Minimizar um problema ambiental, gerar energia limpa e contribuir economicamente com cooperativas de trabalhadores que reciclam resíduos – o ciclo virtuoso da utilização de rejeitos da coleta seletiva para produzir energia foi o foco da pesquisa de mestrado de Eduarda Piaia, defendida no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina. Ela avaliou a viabilidade da produção dos chamados Combustíveis Derivados de Resíduos (CDR) a partir de um estudo realizado junto a Associações de Catadores de Materiais Recicláveis. O trabalho foi orientado pelo professor Armando Borges de Castilhos Júnior e pode contribuir com as metas da indústria cimenteira para a redução da poluição atmosférica por CO2.
Como resultado, Eduarda identificou que o processo é promissor, mas que, para compensar o custo da instalação de uma planta que transforme lixo em energia, é necessário um grande volume de rejeitos – o que implicaria em estratégias que envolvessem mais de uma cidade na produção. Na prática, essa planta utilizaria os rejeitos coletados no processo de reciclagem, hoje encaminhados para aterros sanitários, para gerar combustível para as indústrias de cimento.
A pesquisadora tem estudado os resíduos sólidos desde o seu trabalho de conclusão de curso, desenvolvido em 2016, também na UFSC. Sua preocupação, até então, era compreender porque o material coletado na cidade e que chegava aos recicladores tinha tantos itens que não podiam ser comercializados e eram descartados. De roupas a matéria orgânica, passando por plásticos específicos que não encontram compradores, esses materiais se perdem no processo e retornam aos aterros sanitários, já sobrecarregados.
Em 2019, no entanto, uma portaria interministerial passou a disciplinar a recuperação energética de resíduos sólidos urbanos, o que seria uma alternativa ao aterramento de resíduos. “Era um assunto super novo e poucas pessoas estavam estudando isso naquele momento. Por uma sugestão do meu orientador, decidi fazer esse estudo de viabilidade técnica, analisando os rejeitos e sua possibilidade de geração de energia”.
Ela já sabia, por conta do TCC, os tipos de rejeitos que chegavam até as cooperativas. Naquele estudo, Eduarda esteve em campo com os recicladores durante o processo de seleção dos materiais que poderiam ser vendidos. Cerca de 20% do material acabava não sendo aproveitado – e foi justamente em torno desse percentual que ela decidiu concentrar suas análises na dissertação.
Para a produção do CDR, a pesquisadora concentrou sua análise na investigação de parâmetros que a levaram a compreender o potencial de geração de energia dos resíduos. A investigação sobre a quantidade de cloro, de mercúrio e do potencial calorífico dos rejeitos fez parte do estudo, que também se baseou nas normas internacionais e na norma ABNT NBR 16.849/2020 para chegar aos resultados.
Amostras e resultados
A pesquisadora coletou, para o estudo, diferentes amostras em três associações de recicladores de Florianópolis: no Norte e Sul da Ilha e na região central. No total, foram 24 amostras de cada associação, separadas em dez categorias, de acordo com o tipo de resíduo coletado.
Eduarda ressalta que alguns tipos de plástico também são descartados como rejeitos, como os de embalagem de macarrão, por exemplo. Mas há outros tipos de materiais que chegam nas associações, como papel higiênico, pilhas, lâmpadas, etc. “Cada cidade e cada região tem uma característica diferente quanto aos rejeitos e, por consequência, um potencial diferente tanto para a reciclagem quanto para o aproveitamento energético”, explica.
As amostras coletadas na pesquisa foram trituradas e levadas para o laboratório. Como principais resultados, o estudo constatou que 60,27% dos rejeitos das associações de catadores do município de Florianópolis podem ser utilizados para a recuperação energética. Entre aqueles a serem aproveitados no processo, 75,26% são embalagens de macarrão e biscoitos, de bolo e papel, que possuem como principal componente do polipropileno (PP) ou película de polipropileno biorientada (BOPP). A pesquisa também indica a necessidade de trituração antes da utilização direta dos rejeitos em fornos de cimenteiras, devido às especificações do processo produtivo.
Outra preocupação da investigação foi estimar as emissões atmosféricas evitadas ao se substituir o combustível convencional de cimenteiras pelo CDR em três cenários baseados nas metas do setor cimenteiro para a substituição de combustíveis fósseis por combustíveis alternativos. Como resultado, verificou-se que em um dos cenários seria possível reduzir em 14,73% a emissão de CO2 no ar.
A pesquisa sugere, como recomendação, que se realizem estudos semelhantes com os resíduos que chegam ao aterro sanitário de Biguaçu, que recebe material de toda a grande Florianópolis e poderia gerar um montante suficiente para justificar um empreendimento desse porte. “Eventualmente, as cidades de Blumenau e Itajaí poderiam, tal como Florianópolis, compor uma massa de rejeitos interessante para o uso como CDR”, indica.
A pesquisadora ainda lembra que além de contribuir com a geração de uma energia mais limpa e com a redução da utilização de aterros, o processo poderia representar possibilidade de renda extra para os recicladores, já que o material, antes desperdiçado, pode passar a ter um custo, garantindo benefícios econômicos ao trabalhador. “A chave para que dê certo é que se conheça a composição gravimétrica dos rejeitos, por isso a importância de se fazer estudos em diferentes regiões”, finaliza.
(UFSC, 07/02/2022)
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