A invasão da área particular às margens da SC-401 completa 40 dias. Desde quarta-feira está proibido o ingresso de novas pessoas no acampamento, por determinação do juiz agrário Jefferson Zanini, que decidirá sobre a posse da área. Os dados das pessoas que vivem na área invadida devem estar na lista que os organizadores entregam hoje, às 17h, à ouvidoria do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
“Estamos registrando os moradores e vamos entregar a lista às 17h desta sexta-feira, dentro do prazo dado pela Justiça”, disse o porta-voz do acampamento Rui Fernando Silva, 49 anos. O número de pessoas acampadas não é exato. Até quarta-feira a organização falava em 400 famílias. Ontem o total informado foi de 450.
Cadastro dos moradores começou na quinta-feira
Quem vai receber a lista é o ouvidor agrário do Incra, Fernando de Souza, que visitou o acampamento ontem, enquanto a quipe do Notícias do Dia acompanhava parte da rotina dos acampados. “Cada um ajuda como pode”. É assim que Rui define o modo de vida na área. Aposentado da Casan e ex-integrante do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), ele explica que o único motivo para as 450 famílias optarem por se juntar à invasão é a necessidade de ter uma moradia.
A organização dividiu tarefas em subgrupos, que cuidam de determinado setor, como alimentação e segurança. “O nosso próximo objetivo é a formação de uma ciranda infantil, que é um tipo de creche, e também o EJA (Educação para Jovens e Adultos) aqui no acampamento”, anunciou Rui. “O povo não consegue mais sobreviver. Se paga o aluguel, não tem dinheiro para comer”, afirmou.
Filiado ao PCB, ele afirma que não pretende se candidatar a algum cargo político. “Querem reduzir a nossa luta a uma questão eleitoral. Estou apenas participando de uma comunidade”, garantiu.
Oficial da PM irá mediar conflito
Em Chapecó, o comandante do Estado Maior da 4ª Região da Polícia Militar, major Edvar Fernando da Silva Santos, com jurisdição na região fronteiriça do Oeste catarinense, já se prepara para uma missão especial. Requisitado pelo juiz Jefferson Zanini por sua experiência e histórico de êxitos na intermediação de conflitos agrários no Estado, o oficial será o homem forte da PM na audiência pública do dia 7 de fevereiro. E em futuras negociações entre Justiça, proprietários e lideranças dos acampados.
Apaziguador, a função dele é evitar o confronto. O oficial acompanha as negociações entre as partes em juízo, e, no caso de reintegração de posse, coordena em campo a mediação para cumprimento da ordem judicial. Desarmado, é linha de frente na escolta aos oficiais de Justiça, e atua de forma integrada com os demais órgãos intimados para mediação do conflito – Ministério Público Estadual, Incra, Funai, Procuradoria e secretarias da Habitação e Assistência Social de Florianópolis.
A diferença, desta vez, será o ambiente. Acostumado a mediar ocupações do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) nas regiões Oeste, Planalto e Planalto Norte, em áreas estritamente rurais, o major Edvar desta vez atuará a quatro quilômetros das praias mais movimentadas de Florianópolis. Até esta quinta-feira (23), ele pouco sabia sobre o terreno em questão, nem conhecia as reivindicações do grupo acampado. “Sei que estão ao lado de uma rodovia do Estado, que o proprietário quer a reintegração de posse e que o MST não tem qualquer participação”, disse, por telefone.
A coordenadora estadual do MST, Irma Brunetto, confirmou que não existe articulação com os acampados da SC-401. Disse que soube da invasão pela imprensa, e que o único apoio é político. “Estamos ao lado de todas as lutas da classe trabalhadora. Mas não sabemos de projeto de assentamento para reforma agrária na Ilha”, resume.
A liderança de Rui Fernando, segundo Irma Brunetto, também não está mais vinculada ao MST, mas foi forjada em mobilizações dos sem terra no Planalto. “Ele passou por vários acampamentos, mas nunca teve terra”, garante.
Plano Diretor alterado há 20 anos
Originalmente agrícola, a várzea entre Ratones e Vargem Pequena, que no fim da década de 1980 foi fazenda de cultivo de camarão em cativeiro, mudou de zoneamento pela primeira vez há 20 anos, na última versão do Plano Diretor de Florianópolis. De acordo com a Lei 3.819, de 1993, a área de rural virou urbana para permitir empreendimentos turísticos no local.
