumula o lixo em casa e depois joga de qualquer maneira, mas tem o local certo para levar — disse Jair.
— Eu venho duas ou três vezes por semana. Trago plástico, ferro e o que mais estiver sobrando lá em casa. Isso aqui é uma maravilha, porque a gente não precisa deixar o lixo do lado da estrada. Todo o município ganha com isso — comenta Antonio.
O que entregar nos Ecopontos?
– Eletrônicos: televisão, monitor, teclado, mouse, celular, impressoras, etc.
– Entulho: resíduos de construção e demolição, como tijolos e telhas (até 1 m³ — volume de caixa d’água de mil litros)
– Madeira: até 1 m³ — volume de caixa d’água de mil litros
– Pilhas e baterias: até 10 unidades
– Óleo de cozinha: até cinco litros
– Pneus: até quatro unidades
– Podas de árvores: até 1 m³ — volume de caixa d’água de mil litros
– Recicláveis: plástico, papel, isopor, metais, arame, vidros, etc. (até 500 litros — cinco sacos grandes)
– Volumosos: móveis, sofás, colchões, etc. (até quatro volumes)
Endereços dos ecopontos
– Itacorubi: Rod. Admar Gonzaga, 72 — de segunda a sábado, das 7h às 19h, e domingo, das 7h às 12h
– Capoeiras: R. Prof. Egídio Ferreira, s/n — todos os dias, das 7h às 19h
– Monte Cristo: R. Joaquim Nabuco, 3000 — todos os dias, das 7h às 19h
– Morro das Pedras: R. Francisco Vieira, 198 — segunda a sexta, das 7h às 16h.
(Hora de Santa Catarina, 05/08/2017)
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