Nesta segunda parte da entrevista, o promotor do Ministério Público do Estado em Santa Catarina, Rui Arno Richter, diz que acompanhou os ataques violentos que os técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de Santa Catarina sofreram depois que não autorizaram a instalação do estaleiro da OSX na cidade de Biguaçu, na Grande Florianópolis. Os técnicos foram acusados, diz Richter, de dar o parecer numa folha só. “Apurei que isso não é verdade. Tem muito material que embasa o parecer deles”.
PortoGente – O senhor tem conhecimento do parecer do professor Paulo Simões Lopes que somente após vir a público foi anexado ao EIA-Rima pela OSX?
Rui Arno Richter – Não tenho conhecimento maior sobre esse assunto, mas faremos um estudo comparativo para verificar o impacto do empreendimento na Baía Norte. Vamos trabalhar num formato comparativo entre todas as análises, de cada item, de todos os órgãos, de modo a termos uma base clara de comparação e conversação. O que me parece é que é tudo muito generalizado, com argumentos não só passionais, mas também parciais. É muito importante o investimento, ninguém nega, é muito importante a preservação ambiental, ninguém nega. Mas só isso não resolve, precisa comparar as situações. Fiquei acompanhando pela mídia um ataque violento aos técnicos do ICMBio local, acusados de dar a resposta numa folha só. Apurei na noite da audiência que isso não é verdade. Tem muito material que embasa o parecer deles.
PortoGente – Quais encaminhamentos o MPE irá tomar sobre os estudos que estão em andamento?
Rui Arno Richter – Acompanhei a audiência pública de Florianópolis, a reunião da Frente Parlamentar e o workshop da Fundação Certi sobre os golfinhos. Não tenho posição tomada. Se tiver elementos faltando por dever iremos questionar em todas as instâncias, como prevê a legislação ambiental. Nosso encaminhamento é de estudo e observação. Segundo o que observamos o órgão que havia negado a anuência estaria revendo sua posição, então vamos aguardar. O ICMBio tem que nos reservar o direito de comparar. O que nos interessa é o caráter técnico das conclusões de um e de outro, inclusive se o ICMBio rever sua posição vamos nos reservar ao direito de comparar com a consistência técnica das conclusões de um e outro, não com torcida organizada.
PortoGente – E sobre os estudos da Fatma (Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina)?
Rui Arno Richter – A Fatma alega que vai aguardar as manifestações das entidades para ter um quadro completo. É uma maneira de fazer, agora teremos que aguardar. Nem temos a confirmação do tal grupo de trabalho composto por vários órgãos de que se falou, só que o ICMBio está reanalisando o que foi feito aqui. Só informações desencontradas, não confirmadas de que teria havido concordância de que o licenciamento é da Fatma.
(Por Vera Gasparetto, Porto Gente, 03/08/2010)
MPE de Santa Catarina investigará processo do empreendimento da OSX
A autorização para a construção do estaleiro da OSX, empresa do Grupo EBX de Eike Batista, não pode sofrer qualquer tipo de pressão, seja do mercado financeiro ou de notícias de que o negócio pode ser transferido para outro estado. A observação é do promotor do Ministério Público do Estado em Santa Catarina, Rui Arno Richter. Em entrevista ao PortoGente, Richter informou que o MPE vai estudar todo o processo realizado até agora e que não se deve ter pressa nesse momento. Na segunda parte da entrevista, que será publicada no dia 3 próximo, o promotor elogia o trabalho realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de Santa Catarina.
PortoGente – O que o senhor considera mais grave em todo esse processo?
Rui Arno Richter – É difícil destacar um ponto específico. Temos questionamentos no conjunto, especialmente na forma como foram tratadas as demais alternativas locacionais, com argumentos rápidos, sem aprofundamento, como é o caso da alternativa de Itajaí, que já tem uma estrutura para isso. Os parâmetros de comparação que levaram ao descarte das demais alternativas não ficaram claros.
PortoGente – Qual será o papel do MPE?
Richter – O MPE está se inserindo na análise. Também estamos analisando melhor as repercussões na qualidade de vida da população da própria Biguaçu, os reflexos potenciais na pesca e na maricultura e num conjunto de atividades econômicas instaladas que poderão ser afetadas na ilha também. Quero me aprofundar no assunto porque os habitantes de Florianópolis precisam ser contemplados nesse estudo.
