Assoreamento já prejudica navegação e pesca, mas geólogo garante que causa é fenômeno natural
O cantinho do Retiro da Lagoa onde o pescador Manoel José Basílio, 74 anos, costumava “matar muito camarão”, hoje não chega a 30 centímetros de profundidade. Nativo e morador da localidade, Basílio acha que a Lagoa da Conceição está mudando para pior. Ele e outros freqüentadores de um dos principais cartões-postais de Florianópolis suspeitam de que a lagoa está ficando mais rasa e um dos motivos seria o assoreamento. “A gente colocava vara de bambu e ela não batia no fundo. Hoje de cima do morro tu vês o fundo da lagoa todo”, conta.
O pescador Darci Maurílio Nunes, de 55 anos, também nativo e morador do Retiro da Lagoa, usa vários exemplos para comprovar sua suspeita de que a Lagoa da Conceição está perdendo profundidade. Um deles é o tamanho das redes que usa para pescar.
As de cinco braças (cerca de dez metros), que antes podiam se utilizadas com folga, deram espaços às de três e quatro braças (entre seis e oito metros, aproximadamente), que, mesmo assim, “batem no fundo”, segundo Nunes. Ao lado da casa do pescador, há um costão por onde hoje se passa a pé por entre as rochas, algo que, de acordo com ele, era impossível há três décadas.
Darci Nunes também observa que os barcos do porte do dele, com cerca de 10,5 metros de comprimento, têm dificuldade em navegar em vários trechos da Lagoa da Conceição em que antes passavam tranqüilamente. “Hoje eu passo arrastando [no fundo] em vários trechos”, conta. Ele cita a Ponta das Almas, o Canto dos Araçás, a saída do canal da Barra da Lagoa e a região perto da ponte da avenida das Rendeiras como as de piores condições para navegação.
“Na saída da Barra já teve gente que encalhou. Até as voadeiras [lanchas] passam com dificuldade ali. Tem também lugares em que nunca existiu praia, mas hoje já se formou uma prainha”, relata. A Costa da Lagoa é, segundo Nunes, o lugar com melhores condições para navegar na região.
O pescador Eugênio Pereira, 34 anos, morador da Barra da Lagoa, também avalia que as condições de navegação no canal da Barra têm piorado com o passar dos anos. Para ele, além da ponte na localidade conhecida como “Fortaleza da Barra”, onde o canal desemboca na lagoa, outro ponto ruim para navegar fica perto do cemitério. Pereira acha que deveria haver dragagem no local – a última ocorreu há cerca de 20 anos.
Urbanização é apontada por ambientalistas
Entre ambientalistas e pesquisadores, não há consenso sobre se a Lagoa da Conceição está assoreada. O presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia da Lagoa, Alésio dos Passos Santos, antigo morador da localidade, avalia que sim, mas o pesquisador e professor universitário Érico Porto Filho, que há 20 anos pesquisa a região, defende que, tecnicamente, ainda não se pode fazer tal afirmação.
Para Passos, o assoreamento da Lagoa intensificou-se nos últimos anos pela ocupação das encostas. Com isso, materiais como areia, barro e vegetação são depositados em quantidades cada vez maiores no fundo. Além disso, vários aterros surgiram na região. “Hoje temos praias enormes onde antes era água”, diz.
Passos estima que a lâmina d’àgua tenha diminuído cerca de 20% nas últimas três décadas e teme pela perda de “grande parte da lagoa” nos próximos cem anos. Apesar disso, ele faz restrições às idéias de dragagem. “Cada um quer desassorear para entrar em casa com sua lancha, mas não é assim. Tem que saber de onde tirar areia e para onde levar”, diz.
O secretário-executivo do Comitê, Jeffrey Hoff, diz que não há conclusão sobre de onde vem o assoreamento da Lagoa da Conceição. Um dos motivos, segundo ele, seriam propriedades agrícolas que existiam em toda a bacia durante a década de 1960. A suspeita é de que, com a derrubada da vegetação nativa, as chuvas teriam ajudado a depositar material orgânico no fundo da lagoa. “A construção civil também é um dos vários fatores. As pesquisas mostram que dragar não é a melhor solução. Teria que barrar a fonte do assoreamento”, afirma.
Fartura de peixe e camarão fica na lembrança
A Lagoa da Conceição já foi local “de muita fartura” para os pescadores, segundo o Manoel Basílio, mas hoje já não se encontra tanto peixe na região. Ele lembra com saudade das pescas de camarão que costumava fazer há quatro ou cinco décadas. “Os compradores chegavam a mandar a gente parar de pegar porque já tinha muito camarão”, recorda.
Basílio conta que famílias numerosas – com quatro, cinco, seis ou até mais filhos – foram sustentadas durante décadas com a pesca na Lagoa da Conceição. Com bom humor, ele relembra, ainda, uma história do dia em que um conhecido precisou descartar vários quilos de camarão capturados porque era Sexta-feira Santa. “Naquela época, ninguém comia nenhum tipo de carne na Sexta-feira Santa. O coitado jogou tudo fora”, diverte-se.
Manoel Basílio e Darci Nunes avaliam que o crescimento rápido e desordenado pode ter sido uma das causas para as mudanças ocorridas na Lagoa da Conceição. Nunes acha que a dragagem poderia amenizar a situação.
Geólogo avalia situação como “efeito normal”
O professor Érico Porto Filho, do departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), estuda a sedimentação na Lagoa da Conceição desde 1987. Já fez especialização, dissertação de mestrado e agora finaliza tese de doutorado sobre o assunto. Depois de duas décadas de pesquisa, ele afirma: “não considero que a lagoa esteja assoreada”.
As pesquisas de Porto apontam que a taxa de sedimentação na Lagoa da Conceição pode ser considerada pequena, com pouca contribuição dos rios Vermelho e João Gualberto e do canal da Barra da Lagoa. A média de assoreamento atinge, no máximo, 1cm por ano, podendo chegar a cerca de 4cm na desembocadura de córregos, existentes principalmente na parte Oeste da lagoa. Mesmo assim, ainda é insuficiente para que sejam notadas grandes mudanças no curto prazo.
Os dados colhidos pelo professor da UFSC apontam que a profundidade máxima é de 8,3m perto da Costa da Lagoa e de 5,5m na região próxima à avenida das Rendeiras.
Para o professor, a impressão que alguns pescadores e outros navegadores têm de que há formação de novas áreas de difícil de navegação pode ser explicada pela migração interna dos bancos de areia, principalmente em áreas mais rasas, causada por influência das marés e do vento. “As lagoas costeiras estão sujeitas a ventos e marés que causam ondas e provocam correntes internas”, explica. Dependendo da direção do vento, se a época é de predominância do Sul ou do Nordeste, por exemplo, eles podem se depositar em diferentes regiões, mas, na média, a profundidade continuaria a mesma.
(Felipe Silva, A Notícia, 02/12/2007)
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