Projeto monitora Mata Atlântica no Rio de Janeiro com imagens detalhadas feitas por satélites. Ideia é impedir desmatamento predatório e crescimento urbano descontrolado
A tecnologia tem sido a principal arma na luta pela preservação de um dos biomas mais ricos e, ao mesmo tempo, mais ameaçados do mundo: a Mata Atlântica. Um projeto idealizado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) tem permitido o monitoramento das ocupações irregulares e desmatamentos ocorridos na região do Parque Nacional da Tijuca (RJ) e seu entorno. Batizada de Programa Integrado de Monitoria Remota de Fragmentos Florestais e de Crescimento Urbano no Rio de Janeiro (Pimar), a iniciativa utiliza imagens de satélite interpretadas por um software para identificar áreas ameaçadas e orientar ações de fiscalização e de políticas públicas.
O Parque da Tijuca inclui a Pedra da Gávea, um dos cartões-postais do Rio de Janeiro
Na primeira fase, os cientistas monitoraram uma área de 8 mil hectares, que abriga os quase 4 mil hectares do parque nacional mais a área urbana que o cerca, entre 2008 e 2009. Os resultados trouxeram boas notícias. Segundo os especialistas, nesse período, foram detectadas 646 áreas de mudança, equivalentes a apenas 5 hectares de desmatamento.
“O resultado do monitoramento foi bastante positivo. A área desmatada é pequena em relação ao todo pesquisado. Isso mostra que a gestão no local tem sido efetiva. É bom lembrar, também, que as modificações nem sempre ocorrem de maneira irregular. Isso porque, em determinadas situações, as árvores acabam gerando problemas”, explica o professor responsável pelo Pimar, Luiz Felipe Guanaes.
Segundo Guanaes, os mapas gerados também podem servir como provas contra aqueles que ocupam áreas indevidas ou derrubam árvores ilegalmente. Os integrantes do programa têm feito reuniões com especialistas em direito ambiental para esse fim.
Para a observação da mata, o programa conta com imagens de satélite em alta resolução compradas de uma empresa norte-americana, que são classificadas de acordo com diversos quesitos, como água, floresta, afloramento rochoso, entre outros. Depois, as imagens de um ano são comparadas com as do ano seguinte. “Fazemos uma subtração geométrica dos polígonos classificados de um ano para o outro. O resultado é o que mudou naquele determinado espaço de tempo”, destaca o professor.
Transformadas em mapas gerados numa escala de um para dois mil (cada centímetro do mapa equivale a 2 mil centímetros da realidade), compatíveis com os materiais já usados por órgãos gestores, as informações detectadas são confirmadas pelos especialistas in loco e posteriormente destinadas aos órgãos competentes. Além do Parque Nacional da Tijuca, o Pimar ainda monitora o Parque Estadual da Pedra Branca, também no Rio de Janeiro. E a ideia é estender o uso da tecnologia a todos os municípios que abrigam porções de Mata Atlântica.
Precisão
Para o Parque da Tijuca foram confeccionados cerca de 70 mapas. De acordo com Guanaes, as imagens obtidas em 2010 mostram que, até o momento, não houve modificações significativas. O Pimar conta com o trabalho de uma equipe multidisciplinar. Além de geógrafos, participam da iniciativa engenheiros, especialistas em direito, entre várias outras áreas acadêmicas.
Segundo o chefe do parque, Bernardo Issa, o programa desenvolvido pela PUC tem a vantagem de analisar áreas que vão além dos limites da floresta. “As áreas do entorno acabaram sofrendo bem mais com a expansão urbana. Engana-se quem pensa que só os condomínios de classe média baixa invadem as áreas de mata. Para isso não há classe social. Os condomínios de luxo também acabam provocando os mesmos males”, afirma.
Issa explica ainda que o levantamento é tão preciso que as imagens chegam a mostrar até mesmo as podas de árvores do parque. “Os mapas estão sendo importantes para a gestão da área. A iniciativa, que também pode ser estendida a outros municípios, visa a conservação da Mata Atlântica. O desmatamento desse bioma começa aos poucos, por isso são necessários tantos cuidados”, enfatiza o chefe do parque, vinculado ao Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Controle de doenças
A tecnologia também está ajudando os cientistas a estudarem a distribuição de espécies da fauna e da flora com o objetivo não só de proteger o meio ambiente, mas também de planejar ações de controle de doenças. Uma ferramenta batizada de openModeller, que utiliza softwares livres de código aberto, foi desenvolvida ao longo de quatro anos por um grupo de pesquisadores brasileiros para esse fim. O projeto é uma parceria do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria) com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com os especialistas, o openModeller é, na verdade, a disponibilização de um ambiente computacional que permite selecionar diferentes camadas de dados e algoritmos e, por meio desse ambiente, obter acesso a mecanismos capazes de analisar dados antes e depois do processamento. Com ele, é possível construir modelos e visualizá-los em uma escala espacial.
