Artigo de Washington Novaes – Jornalista (O Estado de São Paulo, 07/03/08)
No momento em que estas linhas são escritas, realiza-se mais uma reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), para que representantes dos governos federal e estaduais, ONGs e instituições científicas definam “as contribuições ao projeto de lei que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima, a ser encaminhado ao Comitê Interministerial sobre Mudanças do Clima”.
Estranho – 15 anos depois de haver assinado a convenção do clima – o governo federal ter criado apenas no ano passado um comitê para definir essa política, quase ao mesmo tempo que, só então, instituiu também uma Secretaria de Mudanças Climáticas no Ministério do Meio Ambiente. Mas já há um projeto de política nacional, que, entretanto, mereceu muitos reparos na reunião do FBMC, no dia 21 de fevereiro.
Nessa discussão, a secretária de Mudanças Climáticas, Thelma Krug, explicou as dificuldades em avançar na redução do desmatamento em florestas e respectivas emissões. A proposta brasileira de um fundo para que os países industrializados compensem financeiramente as reduções, apresentada na reunião de Bali, em dezembro, foi questionada nos debates.
Segundo a ata da reunião, “a avaliação feita aponta que os países ricos não aportarão recursos para um fundo que, de fato, venha a fazer diferença”. Quanto ao texto para uma política nacional do clima, que deverá ser transformado em projeto de lei, se considerou que a base científica “é muito incipiente” e sua ampliação precisará ser exatamente um dos objetivos do plano. Entendeu-se também que o anteprojeto, excessivamente sintético, “não é eficaz”, precisa ser ampliado para incluir a educação ambiental, ser mais claro quanto aos impactos sobre a saúde pública, entre outros pontos.
Na verdade, é um projeto ainda ambíguo em certos pontos, principalmente no crucial: definir se o País aceita ou não metas obrigatórias de redução das emissões. Ele menciona apenas a necessidade de “adotar ações de mitigação da mudança do clima no contexto do desenvolvimento sustentável que sejam, sempre que possível, mensuráveis, passíveis de serem informadas e verificáveis”.
E inclui um parágrafo que traduz a antiga visão de setores da segurança nacional e da diplomacia, contrários à aceitação de pagamento pela conservação da floresta, por entenderem que fere “o direito soberano do Brasil de utilizar seus recursos naturais segundo políticas ambientais e de desenvolvimento”.
A proposta de política inclui entre suas diretrizes “mitigar a mudança do clima por meio da redução de emissões antrópicas por fontes e do fortalecimento das remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa”. Parece uma referência à tecnologia de capturar as emissões de carbono na fonte emissora e sepultá-las no fundo da terra ou no fundo do mar.
É uma tecnologia em que os EUA, por exemplo, pareciam, até há pouco, depositar muita esperança e que foi considerada “tecnicamente viável” pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, mas ainda sujeita a avaliações mais amplas dos pontos de vista geológico, hidrológico e da biologia marinha. Há poucas semanas, porém, a Secretaria de Energia dos EUA recuou da decisão de apoiar com US$ 1,3 bilhão o primeiro projeto experimental em larga escala, previsto para o Estado de Illinois.
Também uma grande empresa petrolífera colocou em banho-maria projeto dessa natureza que levaria para o fundo do Mar do Norte emissões de uma usina de energia na Escócia. A União Européia tem planos para 12 unidades desse tipo até 2015, mas ainda não destinou recursos. Austrália e China seguem com seus projetos. No Brasil, a Petrobrás inicia experiências na área.
Na reunião do FBMC, definiu-se que “divergências científicas” a respeito do clima “devem ser respondidas pelo meio acadêmico”. E exatamente nesta semana se está realizando a reunião em que 60 cientistas “céticos” apresentam seus argumentos de que, embora a temperatura da Terra realmente esteja aumentando, as mudanças no clima se devem a um ciclo natural de aquecimento e resfriamento.
A seu ver, é preciso “afastar o alarmismo”, desmentir a “tese apocalíptica”, negar as acusações de que eles sejam, na maioria, cientistas financiados pela indústria do petróleo, como disse o ex-vice-presidente Al Gore. Um dos líderes do encontro é o “ambientalista cético” Bjorn Lamborg, que, quando publicou seu livro negando as teses sobre mudanças do clima e atacando vários de seus defensores, recebeu respostas contundentes e ácidas de vários atingidos, entre eles Thomas Lovejoy e Edward Wilson, que apontaram suas deficiências até na estatística, sua área de formação acadêmica.
Seja como for, a questão do clima continua em ebulição. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA bloqueou há pouco uma iniciativa do Estado da Califórnia de impor limites para a emissão de poluentes por veículos – e está recebendo uma chuva de protestos. A área das finanças por muitos caminhos manifesta sua preocupação. O Bank of América Corp. afirma que o Congresso norte-americano precisa criar um sistema de comércio de emissões e diz que passará a “definir o custo do carbono” e os riscos climáticos nos empreendimentos que vier a financiar.
Fundos de pensão comprometeram-se com a ONU a destinar US$ 10 bilhões para tecnologias capazes de reduzir emissões e vão pressionar as empresas com que negociam para que tornem público seu “passivo climático”. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, pediu a criação do “primeiro banco de carbono independente na Europa”, que seja “mais rigoroso com os esquemas de comercialização de emissões”.
Só que nessa mesma hora novos acordos permitirão mais 200 vôos diários partindo da Inglaterra para os EUA, quando o setor do transporte aéreo é aquele em que mais crescem proporcionalmente as emissões de poluentes…