PortoGente – Como o MPE conduzirá a investigação?
Richter – Trabalho na perspectiva da comarca da Capital e tem também o inquérito civil da comarca de Biguaçu. A partir de agora vamos reunir mais elementos, fazer um trabalho conjunto. Esperamos o posicionamento final do ICMBio, já que foi dito que Brasília teria um encaminhamento com a Fatma, mas que ficou só na notícia, não tem documento oficial sobre isso. Aguardamos uma posição técnica, mas será elaborada uma análise do Eia-Rima dentro dos prazos, que devem ser estendidos porque o caso é mais complexo do que o normal. Vamos pontuar as questões que para nós tecnicamente não estão esclarecidas.
PortoGente – O que o senhor pensa sobre a dicotomia que se criou a favor (o crescimento) e contra (os ecoxiitas)?
Richter – Não se sabe de onde parte a informação da possibilidade de transferência para outro local que criou a fobia da perda do investimento, risco colocado pelo outro lado. O ser humano vive com medo, pelo princípio da precaução, o empreendimento pode afetar a qualidade de vida, por outro lado tem o medo da falta de renda. A imprensa deu que pode ir para o Rio de Janeiro, mas não sei se é uma troca, ou se lá é mais um estaleiro. Não parece que é uma troca. Também não sei de onde saiu essa coisa de prazo, a mídia pressiona pelo prazo, atribuem à Bolsa [de Valores].
(Por Vera Gasparetto, Porto Gente, 30/07/2010)
Cientista contratado pela OSX diz que estaleiro é inviável em Biguaçu
PortoGente teve acesso ao parecer emitido em 9 de abril de 2009 pelo professor Paulo Cesar Simões Lopes, doutor em zoologia e renomado cientista em zoologia aquática. O biólogo foi contratado pela Caruso Jr., que foi contratada pela OSX para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do empreendimento.
Na conclusão do parecer, Simões Lopes diz: “Sugere-se, fortemente, a relocação do empreendimento para outra área, onde já existam complexos portuários fora de baías ou enseadas, de maneira que os efeitos nocivos não sejam potencializados como ocorre nas áreas internas”. Recomenda ainda aos empreendedores que “não aceitem o risco do passivo ambiental, considerando assim a proposta da obra na área como ambientalmente inviável.”
O parecer avalia os impactos do empreendimento sobre os botos-cinza, residentes da área proposta para o estaleiro, dentro da APA Anhatomirim, unidade de conservação federal criada com o objetivo de promover o manejo sustentável da área e garantir a preservação da população de golfinhos, ameaçada de extinção.
Simões Lopes aponta no trabalho de 18 páginas que a sobreposição espacial e a finalidade do empreendimento “agravará os impactos pré-existentes na área e gerará novos vetores de pressão sem precedentes sobre a população de botos-cinza”. Entre os impactos, destacam-se:
– Perda de habitat e degradação ambiental: a dragagem gera uma alteração completa de fundo, uma nova topografia que será danosa aos recursos alimentares do boto-cinza, bem como as condições do habitat. Aponta que os impactos serão gravíssimos, permanentes e irreversíveis.
– Perda sócio-econômica e paisagística: a destruição da fauna de fundo, devido a dragagem, afetará todas as comunidades humanas litorâneas do entorno do empreendimento, principalmente a pesca e a vocação turística de Florianópolis e região.
– Poluição química: aumento de riscos de vazamento de óleo combustível devido a circulação de embarcações, que afetará a cadeia alimentar e as praias e populações da costa continental da Baía Norte, nos casos de vento nordeste. O vento sul lançará óleo sobre praias da Daniela e do Forte e sobre a Estação Ecológica de Carijós e APA Anhatomirim. O óleo das atividades industriais do estaleiro será conduzido ao mar, assim como os resíduos industriais, destacando-se o TBT (tributyltin), procedente de tintas anti-incrustrantes aplicadas nos cascos de navios e plataformas. Essa substância atua diretamente na supressão do sistema imunológico.
– Poluição sonora: a implantação da obra, a dragagem e o tráfego de embarcações geram ruídos prejudiciais aos botos, podendo levar ao abandono da área, por atrapalhar a orientação, a comunicação e a busca de alimentos.
– Pressões sobre a APA de Anhatomirim: sofrerá todos os impactos mencionados, no seu ecossistema como um todo.
(Porto Gente, 16/07/2010)
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