Segundo Vanderlei Canhos, coordenador do projeto e diretor-presidente do Cria, uma possível aplicação da tecnologia é verificar como a devastação de uma área pode ajudar no aumento de casos de doenças como a leishmaniose. “Se quisermos analisar como se espalha a leishmaniose em função da perda de cobertura vegetal, precisamos de dados de ocorrência do vetor e do hospedeiro, além de informações sobre pluviosidade e mudanças climáticas. A partir daí, é preciso que toda essa infraestrutura de dados possa ser acessada de forma transparente, com ferramentas que permitam sua visualização e análise”, afirmou Canhos à agência de notícias da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A modelagem ainda pode ser útil para a previsão de impactos das mudanças climáticas globais e das atividades humanas sobre a biodiversidade. além da prevenção e do controle de espécies invasoras.
1) Como funciona o Programa Integrado de Monitoria Remota de Fragmentos Florestais e de Crescimento Urbano no Rio de Janeiro (Pimar), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)?
O programa tem o objetivo de preservar as áreas florestadas, principalmente nas regiões de Mata Atlântica, onde os terrenos são acidentados e há forte pressão antrópica. O primeiro monitoramento foi realizado na área do Parque Nacional da Tijuca (RJ) e seu entorno. Primeiramente, compramos as imagens feitas via satélite de alta resolução de uma empresa americana, que fotografou determinadas áreas. Usamos as imagens coletadas em 2008 e 2009, posteriormente classificadas conforme os quesitos água, floresta, afloramento rochoso, área urbana e campo. A partir daí, fizemos uma subtração geométrica dos polígonos classificados durante os dois anos. O resultado foi a mudança naquele determinado espaço de tempo, em relação ao desmatamento e ocupações irregulares. As mudanças foram confirmadas posteriormente, e passaram a fazer parte dos mapas gerados e destinados aos órgãos competentes.
2) Como são construídos os mapas do Pimar e de que forma o material pode salvar as áreas de florestas?
Os mapas são verdadeiras ferramentas de gestão pública. Eles são gerados numa escala estabelecida de um para dois mil, compatíveis aos já utilizados por órgãos gestores: cada centímetro equivale a 2 mil cm da realidade. É uma precisão enorme. Cada mudança é devidamente apresentada ao gestor, uma comparação real de um ano para o outro. O objetivo é que ele tenha em mãos uma ferramenta para a tomada de decisões. Para o Parque Nacional da Tijuca foram elaborados 70 mapas. Os polígonos amarelos presentes no material representam as áreas de mudanças detectadas de um ano para o outro, no caso, cinco hectares de desmatamento. Os números, porém, não são preocupantes se considerarmos toda a área monitorada, até porque sabemos que o corte de árvores também pode ser legalizado. Essas árvores podem estar colocando certas áreas em risco ou impedindo a implementação de medidas necessárias. Na nossa opinião, os resultados obtidos mostram que houve gestão na área, e a ideia final do projeto, na verdade, é justamente garantir a continuidade da cobertura vegetal.
3) Quais são os próximos passos da pesquisa e quantas pessoas integram o Pimar?
Os próximos passos da pesquisa consistem na geração de mapeamento do Parque Nacional da Pedra Branca, que também fica no Rio de Janeiro. Acreditamos que esse trabalho possa apresentar uma quantidade maior de problemas, pois a área é de fronteira de expansão da cidade. O parque em questão é maior que a Tijuca, e considerado a maior floresta urbana do mundo. Para esses monitoramentos, contamos com uma equipe grande e multidisciplinar. Temos engenheiros elétricos, geógrafos e especialistas em direito ambiental. A intenção é que, no futuro, o material gerado pelo programa consiga provar a ocorrência de derrubadas, de forma que haja punição para os culpados, assunto que vem sendo discutido pelo grupo com frequência. É bom lembrar ainda que além da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), o Pimar conta com a participação do governo do estado e entidades como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
(Por Gisela Cabral, Correio Braziliense, 09/03/2010)
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