Nesse período, o proprietário, o ex-deputado estadual Artêmio Paludo, fez parceria malograda com o grupo Habitasul, de Jurerê Internacional. Atualmente, tem projeto em parceria com o Costão do Santinho para implantação de campo de golfe e, segundo o advogado Camilo Simões Filho, projeto social para crianças das comunidades do entorno – Vargem Pequena e Ratones.
No Plano Diretor aprovado no início deste ano na Câmara de Vereadores, o terreno ocupado é demarcado como AUE (Área de Urbanização Especial). Prevê “grandes áreas urbanizáveis a partir de projeto amplo, que reserva setor predominante para preservação ambiental e adensa a área remanescente, criando novas centralidades caracterizadas pela mescla de funções e espaços humanizados”.
Pelo artigo 113 do projeto, disponibilizada área a OUC (Operações Urbanas Consorciadas) de realização prioritária. Prevê “um conjunto de intervenções e medidas coordenadas ou autorizadas pelo poder público municipal, com início obrigatório num prazo de até dois anos após a aprovação da lei complementar”.
O parágrafo primeiro da lei diz que “as áreas prioritárias para operações urbanas consorciadas deverão ser definidas e delimitadas no Plano Diretor ou em lei específica, que só poderá tramitar por iniciativa do Poder Executivo Municipal e a partir de estudo justificativo da parte do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis).
Advogado abre mão de novo recurso
O encontro com o juiz agrário Jefferzon Zanini, nesta quinta-feira, em Chapecó, não resignou, mas acalmou o advogado Camilo Simões Filho, representante dos proprietários do terreno invadido na Vargem Pequena. A decisão é esperar “com serenidade” a audiência de 7 de fevereiro, na Capital, e abrir mão do prazo processual para entrar com recurso de agravo de instrumento.
“Voltei com a certeza de que é um juiz competente, experiente neste tipo de conflito. Mesmo que nesta ação específica trata-se da posse de um imóvel urbano”, disse, depois da audiência com o magistrado. A estratégia da defesa neste momento é não estender o embate jurídico e apressar a decisão judicial.
Satisfeito com a proibição de novas ocupações, o advogado garante que as contas de água e luz da propriedade continuam sendo pagas pelos proprietários. “Em nenhum momento se cogitou cortar o fornecimento destes serviços básicos às famílias, e tornar ainda mais dramática a situação de crianças e idosos expostos ao relento”, argumenta.
O advogado reitera a condição urbana do terreno e critica o que chama de “manipulação de pessoas humildes pelo sonho do paraíso, da moradia sem aluguel”.
Incra e OAB acompanham cadastramento das famílias
A lista das famílias cadastradas será entregue no fim da tarde desta sexta-feira (24). A garantia foi dada por lideranças dos acampados, durante visita do ouvidor do Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária), Fernando de Souza, e do secretário-geral da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SC (Ordem dos Advogados do Brasil/Santa Catarina), Alexandre Botelho.
Os acampados estão sendo cadastrados por família e individualmente no caso dos solteiros, nominalmente e com respectivo RG. A orientação do Incra, segundo o superintendente regional em Santa Catarina, José dos Santos, é esperar a audiência pública de 7 de fevereiro.
O impasse jurídico criado pela ocupação é acompanhado de perto, também, por duas comissões da OAB/SC. Os posicionamentos são antagônicos.
Para o presidente da Comissão de Direito Agrário e Questões do Agronegócio, Jeferson da Rocha, “trata-se de ação coordenada, cujo objetivo é desestabilizar a ordem pública”. O advogado sugeriu que as polícias Civil e Ambiental “investiguem a ocorrência de crimes e que a Justiça se pronuncie o mais breve possível, para reintegração de posse”.
Na Comissão de Direitos Humanos, o secretário-geral, Alexandre Botelho, defende o “movimento popular formado por um grupo heterogêneo, com inúmeras famílias, crianças, adolescentes, índios e estudantes, com diversas bandeiras de luta”. As reivindicações, pondera Botelho, “devem servir de alerta às autoridades”.
Centro de agronomia critica invasão
O Centro Acadêmico Livre de Agronomia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), citado pelos acampados como uma das entidades apoiadoras, nega participação no acampamento na Vargem Pequena. Segundo o secretário-geral, Eduardo Coelho, a entidade defende o direito constitucional de propriedade privada. “Apoiamos o cumprimento da lei, o proprietário paga IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).
A participação de alunos de agronomia na mobilização no Norte da Ilha, de acordo com a nota do centro acadêmico da UFSC, é individual e ligada a outros movimentos e partidos políticos. “Mas a maioria dos estudantes na UFSC é contrária à ocupação”, reafirma Coelho.
(Notícias do Dia, 24/01/2014)
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