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Pedágio não é novidade em Florianópolis

Até 1935 era preciso pagar para entrar na cidade de Florianópolis, então restrita à Ilha de Santa Catarina, já que a atual parte continental pertencia ao município de São José. Antes da construção da ponte Hercílio Luz, o jeito era pagar a passagem das barcaças e balsas que atravessavam o mar entre o Estreito e a Ilha – e eventualmente enfrentar o desconforto de dividir o espaço com bois levados para o abate na Capital. A partir de 1926, com a inauguração da ponte, o governo estadual instituiu um pedágio para quem entrasse na Ilha por via terrestre. Além de taxar os veículos, o pedágio incidia também sobre pedestres, animais e até as malas.

A construção da primeira ligação terrestre entre a ilha-capital e o continente implicou na contratação de um empréstimo fabuloso para as contas do estado à época. O financiamento externo de 14 mil contos de réis representava nada menos que o dobro do orçamento anual do governo de Santa Catarina. Como precisava amortizar o pagamento dessa dívida, o governo decidiu conceder a uma empresa privada os serviços de conservação da ponte, firmando um contato de dez anos (depois reduzido para oito). A empresa vencedora da concorrência, além de receber um pagamento mensal do Estado pelo serviço, adquiriu o direito de cobrar pedágio.

O posto de cobrança ficava na cabeceira continental da ponte Hercílio Luz, perto do que é hoje o viaduto Presidente Kennedy, sobre a rua Fúlvio Aducci. Cada pessoa que quisesse atravessar a ponte em direção à Ilha deveria pagar um tostão. Esse era o nome que se dava à moeda de cem réis, na época suficiente para comprar um exemplar de jornal. O tostão era cobrado por pessoa, quer ela estivesse passando a pé ou a bordo de um carro. Se estivesse carregando um pacote ou uma mala, também pagaria pelo volume uma taxa variável, de acordo com o tamanho, que poderia chegar a 300 réis. Animais de grande porte, como cavalos ou bois, também implicavam no pagamento de uma taxa extra de mil réis.

Imagine um sujeito atravessando a ponte montado num cavalo, carregando uma mala e trazendo a reboque uma vaca, situação que não seria impensável já que a cidade e entorno eram basicamente rurais e havia pouquíssimos carros. Esse sujeito pagaria cem réis pela própria passagem, mais 300 pela mala, outros mil réis pelo cavalo e mais mil réis pela vaca. Nesse caso, pelo menos, o pedágio de 2$400 (dois mil e quatrocentos réis) seria provavelmente mais caro que os R$ 4,50 cobrados em algumas rodovias do país hoje. Automóveis ou carroças pagavam 2$000 e caminhões, até 3$000.

Escolha da empresa que apresentou cobrança mais alta causou dúvidas sobre a concorrência

A Corsini e Irmãos, de Remo Corsini, apesar de ter cobrado o valor mais alto, arrebatou exploração do pedágio na Hercílio Luz. Boatos não faltaram à época, divulgados pela imprensa, de que “para tal concessão foram estorquidas do contratante, por pessoas de alta responsabilidade, gorjetas à mão cheia”. A direção de obras públicas justificou a escolha com o argumento de que nenhuma das outras propostas “ofereceu vantagens iguais à apresentada pelo contratante Remo Corsini, em relação a todo o equipamento neces-sário para a devida conservação da ponte”.

A proposta de Corsini previa a conservação da ponte por um prazo de dez anos, recebendo do Estado 15 contos de réis por mês. Além de receber os recursos públicos, a empresa teria direito a cobrar pedágio na ponte e a explorar uma linha de ônibus entre Florianópolis e o Estreito (então um distrito de São José). A proposta acabou aprovada com modificações. A Corsini e Irmãos não conseguiu o direito de explorar a linha de ônibus, o prazo de concessão foi reduzido de dez para oito anos e a quantia repassada mensalmente pelo Estado caiu de 15.000$000 para 14.833$333 (14 contos, 833 mil e 333 réis). A empresa deveria ainda pagar o salário de um fiscal do contrato, de 6.000$000 por ano.

Vistoria

O Congresso Representativo (equivalente à época da Assembléia Legislativa) aprovou em 7 novembro de 1925 a lei 1.524, sancionada no mesmo dia pelo governador Pereira e Oliveira. A lei estabeleceu a criação do pedágio e a concessão do serviço de conservação da ponte, mediante concurso público. Antes de entregar o serviço a um contratante privado, o governo encomendou uma vistoria minuciosa da ponte ao engenheiro fiscal Felippe Buendgens, para certificar-se de que a obra de construção havia sido executada de acordo com o projeto e a ponte não apresentava defeitos.

O edital de concorrência foi aberto no dia 12 de fevereiro de 1926. O serviço a ser contratado incluía a conservação da ponte e as ruas de acesso. Os interessados tiveram duas semanas para apresentar as propostas. Seis empresas se candidataram, propondo assumir a conservação da ponte e serviços adicionais mediante o pagamento pelo Estado de quantias que variavam de 132.000$000 a 178.000$000 (132 a 178 contos de réis) por ano.

População insatisfeita com transporte na cidade exigiu fim da tarifa

Com o crescimento da cidade e o aumento do trânsito sobre a ponte, as cobranças geraram reclamações. No fim de outubro de 1930, os revolucionários de Getúlio Vargas entraram na Ilha, única capital que só entregou o governo depois que Getúlio tomou o poder federal, no Rio de Janeiro. O general Ptolomeu de Assis Brasil, comandante das tropas que tomaram Florianópolis, foi nomeado interventor e um dos primeiros assuntos de que ocupou publicamente foi uma reclamação sobre a cobrança de pedágio na ponte, divulgada por um panfleto anônimo. Mas a cobrança continuaria até 1935. A população andava insatisfeita com o transporte da cidade. Alguns meses antes, em 1934, uma revolta popular deu fim ao último bonde puxado a burros, queimado e atirado no mar.

INDENIZAÇÃO

De acordo com nota publicada à época no jornal O Estado, faziam parte da comissão o juiz federal Henrique Lessa, o presidente do Superior Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Tavares Sobrinho, e Vasco d’Ávila, do piquete do Quartel Geral. O governo também decidiu colocar um fiscal na ponte para verificar o cumprimento do contrato de manutenção. O contrato entre o Estado e a Corsini e Irmãos acabaria rescindido quatro anos e meio depois de entrar em vigor (30 de novembro de 1930), antes de completar o prazo previsto de oito anos. O Estado indenizou o contratante pelo tempo que faltava e assumiu a conservação da ponte, mas a cobrança do pedágio continuou até 1935.

O contrato de concessão em vigor desde 15 de maio de 1926 previa uma arrecadação mensal de 20.000$000 com o pedágio da ponte. João Auta Soares, um dos cobradores de pedágio, em depoimento ao jornal O Estado em 1976, disse que o arrecadação do pedágio jamais atingiu esse valor exceto numa ocasião, em 1934, quando houve uma passeata da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento político de inspiração fascista que mantinha milícias e organizava reqüentemente desfiles públicos como demonstração de força. Como se vê, cada um dos mais de cem milicianos que atravessaram a ponte a pé teve de pagar seu tostão.
(Carlito Costa, A Notícia, 18/09/2006)

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